quarta-feira, 9 de junho de 2010

Capítulo III

CAPÍTULO III


Mesmo assim, isso não é justificativa para abandonar sem cuidados os despojos dos falecidos, principalmente dos justos e fiéis, que são órgãos e instrumentos do espírito para toda boa obra. Se a roupa, o anel ou qualquer outro objeto pertencente ao pai é precioso para os filhos, muito mais terna é a piedade filial. Acaso o corpo não merece mais cuidados por estar muito mais intimamente ligado a nós do que a roupa, seja ela qual for? Logo, o corpo não é mero ornamento exterior do homem, mas parte de sua natureza humana. Este é o verdadeiro motivo dos deveres de piedade solenemente prestados aos antigos justos, a pompa de suas exéquias, os cuidados com suas sepulturas e as ordens que eles mesmos, quando vivos, davam a seus filhos, para sepultá-los ou transladá-los uma vez mortos.

De acordo com o testemunho do anjo, Tobias atrai sobre si as bênçãos de Deus devido a seu cuidado para com os mortos. O próprio Nosso Senhor, que ressuscitará no terceiro dia, divulga a boa ação da santa mulher que lhe unge com precioso perfume, como que para sepultá-lo antecipadamente. Também o Evangelho recorda com louvores aqueles que receberam piedosamente o Corpo, à descida da cruz, cobrindo-o com o sudário e depositando-o no sepulcro.

De forma alguma, tais exemplos não provam que os cadáveres conservam algum tipo de sensibilidade. Mas provam que a Providência de Deus vela os despojos dos falecidos e esses deveres de piedade lhe são agradáveis, por demonstrarem a fé na ressurreição.

Além disso, existe salutar ensinamento para nós: ainda que Deus retribua abundantemente as nossas esmolas prestadas a criaturas vivas e dotadas de sensibilidade, também aos olhos de Deus nada se perde pela nossa caridade prestada aos restos inanimados dos homens.

É certo que os santos patriarcas deixaram, por inspiração profética do Espírito, outras recomendações sobre o sepultamento e a transladação de seus corpos, porém, não é oportuno aprofundarmos em tais mistérios neste momento. Basta, então, o que acabamos de dizer.

Se é verdade que a falta de coisas necessárias para a manutenção da vida - como o alimento e o vestuário - são provações cruéis, mas impotentes contra a corajosa paciência do homem virtuoso, longe de afastar a piedade do seu coração, como poderia, então, que a falta das solenidades fúnebres costumeiras, perturbasse o repouso de tal alma na santa e bem-aventurada mansão? "E que os últimos deveres tenham faltado aos cristãos na desolação de Roma ou de outras cidades, isto pouco importa: não foi falta dos vivos, que nada puderam fazer; nem infortúnio para os mortos, que nada puderam sentir".

Tal é a minha opinião sobre a causa e a razão de ser das sepulturas. Se extraí essa passagem de algum dos meus livros para colocá-la aqui, é porque me pareceu mais simples retomá-la do que exprimir em outras palavras as mesmas idéias.

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