QUESTÃO XLII. – DA IGUALDADE E DA SEMELHANÇA DAS PESSOAS DIVINAS ENTRE SI
Em seguida devemos tratar da relação das Pessoas entre si. E primeiramente, da igualdade e da semelhança; segundo, da missão. Na primeira questão discutem-se seis artigos:
- Se há igualdade entre as pessoas divinas;
- Se a pessoa procedente é igual à de que procede, quanto à eternidade;
- Se há alguma ordem nas divinas pessoas;
- Se as pessoas divinas são iguais quanto à grandeza;
- Se uma delas está na outra;
- Se são iguais pela potência.
ART. I. – SE A IGUALDADE CONVÉM ÀS PESSOAS DIVINAS
O primeiro discute-se assim. – Parece que a igualdade não convém às pessoas divinas.
1. – Pois, a igualdade supõe a unidade quantitativa, como está claro no Filósofo. Ora, em Deus não há nem a quantidade contínua intrínseca, chamada grandeza; nem a quantidade contínua extrínseca chamada lugar e tempo; nem a igualdade fundada na quantidade discreta, pois duas pessoas são mais que uma. Logo, às pessoas divinas não convém à igualdade.
2. Demais. – As pessoas divinas têm a mesma essência, como se disse (q. 39, a. 2). Ora, a essência é expressa como forma. Ora, a conveniência pela forma não produz a igualdade, mas, a semelhança. Logo, às pessoas divinas devemos atribuir a semelhança e não a igualdade.
3. Demais. – Quaisquer seres iguais o são entre si, pois, chamamos igual ao igual. Ora, as pessoas divinas não podem se considerar iguais entre si. Porque, como diz Agostinho, a imagem, que perfeitamente reproduz o ser de que é imagem, deve-lhe ser igual a ele, e não, ele a ela. Ora, imagem do Pai é o Filho, e portanto não é o Pai igual ao Filho. Logo, nas pessoas divinas não há igualdade.
4. Demais. – A igualdade é uma determinada relação. Ora, nenhuma relação é comum a todas as pessoas; pois, pelas relações é que as pessoas se distinguem umas das outras. Logo, a igualdade não convém às pessoas divinas.
Mas, em contrário, diz Atanásio, que as três pessoas são entre si coeternas e coiguais.
SOLUÇÃO – É forçoso admitirmos a igualdade das pessoas divinas. Pois, segundo o Filósofo, o igual é uma quase negação do menor e do maior. Ora, não podemos, nas pessoas divinas, introduzir o conceito de maior nem de menor; porque, como diz Boécio, a diferença de divindade resulta da opinião dos que a aumentam ou a diminuem, como os Arianos que, fazendo variar a Trindade pelos graus dos méritos, a destroem e introduzem nela a pluralidade. E a razão disso está em não poderem seres desiguais ter a mesma quantidade numérica. Ora, a quantidade em Deus não é senão a sua essência mesma. Donde resulta, que se existisse qualquer desigualdade nas pessoas divinas, elas não teriam a mesma essência e, portanto, não constituiriam um só Deus, o que é impossível. Logo, devemos admitir a igualdade das pessoas divinas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Há duas sortes de quantidade. Uma a chamada de massa ou dimensiva, só existente na matéria, e, portanto não nas pessoas divinas. Outra é a quantidade de virtude, assim chamada por se fundar na perfeição de uma natureza ou forma. E essa nós a designamos quando dizemos que um corpo é mais ou menos cálido segundo tiver o calor mais ou menos perfeitamente. Ora, esta quantidade virtual é considerada, primeiro, radicalmente, isto é, quanto à perfeição mesma da forma ou da natureza; e nesse sentido falamos em grandeza espiritual, como chamamos grande ao calor que o é pela sua intensidade e perfeição. Por isso, diz Agostinho, que, em coisas que não são grandes pela massa, ser maior é o ser melhor; pois, melhor se diz o que é mais perfeito. Em segundo lugar, a quantidade é considerada virtual, pelos efeitos da forma. Ora, o primeiro efeito da forma é o ser, pois, cada coisa tem o ser pela sua forma. E o segundo efeito é a ação, pois todo agente age pela sua forma. Por onde, a quantidade virtual se funda no ser e na ação. No ser, porque as coisas de natureza mais perfeita são de maior duração. E na ação, porque as coisas de natureza mais perfeita têm maior poder de agir. E assim, como diz Agostinho, entende-se que há igualdade no Pai, no Filho e no Espírito santo, porque nenhum deles precede pela eternidade, excede pela grandeza ou supera pelo poder.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Considerada relativamente à quantidade virtual, a igualdade inclui em si a semelhança e ainda mais, porque exclui o excesso. Pois, todos os seres que comunicam pela mesma forma, podem ser chamados semelhantes, mesmo se participarem desigualmente dessa forma; como se se disser que o ar é semelhante ao fogo, pelo calor. Mas não se podem chamar iguais se um participar da forma mais perfeitamente que os outros. Ora, como não somente é a mesma a natureza do Pai e do Filho, mas também em ambos há igualdade perfeita, podemos dizer que o Filho é semelhante ao Pai, para excluirmos o erro de Eunômio; mas também podemos dizer que é igual, para excluirmos o erro de Ario.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A igualdade ou a semelhança em Deus podem ser expressas de dois modos: por nomes e por verbos. Quando expressa por nomes, dizemos que há nas pessoas divinas mútua igualdade e semelhança; porque o Filho é igual e semelhante ao Pai, e inversamente. E isto por não ser a essência divina mais do Pai do que do Filho. Por onde, assim como o Filho tem a grandeza do Pai, que o torna igual a este, assim o Pai tem a do Filho, que também o torna igual a ele. Mas nas criaturas, como diz Dionísio, não há conversão da igualdade em semelhança. Pois, as coisas causadas se dizem semelhantes às causas por terem as formas destas; não, porém, inversamente, porque a forma está principalmente na causa e secundariamente, no causado. Os verbos, porém, significam a igualdade com movimento. E embora não haja movimento em Deus, pode ele todavia receber. Pois, pelo Filho receber do Pai o que o torna igual ao Pai, e não, inversamente, por isso dizemos que o Filho é o igual ao Pai, e não inversamente.
RESPOSTA À QUARTA. – Nas pessoas divinas não devemos considerar senão a essência em que comunicam, e as relações pelas quais se distinguem. Mas a igualdade supõe uma e outra coisa: a distinção das pessoas, porque nada é igual a si mesmo; e a unidade de essência, pois as pessoas são iguais entre si por terem a mesma grandeza e a mesma essência. É, porém, manifesto que uma coisa não se refere a si mesma por nenhuma relação real. E também nenhuma relação se refere a outra por qualquer terceira relação. Quando, pois, dizemos que a paternidade se opõe à filiação, essa oposição não é uma relação média entre a paternidade e a filiação, porque de um e outro modo a relação se multiplicaria ao infinito. Por onde, a igualdade e a semelhança, nas pessoas divinas, não é nenhuma relação distinta das relações pessoais, mas no seu conceito incluem tanto as relações distintivas das pessoas como a unidade de essência. Por isso o Mestre das Sentenças diz, que em Deus a apelação é somente relativa.
ART. II. – SE A PESSOA PROCEDENTE É COETERNA COM O SEU PRINCÍPIO, COMO O FILHO COM O PAI
O segundo discute-se assim. – Parece que a pessoa procedente não é coeterna com o seu princípio, como o Filho, com o Pai.
1. – Pois Ario assinala doze modos de geração. O primeiro modo é o pelo qual a linha provém do ponto, no que falta a igualdade da simplicidade. O segundo, pelo qual a emissão dos raios provém do sol, no que falta a igualdade de natureza. O terceiro, pelo qual o caráter ou a impressão provem do carimbo, no que falta a consubstancialidade e a eficiência do poder. O quarto, pelo qual a imissão da boa vontade provém de Deus, no que também falta a consubstancialidade. O quinto, pelo qual provem o acidente da substância; mas ao acidente falta a subsistência. O sexto, pelo qual a abstração da espécie provém da matéria, da mesma maneira que o sentido recebe a espécie, da coisa sensível; no que falta a igualdade de espiritualidade. O sétimo, pelo qual a excitação da vontade provém do conhecimento, cuja excitação é temporal. O oitavo é pela transfiguração, da maneira pela qual do ar se faz a imagem; e esse é material. O nono, pelo qual o movimento provém do motor, onde também há efeito e causa. O décimo, pelo qual as espécies provém gênero, o que não convém a Deus, pois, o Pai não é predicado do Filho, como o gênero da espécie. O undécimo é o pela ideação, como a arca exterior procede da que está na mente. O duodécimo, pelo qual os seres que nascem, p. ex., um homem, procede de um pai, no que há anterioridade e posterioridade no tempo. É, portanto, claro que, em todos os modos pelos quais uma coisa procede de outra, ou falta a igualdade de natureza ou a de duração. Se, pois, o Filho procede do Pai, é necessário dizer ou que ele é menor que o Pai, ou que é posterior, ou uma e outra coisa.
2. Demais. – Tudo o que provém de outro tem princípio. Logo, o Filho não é eterno e nem o Espírito Santo.
3. Demais. – Tudo o que se corrompe deixa de existir. Logo, tudo o que é gerado começa a existir, pois, o gerado o é, para existir. Ora, o Filho foi gerado pelo Pai. Logo começa a existir e não é coeterno com o Pai.
4. Demais. – Se o Filho foi gerado pelo Pai, ou foi sempre ou devemos admitir um instante em que foi gerado. Se sempre foi gerado, como toda coisa gerada é imperfeita, segundo claramente o mostram as sucessivas, como o tempo e o movimento, que estão sempre em vir a ser, resulta que o Filho é sempre imperfeito, o que é inadmissível. Logo, devemos admitir de sorte que, antes desse momento, o Filho não existia.
Mas, em contrário, diz Atanásio, no Símbolo que todas as três pessoas são coeternas entre si.
SOLUÇÃO – Devemos admitir que o Filho é coeterno com o Pai. Para evidenciá-lo é mister notar que, o ser tudo o que existe, em virtude de um princípio, posterior ao seu princípio, pode dar-se de dois modos: relativamente ao agente ou relativamente à ação. – Relativamente ao agente, devemos distinguir entre os agentes voluntários e os naturais. Nos voluntários, por causa da eleição no tempo; pois, assim como está no poder de um agente voluntário escolher a forma que vai conferir ao efeito, segundo dissemos (q. 41, a. 2), assim no poder do mesmo está escolher o tempo em que produzirá esse efeito. Com os agentes naturais, porém, tal se dá porque esses agentes não tem originariamente a perfeição da virtude natural para agir, mas a recebem só depois de certo tempo; assim, o homem não pode gerar desde que começa a existir. – Relativamente à ação, é impossível o que provém de um princípio ser simultâneo com este, porque a ação é sucessiva. Por onde, dado que um agente viesse a agir, deste modo, imediatamente depois de ter começado a existir, o efeito não existiria concomitantemente, no mesmo instante, mas no instante em que terminasse a ação. Ora, é claro, pelo que demonstramos (Ibid), que o Pai não gera o Filho pela vontade, mas pela natureza; e demais, que a natureza do Pai é perfeita abeterno; e ainda que a ação pela qual o Pai produz o Filho não é sucessiva, porque então o Filho de Deus seria gerado sucessivamente, e a sua geração seria material e sujeita ao movimento, o que é impossível. Donde se conclui, que o Filho existiu desde que existiu o Pai. E portanto é coeterno com o Pai. E, semelhantemente, o Espírito Santo, com ambos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como ensina Agostinho, nenhum modo de processão de qualquer criatura representa perfeitamente a geração divina. Por onde, é necessário buscarmos a semelhança, de muitos modos de maneira a completar por uma o que a outra falta. Por isso diz o Sínodo Efesino: Que o Esplendor te mostre que o Filho coexiste sempre coeterno com o Pai. Que o Verbo te mostre ser impassível a natividade. Que o nome de Filho te insinue a consubstancialidade. Mas, dentre todas as semelhanças, a processão do verbo, do intelecto, é a que mais expressamente a representa; pois, o verbo não é posterior ao princípio donde procede, a menos que não seja o intelecto tal que passe da potência para o ato; o que não se pode dizer de Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A eternidade exclui o princípio de duração, mas não o de origem.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Toda corrupção é uma certa mutação; donde, tudo o que se corrompe começa a não ser e cessa de ser. Ora, a geração divina não é uma transmutação, como se disse (q. 27, a. 2). Por isso, o Filho sempre é gerado e o Pai sempre gera.
RESPOSTA À QUARTA. – No tempo, uma coisa é o seu elemento indivisível, que é o instante e outra, o persistente, que é o tempo. Mas na eternidade, o próprio instante é indivisível e sempre existente, como se disse (q. 10, a. 2, ad 1; a. 4, ad 2). Ora, a geração do Filho não é num instante do tempo ou no tempo, mas na eternidade. E portanto, para exprimirmos a presencialidade e a permanência da eternidade, podemos, com Origines, dizer que sempre nasce. Mas, com Gregório e Agostinho, melhor é dizermos sempre nascido, designando sempre a permanência da eternidade, e nascido, a perfeição do ser gerado. Assim, pois, o Filho não é imperfeito, nem existia quando ainda não existia, como disse Ário.
ART. III. – SE NAS PESSOAS DIVINAS HÁ A ORDEM DA NATUREZA
O terceiro discute-se assim. – Parece que nas pessoas divinas não há a ordem da natureza.
1. – Pois, tudo o que existe em Deus é essência ou pessoa ou noção. Ora, a ordem da natureza não significa a essência, nem nenhuma das pessoas ou das noções. Logo, a ordem da natureza não existe em Deus.
2. Demais. – Em todos os seres onde há a ordem da natureza, um é anterior ao outro, ao menos pela natureza e pelo conceito. Ora, nas pessoas divinas, não há anterior nem posterior, como diz Atanásio (no Símbolo). Logo, nas pessoas divinas não há a ordem da natureza.
3. Demais. – Tudo o ordenado é distinto. Ora, a natureza, em Deus, não é distinta. Portanto, não é ordenada. Logo, não há em Deus a ordem da natureza.
4. Demais. – A natureza divina é a sua essência. Ora, em Deus, não há a ordem da essência. Logo, nem a da natureza.
Mas, em contrário. – Onde quer que haja pluralidade sem ordem, há confusão. Ora, nas pessoas divinas não há confusão, como diz Atanásio. Logo; há ordem.
SOLUÇÃO – A ordem supõe sempre relação com um princípio. Ora, a palavra princípio tem múltiplos sentidos, a saber: o locativo, como o ponto; o intelectivo, como o princípio da demonstração; o relativo a cada causa. Assim também a ordem. Mas, em Deus, o princípio é relativo à origem, sem idéia de prioridade, como vimos (q. 33, a. 1 ad 3). Por onde, há necessariamente em Deus a ordem, quanto à origem, sem idéia de prioridade. E essa é a ordem da natureza, conforme Agostinho, quando diz: Não por ser um anterior ao outro, mas por ser um procedente do outro.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Ordem da natureza significa a noção de origem, em comum, não porém, em especial.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Nas criaturas, embora a que provém de um princípio seja com este coevo, quanto à duração, todavia o seu princípio lhe é anterior, real e logicamente se o considerarmos na sua noção própria. Mas, considerando as relações mesmas de causa e de causado, e de principio e de principiado, é claro que são relativas, simultaneamente, real e logicamente, porque um entra na definição do outro. Ora, em Deus as próprias relações são pessoas subsistentes numa mesma natureza. Donde, nem quanto a natureza nem quanto às relações, uma pessoa pode ser anterior à outra, e nem quanto à natureza e ao intelecto.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Quando falamos da ordem da natureza, isso não significa que a natureza mesma seja ordenada, mas que a ordem, nas pessoas divinas, é considerada na sua origem natural.
RESPOSTA À QUARTA. – A natureza, de certo modo, importa a noção de princípio; não porém a essência. Por isso a ordem de origem melhor se denomina ordem de natureza do que de essência.
ART. IV. – SE O FILHO É IGUAL AO PAI EM GRANDEZA
O quarto discute-se assim. – Parece que o Filho não é igual ao Pai em grandeza.
1. – Pois, ele próprio o diz, na Escritura (Jo 14, 28): O Pai é maior do que eu. E o Apóstolo (1 Cor 15, 28): O mesmo Filho estará sujeito aquele que sujeitou a ele todas as coisas.
2. Demais. – A paternidade é própria à dignidade do Pai. Ora, a paternidade não convêm ao Filho. Logo, nem toda dignidade que tem o Pai tem o Filho. Portanto, não é igual ao Pai em grandeza.
3. Demais. – Onde há todo e partes, muitas são mais que uma só ou algumas; assim, três homens são mais que dois ou um. Ora, em Deus, o todo é universal e parte; pois, a relação ou a noção inclui várias noções. Portanto, como no Pai há três noções, e no Filho somente duas, não é este igual ao Pai. Mas, em contrário, a Escritura (Fp 2, 6): Não julgou que fosse uma usurpação o ser igual a Deus.
SOLUÇÃO – Devemos admitir que o Filho seja igual ao Pai em grandeza. Mas a grandeza de Deus não é outra coisa senão a perfeição da sua natureza. Ora, é da essência da paternidade e da filiação que o filho, pela geração, tenha a perfeição da natureza existente no pai, como também o pai. Mas como a geração humana é uma transmutação do ser, que passa da potência para o ato, o filho não é imediatamente igual, desde o seu nascimento, ao pai que o gerou, mas, pelo crescimento continuado, chega à igualdade, a menos que não suceda de outro modo, por defeito do princípio da geração.
Ora, é manifesto pelo que dissemos (q. 27, a. 2; q. 33, a. 2, ad 3, 4; a. 3), que em Deus há, própria e verdadeiramente, paternidade e filiação. Nem se pode dizer que a virtude de Deus Pai fosse deficiente ao gerar; nem que Filho de Deus chegasse à perfeição sucessivamente e por mudanças. Por onde, necessário é concluir, que abeterno foi igual ao Pai em grandeza. E por isso Hilário diz: Suprime as enfermidades do corpo, suprime o desenvolvimento da inteligência, suprime as dores do parto e toda a humana necessidade: todo filho, pela natividade natural, é igual ao pai porque tem a semelhança da natureza.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As palavras citadas entendem-se ditas da natureza humana de Cristo, pela qual é menos do que o Pai e a este sujeito. Mas, pela sua natureza divina, é igual ao Pai. E é o que diz Atanásio no Símbolo: Igual ao Pai pela divindade; menor que o Pai, pela humanidade. Ou conforme Hilário: O Pai é maior pela autoridade Doador; mas menor não é aquele a quem foi dado o mesmo ser. E diz ainda, que a sujeição do Filho é o amor da natureza, i. é, o reconhecimento da autoridade paterna; porém, a sujeição aos demais é pela imperfeição da criação.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A igualdade se funda na grandeza. Ora, esta, em Deus, exprime perfeição da natureza, como se disse, e pertence à essência. Portanto, a igualdade em Deus e a semelhança dizem respeito ao essencial; nem podemos lhe atribuir desigualdade ou semelhança quanto à distinção das relações. Por isso diz Agostinho: A questão da origem é a de saber de que um ser provém: a da igualdade, a de saber, que qualidade tem. Logo, a paternidade é a dignidade do Pai, assim como é a sua essência. Pois, a dignidade é um absoluto e pertence à essência. Portanto, assim como a mesma essência, que no Pai é a paternidade, no Filho é a filiação; assim, a mesma dignidade, que no Pai é a paternidade, no Filho é a filiação. Por onde, verdadeiramente dizemos que toda dignidade que tem o Pai, tem o Filho, sem daí seguir-se que pelo Pai ter a paternidade, também a tenha o Filho. Porque se muda o ponto de vista absoluto (quid) no relativo (ad aliquid). Pois a mesma é a essência e a dignidade do Pai e do Filho; mas, no Pai, pela relação de dador: no Filho, pela de quem recebe.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A relação em Deus não é um todo universal, embora seja predicada de cada uma das relações; porque todas as relações são essencial e existencialmente uma mesma relação; o que repugna à noção de universal, cujas partes se distinguem pelo ser. E semelhantemente, a pessoa, como dissemos (q. 30, a. 4, ad 3), não é um universal em Deus. Por onde, todas as relações juntas não são em nada maiores que uma só delas; nem todas as pessoas juntas são em nada maiores que uma delas somente; porque a perfeição total da natureza divina está em cada uma das pessoas.
ART. V. – SE O FILHO ESTÁ NO PAI E INVERSAMENTE
O quinto discute-se assim. – Parece que o Filho não está no Pai e inversamente.
1. – Pois, segundo o Filósofo, de oito modos pode um ser existir em outro; e por nenhum deles o Filho está no Pai; e inversamente, como claramente o verá quem examinar cada um desses modos. Logo, o Filho não está no Pai, nem inversamente.
2. Demais. – O que saiu de um ser já neste não está. Ora, o Filho abeterno saiu do Pai, segundo a Escritura (Mq 5, 2): Cuja geração é desde o princípio, desde os dias da eternidade. Logo, o Filho não está no Pai.
3. Demais. – Um dos contrários não está no outro. Ora, o Filho e o Pai opõem-se relativamente. Logo, um não pode estar no outro.
Mas, em contrário, a Escritura (Jo 14, 10): Eu estou no Pai e o Pai está em mim.
SOLUÇÃO – Três coisas devemos considerar no Pai e no Filho, a saber: a essência, a relação e a origem. E segundo cada uma delas, o Filho está no Pai e inversamente. – Pela essência o Pai está no Filho, porque o Pai é a sua essência e a comunica ao Filho sem sofrer nenhuma mudança. Donde se segue que, estando no Filho a essência do Pai, no Filho está o Pai. Semelhantemente, sendo o Filho a sua essência, segue-se que está no Pai, no qual também ela está. E é o que diz Hilário: Consequente com a sua natureza, para assim nos exprimirmos, Deus imutável gera um imutável Deus subsistente. E entendemos que neste está a natureza subsistente de Deus, por estar nele Deus. – Mas, quanto às relações, é claro que um contrário está no outro relativamente, pelo intelecto. – Também quanto à origem, é claro que a processão do verbo inteligível não é exterior, mas permanece no dicente. Pois, o que é dito pelo verbo no verbo está contido. – E o mesmo devemos dizer do Espírito Santo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O modo de ser das criaturas não representa suficientemente o modo de ser de Deus. Por isso, de nenhum dos modos, que o Filósofo enumera, o Filho está no Pai e inversamente. O modo porém que mais se aproxima é aquele pelo qual dizemos que um ser está no seu principio originante; salvo que, nos seres criados, falta a unidade de essência entre o princípio e o que dele provém.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O Filho sai do Pai a modo de processão interior, assim como o verbo sai da mente e nela permanece. Por onde, esse modo de proceder, em Deus, funda-se na só distinção das relações, e não em nenhuma separação essencial.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O Pai e o Filho opõem-se pelas suas relações e não, pela essência. E contudo um dos contrários está relativamente no outro, como se disse.
ART. VI. – SE O FILHO É IGUAL AO PAI PELO PODER
O sexto discute-se assim. – Parece que o Filho não é igual ao Pai pelo poder.
1. – Pois, diz a Escritura (Jo 5, 19): O Filho não pode de si mesmo fazer coisa alguma senão o que vir fazer ao Pai. Mas, o Pai pode fazer por si. Logo, o Pai é maior que o Filho, pelo poder.
2. Demais. - Maior é o poder de quem manda e ensina do que o de quem obedece e ouve. Ora, o Pai manda o Filho, segundo a Escritura (Jo 14, 31): Faço o que o Pai me ordena. O Pai também ensina ao Filho, segundo ainda o Evangelho (Jo 5, 20): O Pai ama ao Filho e mostra-lhe tudo o que faz. Enfim o Filho ouve, ainda segundo a Escritura (Jo 5, 30): Assim como ouço, julgo. Logo, o Pai tem maior poder que o Filho.
3. Demais. – Pela sua onipotência é que o Pai gera um Filho igual a si, segundo Agostinho: Se não pôde gerar um filho igual a si, onde está a onipotência de Deus Pai? Ora, o Filho não pode gerar o Filho, como se demonstrou. Logo, nem tudo o que pode a onipotência do Pai o pode também o Filho. Portanto, este não lhe é igual em poder. Mas, em contrário, a Escritura (Jo 5, 19): Tudo o que fizer o Pai o faz também semelhantemente o Filho.
SOLUÇÃO – É forçoso admitirmos que o Filho é igual ao Pai em poder. Pois, o poder de agir resulta da perfeição da natureza. Assim, vemos que quanto mais perfeita for a natureza de uma criatura, tanto maior será o seu poder de agir. Porque, como demonstramos (a. 4), a essência mesma da paternidade e da filiação divina exige que o Filho seja igual ao Pai em grandeza, i. é, em perfeição natural. Donde resulta que o Filho é igual ao Pai em poder. – E o mesmo devemos dizer do Espírito Santo, em relação às outras duas pessoas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Quando a Escritura diz: O Filho não pode de si mesmo fazer coisa alguma – não o priva por isso de nenhum poder do Pai; pois, logo acrescenta: - Tudo o que fizer o Pai o faz também semelhantemente o Filho. Mas essa expressão mostra que o Filho tem o poder, do Pai, de quem recebeu a natureza. Por isso diz Hilário: A unidade da natureza divina é tal que o Filho faz por si o que não faz de si.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Quando a Escritura diz que o Pai ensina e o Filho ouve, não quer dizer senão que o Pai comunica a sua ciência ao Filho e também a sua essência. No mesmo sentido podemos entender o mandado do Pai; porque abeterno deu ao Filho, gerando-o, a ciência e a vontade de agir. – Ou antes, devemos referir o mandado a Cristo, na sua natureza humana.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Assim como a mesma essência é no Pai a paternidade, e no Filho, a filiação, assim pelo mesmo poder o Pai gera e o Filho é gerado. Por onde é manifesto que tudo quanto pode o Pai pode o Filho. Donde, porém não se segue que este possa gerar; mas que se muda o ponto de vista absoluto (quid) o relativo a (ad aliquid). Pois, geração significa relação em Deus. Tem portanto o Filho o mesmo poder que o Pai, mas com outra relação. Porque o Pai o tem como dador, e é o que se exprime quando se diz que pode gerar; o Filho, porém, o tem como quem recebe e é o que se exprime quando se diz que pode ser gerado.
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