sábado, 31 de dezembro de 2011

Retrospectiva 2011

Retrospectiva 2011


O Blog Maria Sedes Sapientiae iniciou em Janeiro de 2011 os artigos do livro: O tratado da Oração - Tertuliano de Cartago. Trazendo as primeiras postagem desse livro na qual foi dado também inicio as postagens do livro: Confissões - Santo Agostinho. Foi reiniciado as postagens com o tempo litúrgico do Rito São Pio V que por motivo de tempo foi paralisado. Será postado no blog no decorrer do ano litúrgico que se iniciou Domingo dia 27 de Novembro vídeos com os cantos dos Domingos e dias de guarda com traduções para os corais de canto gregoriano para se preparar para animar a Santa Missa.


Haverá algumas mudanças este ano no blog para melhor apresentar os conteúdos com a Sã Doutrina Católica que já foi dado inicio como a mudança dos vídeos do you tube para o site Gloria.tv. Foi colocado na barra na esquerdo do blog um link que direciona para o calendário liturgico do rito São Pio V e também um tag para as pessoas interessadas poderem registrar seus emails para receber diretamente nele as postagens atualizadas do blog.


Tivemos nesse ano registrado pelo blog ao todo 3.228 visitas computadas, sendo:

  • 2199 visitas do Brasil
  • 247 Estados Unidos
  • 152 Portugal
  • 135 Alemanha
  • 45 Polônia
  • 35 Canadá
  • 20 Holanda
  • 19 Itália
  • 17 França
  • 17 Rússia


Foi também computado que dois blogs indicaram o Sedes Sapientiae como link sendo eles:
http://juventucatolica.blogspot.com/
http://gorettisouza.blogspot.com/
Agradecemos estes leitores que nos indicaram para que outros possam ter acesso aos conteúdos deste blog.


Os meses mais visitados foram Julho, Outubro e Dezembro.
Contando com esta postagem chegamos ao 30 no total neste ano.
Este ano se encerra com 11 seguidores do Blog, sendo que três são novos.
Participei do Congresso na Montfort. XIV jornada de Estudos. Vaticano II: História e Doutrina, nos dias 29, 30 e 31 de julho.
Foi um ano muito corrido na qual, Deus nos abênçou muito.

Dominica infra Octavam Nativitatis

Dominica infra Octavam Nativitatis










quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Ano Liturgico


Salve Maria
Depois de um longo tempo sem atualizar este blog. Volto com uma novidade muito boa.
Será postado no blog no decorrer do ano litúrgico que se inicia a partir de Domingo dia 27 de Novembro vídeos com os cantos dos Domingos e dias de guarda com traduções para os corais de canto gregoriano para se preparar para animar a Santa Missa.

Link para o Primeiro Domingo do Advento
I Domingo do Advento

Ano Liturgico

O Ano Eclesiástico
No transcorrer dos primeiros séculos do Cristianismo era a Santa Missa a fonte de forças para os fiéis, quer a celebrassem os Sacerdotes no silêncio e nas trevas das catacumbas, quer nas imponentes Basílicas da antiguidade. Diz Santo Agostinho: Rendemos culto a Deus, rezando, e Deus cuida de nós, comunicando-nos os tesouros de sua misericórdia.


O ano eclesiástico e as suas partes
O ano eclesiástico começa no primeiro Domingo do Advento e termina no sábado que se segue ao 24º Domingo depois de Pentecostes. Compõe-se de estações ou tempos litúrigcos, que formam, no seu conjunto, o Próprio do Tempo. Todo o ano litúrgico é assim chefiado pelo Temporal.
Paralelo ao Próprio do Tempo, segue o Próprio dos Santos, incluindo todas as festas dos Santos, que a Igreja celebra no decurso do ano. O Santoral compõe-se, geralmente, de festas com data fixa, enquanto que o ciclo temporal, devido à mobilidade da festa da Páscoa, se compõe sobretudo de festas com data variável.


O Temporal
A celebração dos mistérios de Cristo está divídida em duas partes; o ciclo do Natal e o ciclo da Páscoa. Cada um destes ciclos se subdivide, por sua vez, em "Tempos" que preparam ou prologam a celebração destas duas grandes festas. Só depois de percorrer conosco toda a vida de Cristo e de terminar as de Pentecostes, é que a Santa Igreja consagra a segunda parte do ano à formação prática da nossa vida de batizados, servindo-se dos principais ensinamentos do Salvador e dos Apóstolos.


Ciclos Liturgico

Ciclo do Natal
I. O Tempo do Advento (do latim adventu: chegada) compõe-se de quatro semanas, que nos fazem suspirar, com os Patriarcas e Profetas, pela vinda do Salvador.
II. O Tempo do Natal celebra o nascimento do Verbo Encarnado e a sua epifania ou manifestações ao mundo.
Entre o ciclo do Natal e o da Páscoa, os domingos depois da Epifania, constituem um período intermediário maior ou menor conforme a data da Páscoa.


Ciclo da Páscoa
O ciclo pascal que gira à volta da própria festa da Páscoa - a festa das festas - é o centro do ano litúrgico. De certo modo, o ciclo do Natal mais não é que a sua preparação.


I. Uma série de nove semanas introduzem progressivamente na celebração do mistério pascal:
a) O Tempo da Septuagésima prepara-nos para a Quaresma, recordando-nos a desolação humana depois do pecado.
b) O Tempo da Quaresma, que começa na Quarta-feira de Cinzas, é já uma preparação direta para a Páscoa, ao longo de quarenta dias de penitência e de recolhimento, que lembram o jejum de Cristo no deserto.
c) O Tempo da Paixão, que compreende as duas últimas semanas da Quaresma e recorda os sofrimentos do Senhor durante a Paixão, celebra o mistério da nossa Redenção operada por sua morte na cruz.


II. O Tempo Pascal é um tempo de alegria, em que a Santa Igreja celebra Cristo ressuscitado (Páscoa) e subindo ao céu (Ascensão). Ela nos associa à Ressurreição de Cristo fazendo-nos viver na terra a sua vida, na esperança de participar um dia, da sua glória no céu. Com a descida do Espírito Santo, em dia de Pentecostes, encerra-se o Tempo Pascal.


Ano Eclesiástico
Os domingos depois de Pentecostes
Depois do ciclo pascal vêm os domingos depois de Pentecostes, que abrangem um longo período de 23 a 28 semanas.
Depois de ter celebrado os principais mistérios de Cristo, a Santa Igreja inicia a longa série dos domingos "per annum", no decurso dos quais é ministrada aos fiéis uma doutrinação contínua, não sistematizada mas extremamente rica, em que podem haurir a seiva e o espírito que vivifica e anima a própria Igreja.


O Santoral
É no decurso do Temporal que se vêm inserir, sem lhe quebrar o ritmo, as festas dos santos com a sua fisionomia particular. Longe de fazer esquecer a Redenção, centro da economia cristã, mostram, ao contrário, a sua multiforme realização e maravilhosa extensão no mundo através dos séculos. S. Pio X, na Bula Divino afflatu, estabelece as regras que nos devem orientar na jerarquização das festas dos santos, que se intercalam no decurso do ano entre os grandes mistérios do ciclo cristológico.
O primeiro lugar pertence à Santíssima Virgem. A seguir vêm os Santos Anjos; depois, segundo o maior ou menor papel que desempenharam no plano da Incarnação, S. João Batista, precursor do Messias, S. José, S. Pedro, S. Paulo e os demais Apóstolos, cujo culto data já de velhos tempos. As festas dos Padroeiros da Nação, Diocese ou Paróquia têm também lugar principal em vírtude da gratidão que devemos, a estes desvelados protetores. Seguem-se as festas da Dedicação das Igrejas, as festas dos Mártires, dos Pontífices (Papas e Bispos), dos Doutores (Padres da Igreja e mestres autorizados da palavra divina), dos Confessores (daqueles que confessaram com o exemplo e com a palavra O Nome de Deus), das Virgens e das Santas mulheres.
Com os Mártires, o culto dos Santos remonta às primeiras origens da Igreja. Com o andar dos tempos, as suas festas ocuparam todo o calendário, chegando mesmo a sobrecarregá-lo, se a Igreja não vigiasse periodicamente por manter ao temporal o seu carácter predominante, indispensável para fazer da celebração dos mistérios de Cristo o centro da nossa vida.
É precisamente este o objetivo da reforma litúrgica levada a efeito por Pio XII (Decreto da S. C. dos Ritos, de 23 de Março de 1955), e por João XXIII, com o motu propio Rubricarumn instructum, de 25 de Julho de 1960. As rubricas do breviario e do missal são modificadas, no intuito de uma simplificação e abreviação, e ainda para acentuar a ímportância das festas do ciclo litúrgico, pela redução dps festas dos santos, cujo rito é diminuído, e das vigílias, bem como das oitavas, suprimidas na sua quase totalidade.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Relutância em estudar

Relutância em estudar


19. Neste período da infância, cujo perigo temiam menos para mim do que o da adolescência, não gostava do estudo, e tinha horror de ser a ele obrigado. Por meio desta coação faziam-me um bem — embora eu procedesse mal —, pois não aprenderia se não fosse constrangido. Todavia, contra a vontade, ninguém procede bem, ainda que a ação em si mesma seja boa. Os que me obrigavam não agiam retamente.

O bem que daí resultava vinha só de Vós, meu Deus. Nesses estudos a que me aplicavam, não tinham outra finalidade senão saciar os insaciáveis desejos de opulenta miséria e de ignominiosa glória. Mas Vós, "para quem estão contados os nossos cabelos", utilizáveis em meu proveito o erro dos que me coagiam. Com relação a mim, que não queria aprender, utilizáveis a minha falta para me dardes o castigo com que eu, tão pequenino e já tão grande pecador, merecia ser punido.

Era assim que Vós transformáveis em meu bem o mal que eles faziam, e me dáveis justa retribuição pelos meus pecados. Com efeito, é vosso desígnio, e, assim, acontece que toda alma desregrada seja para si mesma o seu castigo.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

No limiar do batistério

No limiar do batistério


17. Ouvira eu falar, ainda criança, da vida eterna que nos é prometida, graças à humildade do vosso Filho, Deus e Senhor nosso, descido até à nossa soberba. Fui marcado pelo sinal-da-cruz e condimentado com sal divino, logo que saí do seio da minha mãe, que punha em Vós todas as esperanças.

Vistes, Senhor, que, sendo ainda criança, sobrevindo-me certo dia uma febre alta, motivada numa opressão do estômago, bati às portas da morte. Sabeis, meu Deus, pois já então por mim vigiáveis, com que ardor e fé pedi à piedade de minha mãe e de nossa mãe comum — a vossa Igreja — o batismo de Cristo, Deus e Senhor meu. A minha mãe carnal, porque na sua fé e coração puro me gerava com maior solicitude para a vida eterna, perturbada, procurava com pressa iniciar-me e purificar-me nos sacramentos da salvação, confessando-Vos eu, Senhor Jesus, para obter a remissão dos meus pecados.

Dentro em breve, porém, achei-me melhor, e essa purificação foi diferida, como se fosse necessário continuar a corromper-me, para prolongar a vida. Na verdade, depois do banho do batismo, as recaídas na imundície do pecado seriam mais graves e perigosas.

Tinha eu já verdadeira fé, como minha mãe e todos os de casa, exceto meu pai, que não prevaleceu em mim contra os direitos da piedade materna de eu crer em Cristo, no qual ele ainda não acreditava. Minha mãe desejava ardentemente que eu Vos considerasse a Vós, meu Deus, como pai, mais do que àquele que ainda não tinha fé.

Nisso a ajudáveis a triunfar do marido, a quem servia melhor pelo fato de nisso obedecer às vossas ordens.

18. Rogo-Vos, meu Deus, que me mostreis — se Vos apraz — qual o desígnio por que me foi então diferido o batismo: se seria para meu bem soltarem-se ou não as rédeas do pecado. Por que razão ainda agora de toda parte chega aos meus ouvidos a respeito de uns ou de outros: "deixai-o fazer o que quiser, pois ainda não está batizado"? Mas da saúde do corpo ninguém diz: "deixai-o, que se fira mais, porque ainda não está curado"!

Quanto me não era preferível ser logo curado, obtendo, pela minha diligência e dos meus, conservar intata, sob a vossa proteção, a saúde da alma que me tínheis concedido !

Sem dúvida, seria melhor. Minha mãe, porém, já previra quantas e quão grandes ondas de tentações pareciam ameaçar-me depois da infância, e preferiu expor-me a elas, como terra grosseira em que eu depois receberia forma, a expor-me a esse perigo já como imagem.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Prefere o jogo e o teatro ao estudo

Prefere o jogo e o teatro ao estudo


16. Contudo eu pecava contra Vós, Senhor Deus, ordenador e criador de todas as coisas da natureza, com exceção do pecado, de que és apenas regularizador. Eu pecava, Senhor, desobedecendo às ordens de meus pais e mestres, pois podia no futuro fazer bom uso desses conhecimentos que me obrigavam a adquirir, qualquer que fosse a intenção com que mos impunham. Além disso, eu não desobedecia para fazer melhor escolha, mas só pelo amor do jogo.

Amava nos combates o orgulho da vitória. Gostava dessas histórias frívolas que tanto me deleitavam os ouvidos e me excitavam com interesse sempre mais apaixonado.

Essa curiosidade brilhava dia a dia mais intensa nos meus olhos, atraindo-me para espetáculos e jogos de gente crescida.

Por outro lado, aqueles que presidem aos jogos sobressaem tanto por esta dignidade que quase todos desejam que seus filhos lhes sucedam nesta honra. Apesar disso, regozijam-se em castigá-los se tais divertimentos os afastam do estudo, que, segundo os seus desejos, lhes permitirá mais tarde organizar semelhantes espetáculos. . .

Examinai, Senhor, estas fraquezas com um olhar de compaixão. Socorrei-nos, que já Vos invocamos, e socorrei também os que ainda Vos não invocam, a fim de que eles também Vos invoquem e sejam libertados.

domingo, 11 de setembro de 2011

Na paixão do jogo

Na paixão do jogo


14. O Deus, meu Deus, que misérias e enganos não experimentei, quando simples criança me propunham vida reta e obediência aos mestres, a fim de mais tarde brilhar no mundo e me ilustrar nas artes da língua, servil instrumento da ambição e da cobiça dos homens.
Fui mandado à escola para aprender as primeiras letras, cuja utilidade eu, infeliz, ignorava. Todavia batiam-me se no estudo me deixava levar pela preguiça. As pessoas grandes louvavam esta severidade. Muitos dos nossos predecessores na vida tinham traçado estas vias dolorosas, por onde éramos obrigados a caminhar, multiplicando os trabalhos e as dores aos filhos de Adão. Encontrei, porém, Senhor, homens que Vos imploravam, e deles aprendi, na medida em que me foi possível, que éreis alguma coisa de grande e que podíeis, apesar de invisível aos sentidos, ouvir-nos e socorrer-nos.

Ainda menino, comecei a rezar-Vos como a "meu auxílio e refúgio", desembaraçando-me das peias da língua para Vos invocar. Embora criança, mas com ardente fervor, pedia-Vos que na escola não fosse açoitado. Quando me não atendíeis"o que era para meu proveito", as pessoas mais velhas e até os meus próprios pais, que, afinal, me não desejavam mal, riam-se dos açoites — o meu maior e mais penoso suplício.

15. Haverá, Senhor, alma tão generosa e tão unida a Vós pelos laços dum ardente afeto, que despreze, não por insensibilidade louca, mas por amor intenso e forte para convosco, os cavaletes, os garfos de ferro e os demais tormentos deste gênero dos quais os homens em toda parte suplicam que os liberteis? Haverá alguma alma dessas que despreze essas torturas a ponto de rir dos que tão acerbamente temem esses suplícios, como meus pais caçoavam das penalidades que a nós, meninos, infligiam os mestres? Eu não temia menos os castigos do que as torturas, nem Vos suplicava menos que nos livrásseis deles.

Contudo, pecava por negligência, escrevendo, lendo e aprendendo as lições com menos cuidado do que de nós exigiam. Senhor, não era a memória ou a inteligência que me faltavam, pois me dotastes com o suficiente para aquela idade. Mas gostava de jogar, e aqueles que me castigavam procediam de modo idêntico! As ninharias, porém, dos homens chamam-se negócios; e as dos meninos, sendo do mesmo jaez, são punidas pelos grandes, sem que ninguém se compadeça da criança, nem do homem, nem de ambos. Um juiz reto aprovaria os castigos que me davam, por eu, em pequeno, jogar a bola e o jogo ser um obstáculo ao meu aproveitamento nos estudos, com os quais eu havia de jogar menos inocentemente quando chegasse a homem? Agia, porventura, de modo diferente aquele que me batia, se nalguma questiúncula era vencido pelo seu competidor? Então esse não era mais atormentado pela ira e inveja do que eu quando superado no desafio da bola pelo meu rival?...

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Como aprendi a falar

Como aprendi a falar


13. Seguindo o curso da minha vida, não é verdade que da infância passei à puerícia? Ou antes, não foi esta que veio até mim e sucedeu à infância? A infância não se afastou. Para onde fugiu então? Entretanto, ela já não existia, pois eu já não era um bebê que não falava, mas um menino que principiava a balbuciar algumas palavras.

Dessa época já eu me lembro, e mais tarde adverti como aprendera a falar. Não eram pessoas mais velhas que me ensinavam as palavras, com métodos, como pouco depois o fizeram para as letras. Graças à inteligência que Vós, Senhor, me destes, eu mesmo aprendi, quando procurava exprimir os sentimentos do meu coração por gemidos, gritos e movimentos diversos dos membros, para que obedecessem à minha vontade. Não podia, porém, exteriorizar tudo o que desejava, nem ser compreendido daqueles a quem me dirigia.

Retinha tudo na memória quando pronunciavam o nome de alguma coisa, e quando, segundo essa palavra, moviam o corpo para ela. Via e notava que davam ao objeto, quando o queriam designar, um nome que eles pronunciavam. Esse querer era-me revelado pelos movimentos do corpo, que são como que a linguagem natural a todos os povos e consiste na expressão da fisionomia, no movimento dos olhos, nos gestos, no tom da voz, que indica a afeição da alma quando pede ou possui e quando rejeita ou evita.

Por este processo retinha pouco a pouco as palavras convenientemente dispostas em várias frases e frequentemente ouvidas como sinais de objetos. Domando a boca segundo aqueles sinais, exprimia por eles as minhas vontades. Assim principiei a comunicar com as pessoas que me rodeavam, e entrei mais profundamente na sociedade tempestuosa dos homens, sob a autoridade de meus pais e a obediência dos mais velhos.

domingo, 24 de julho de 2011

Agostinho recorda os pecados cometidos na infância

Agostinho recorda os pecados cometidos na infância


11. Ouvi-me, ó meu Deus! Ai dos pecados dos homens! É um homem que assim fala. Vós, Senhor, compadecei-Vos dele, porque sois o seu Criador e não o autor do seu pecado. Quem me poderá recordar o pecado da infância, já que ninguém há que diante de Vós esteja limpo, nem mesmo o recém-nascido, cuja vida sobre a terra é apenas um dia?

Quem me trará à memória? Será porventura algum menino, ainda pequerrucho, onde posso ver a imagem do que fui e de que me não resta lembrança? Em que podia pecar, nesse tempo? Em desejar ardentemente, chorando, os peitos de minha mãe? Se agora suspirasse com a mesma avidez não pelos seios maternos, mas pelo alimento que é próprio da minha idade, seria escarnecido e justamente censurado.

Sem dúvida, então o meu procedimento era repreensível. Mas como não podia perceber a reprimenda, o uso e a razão não permitiam que eu fosse repreendido. Com o crescer dos anos, porém, desarraigamos e lançamos fora esta sofreguidão do apetite. Sinal evidente de que é viciosa, pois nunca vi ninguém que, para cortar o mal, rejeitasse conscientemente o bem! Ou seria justo, mesmo para aquela idade, exigir com choros o que talvez prejudicialmente seria concedido, encolerizar-me com violência não contra pessoas a mim sujeitas, mas contra pessoas livres e respeitáveis pela idade? Estaria bem zangar-me até contra os pais, contra muitas outras pessoas mais sensatas, só por se não curvarem a um aceno do meu capricho, batendo-lhes e esforçando-me, quanto possível, por lhes fazer mal, porque não se sujeitavam às minhas exigências, com as quais seria pernicioso condescender?

Assim, a debilidade dos membros infantis é inocente, mas não a alma das crianças. Vi e observei uma, cheia de inveja, que ainda não falava e já olhava, pálida, de rosto colérico, para o irmãozito colaço. Quem não é testemunha do que eu afirmo? Disse até que as mães e as amas procuram esconjurar este defeito, não sei com que práticas supersticiosas. Mas, enfim, será inocente a criança quando não tolera junto de si, na mesma fonte fecunda do leite, o companheiro destituído de auxílio e só com esse alimento para sustentar a vida? Indulgentemente se permitem estas más inclinações, não porque sejam ninharias sem importância, mas porque hão de desaparecer com o andar dos anos. É este o único motivo, pois essas paixões não se podem de boa mente sofrer, quando se encontram numa pessoa mais idosa.

12. E Vós, Senhor e Deus meu, que destes à criança a vida e o corpo, assim como o vemos, provido dos sentidos, formado pelos membros e adornados pelos traços da sua configuração, de Vós que lhe inspirastes o instinto natural de defesa para assegurar a sua integridade e conservação ordenais-me que em todas estas obras "louve, confesse e exalte o vosso nome, ó Altíssimo"! Sois Deus onipotente e bom, ainda que só tivésseis criado estas coisas. Nenhum outro as pode fazer senão Vós, ó Unidade, origem de toda a variedade, ó Formosura infinita que tudo formais e ordenais, pela vossa lei.

Por isso, Senhor, envergonho-me de contar, na minha vida terrena, esta idade que não me lembro de ter vivido. Somente acredito nela pelo testemunho alheio e pelas conjeturas que formei ao observar as outras crianças, conjeturas estas aliás muito fidedignas. Tudo quanto se oculta nas trevas do meu esquecimento é para mim igual ao tempo que vivi no seio materno. E se "fui concebido em iniquidade" e se "em pecado me alimentou, no ventre, minha mãe", pergunto, Senhor e Deus meu, onde e quando esteve inocente este vosso servo? Passo em silêncio esta quadra da vida. Que tenho eu que ver com ela, se nem reminiscências conservo?

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Recesso para atualização

O Blog estará em recesso esta semana para fazer alguns reparos em sua estrutura, no Domingo (Dia do Senhor) estará de volta com suas atualizações. Até Domingo dia 24 de Julho de 2011.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Oh, como é bom e agradável para irmãos viverem juntos

Oh, como é bom e agradável para irmãos viverem juntos


Enquanto navegava e olhava alguns vídeos no site gloria.tv, encontrei este maravilhoso vídeo com um canto do século XVI.

O músico Fernando de las Infantas (Córdoba, 1534-1609) quis comemorar a união das forças católicas para enfrentar a expansão do poder otomano no Mediterrâneo sob o impulso do Papa São Pio V.
E compôs a partitura “Ecce quam bonum” – “Oh, como é bom, como é agradável para irmãos unidos viverem juntos”, Salmo 132 (133).

Letra:

1. Oh, como é bom, como é agradável para irmãos unidos viverem juntos.
2. É como um óleo suave derramado sobre a fronte, e que desce para a barba, a barba de Aarão, para correr em seguida até a orla de seu manto.
3. É como o orvalho do Hermon, que desce pela colina de Sião; pois ali derrama o Senhor, a vida e uma bênção eterna.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Os primeiros anos

Os primeiros anos


7. Permita, porém, que eu fale em presença de tua misericórdia, a mim, terra e cinza; deixa que eu fale, porque é à tua misericórdia que falo, e não ao homem, que de mim escarnece.

Talvez também tu te rias de mim, mas, voltado para mim, terás compaixão. E que pretendo dizer-te, Senhor, senão que ignoro de onde vim para aqui, para esta não sei se posso chamar vida mortal ou morte vital? Não o sei. Mas receberam-me os consolos de tuas misericórdias, conforme o que ouvi de meus pais carnais, de quem e em quem me formaste no tempo, pois eu de mim nada recordo. Receberam-me os consolos do leite humano, do qual nem minha mãe, nem minhas amas enchiam os seios; mas eras tu que, por meio delas, me davas aquele alimento da infância, de acordo com o seu desígnio, e segundo os tesouros dispostos por ti até no mais íntimo das coisas.

Também por tua causa é que eu não queria mais do que me davas; por tua causa é que minhas amas queriam dar-me o que tu lhes davas, pois elas, movidas de sadio afeto, queriam darme aquilo que abundavam graças a ti, já que era um bem para elas ou delas receber aquele bem, embora realmente não fosse delas, meros instrumentos, porque de ti procedem, com certeza, todos os bens, ó Deus, e de ti, Deus meu, depende toda minha salvação. Tudo isto vim a saber mais tarde, quando me falaste por meio dos mesmos bens que me concedias interior e exteriormente. Porque então as únicas coisas que fazia era sugar o leite, aquietar-me com os afagos e chorar as dores de minha carne.

8. Depois também comecei a rir, primeiro dormindo, depois acordado. Isto disseram de mim, e o creio, porque o mesmo acontece com outros meninos, pois eu não tenho a menor lembrança dessas coisas.

Pouco a pouco comecei a me dar conta de onde estava, e a querer dar a conhecer meus desejos a quem os podia satisfazer, embora realmente não o pudessem, porque meus desejos estavam dentro, e eles fora; e por nenhum sentido podiam entrar em minha alma. Assim, agitava os braços e dava gritos e sinais semelhantes a meus desejos, os poucos que podia e como podia, embora não fossem de fato sua expressão. Mas, se não era atendido, ou porque não me entendessem, ou porque o que desejava me fosse prejudicial, eu me indignava com os adultos, porque não me obedeciam, e sendo livres, por não quererem me servir; e deles me vingava chorando. Assim são as crianças que pude observar; e que eu também fosse assim, mais me ensinaram elas, sem o saber, do que os que me criaram, sabendo-o.

9. Minha infância morreu há muito tempo, mas eu continuo vivo. Mas, dize-me, Senhor, tu que sempre vives, e em quem nada falece – porque existias antes do começo dos séculos, e antes de tudo o que há de anterior, e és Deus e Senhor de todas as coisas; e esse encontram em ti as causas de tudo o que é instável, e em ti permanecem os princípios imutáveis de tudo o que se transforma, e vivem as razões eternas de tudo o que é transitório – dize-me a mim, eu suplico, ó meu Deus, diz-me, misericordioso, a mim que sou miserável, dize-me: porventura a minha infância sucedeu a outra idade minha, já morta? Será esta aquela que vivi no ventre de minha mãe? Porque também desta me revelaram algumas coisas, e eu mesmo já vi mulheres grávidas.

E antes desse tempo, minha doçura e meu Deus, que era eu? Fui alguém, ou era parte de alguma coisa? Dize-mo, porque não tenho quem me responda, nem meu pai, nem minha mãe, nem a experiência dos outros, nem minha memória. Acaso te ris de mim, porque desejo saber estas coisas, e me mandas que te louve e te confesse pelo que conheci de ti?

10. Eu te glorifico, Senhor dos céus e da terra, louvando-te por meus princípios e por minha infância, de que não tenho memória, mas que, por tua graça, o homem pode conjectura de si pelos outros, crendo em muitas coisas, ainda que confiado na autoridade de humildes mulheres. Então eu já existia, já vivia de verdade; e, já no fim da infância procurava sinais com que pudesse exprimir aos outros as coisas que sentia. Com efeito, de onde poderia vir semelhante criatura, senão de ti, Senhor? Acaso alguém pode ser artífice de si mesmo? Porventura existirá algum outro manancial por onde corra até nos o ser e a vida, diferente da que nos dais, Senhor, tu em quem ser e vida não são coisas distintas, porque és o Sumo Ser e a Suprema Vida?

Com efeito, és sumo, e não te mudas, nem caminha para ti o dia de hoje, apesar de caminhar por ti, apesar de estarem em ti com certeza todas estas coisas, que não teriam caminho por onde passar se não as contivesses. E porque teus anos não fenecem, teus anos são um perpétuo hoje. Oh! Quantos dias nossos e de nossos pais já passaram por este teu hoje, e dele receberam sua duração, e de alguma maneira existiram, e quantos passarão ainda, e receberão seu modo, e seu ser? Mas tu és sempre o mesmo, e todas as coisas de amanhã e do futuro, e todas as coisas de ontem e do passado, nesse hoje as fazes, nesse hoje as fizeste.

Que importa que alguém não entenda essas coisas? Que este alguém se ria, e diga: que é isto? Que se ria assim, e que prefira encontrar-te sem indagação do que, indagando, não te encontrar.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Desejo de Deus

Desejo de Deus


5. Quem me fará descansar em ti! Quem fará com que venhas ao meu coração e o inebries, para que eu me esqueça de minhas maldades e me abrace contigo, meu único bem! Que és para mim? Tem piedade de mim, para que eu possa falar. E que sou eu para ti, para que me ordenes amar-te e, se não o fizer, irar-te contra mim, ameaçando-me com terríveis castigos? Acaso é pequeno o castigo de não te amar? Ai de mim! Dize-me por tuas misericórdias, meu Senhor e meu Deus, que és para mim? Dize a minha alma: Eu sou a tua salvação. Que eu ouça e siga essa voz e te alcance. Não queiras esconder-me teu rosto. Morra eu para que possa vê-lo para não morrer eternamente.

6. Estreita é a casa de minha alma para que venhas até ela: que seja por ti dilatada. Está em ruínas; restaura-a. Há nela nódoas que ofendem o teu olhar: confesso-o, pois eu o sei; porém, quem haverá de purificá-la? A quem clamarei senão a ti? Livra-me, Senhor, dos pecados ocultos, e perdoa a teu servo os alheios! Creio, e por isso falo. Tu o sabes, Senhor. Acaso não confessei diante de ti meus delitos contra mim, ó meu Deus? E não me perdoaste a impiedade de meu coração? Não quero contender em juízos contigo, que és a verdade, e não quero enganar-me a mim mesmo, para que não se engane a si mesma minha iniquidade. Não quero contender em juízos contigo, porque, se dás atenção às iniquidades, Senhor, quem, Senhor, subsistirá?

quinta-feira, 30 de junho de 2011

As perfeições de Deus

As perfeições de Deus


4. Que és, portanto, meu Deus? Que és, pergunto eu, senão o Senhor meu Deus? Ó Deus sumo, excelente, poderosíssimo, onipotentíssimo, misericordiosíssimo e justíssimo. Tão oculto e tão presente, formosíssimo e fortíssimo, estável e incompreensível; imutável, mudando todas as coisas; nunca novo e nunca velho; renovador de todas as coisas, conduzindo à ruína os soberbos sem que eles o saibam; sempre agindo e sempre repouso; sempre sustentando, enchendo e protegendo; sempre criando, nutrindo e aperfeiçoando, sempre buscando, ainda que nada te falte.

Amas sem paixão; tens zelos, e estás tranquilo; te arrependes, e não tens dor; te iras, e continuas calmo; mudas de obra, mas não de resolução; recebes o que encontras, e nunca perdeste nada; não és avaro, e exiges lucro. A ti oferecemos tudo, para que sejas nosso devedor; porém, quem terá algo que não seja teu, pois, pagas dívidas que a ninguém deves, e perdoas dívidas sem que nada percas com isso?

E que é o que até aqui dissemos, meu Deus, minha vida, minha doçura santa, ou que poderá alguém dizer quando fala de ti? Mas ai dos que nada dizem de ti, pois, embora seu muito falar, não passam de mudos charlatães.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Deus está em todas as coisas e nenhuma o contém

Deus está em todas as coisas e nenhuma o contém


3. Porventura o céu e a terra te contêm, porque os enches com tua presença? Ou será melhor dizer que os enches, mas que ainda resta alguma parte de ti, já que eles não te podem conter? E onde estenderás isso que sobra de ti, depois de cheios o céu e a terra? Mas será necessário que sejas contido em algum lugar, tu que conténs todas as coisas, visto que as que enches as ocupas contendo-as? Porque não são os vasos cheios de ti que te tornam estável, já que, quando se quebrarem, tu não te derramarás; e quando te derramas sobre nós, isso não o fazes porque cais, mas porque nos levantas, nem porque te dispersas, mas porque nos recolhes.

No entanto, todas as coisas que enches, enche-as todas com todo o teu ser; ou talvez, por não te poderem conter totalmente todas as coisas, contêm apenas parte de ti? E essa parte de ti as contêm todas ao mesmo tempo, ou cada uma a sua, as maiores a maior parte, e as menores a menor parte? Mas haverá em ti partes maiores e partes menores? Acaso não estás todo em todas as partes, sem que haja coisa alguma que te contenha totalmente?

sábado, 4 de junho de 2011

Ordenação de cinco frades Franciscanos na Missa Tridentina

Missa de Ordenação Sacerdotal

Ordenação sacerdotal de cinco frades franciscano da Imaculada no dia 25 de março de 2009. Celebrante Ecc.za Rev.ma Mons. Raymond L. Burke, Prefeito da Assinatura Apostólica.

Enquanto navegava no site Glória.tv encontrei essa belissima Missa na Forma extraodinária do Rito Romano, estou postando para aqueles que gostariam de conhecer o rito de ordenação na Missa Tridentina. O vídeo tem a duração de 82 minutos.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Como e por que invocar a Deus?

Como e por que invocar a Deus?


2. E como invocarei o meu Deus, ó meu Deus e meu Senhor? Se ao invocá-lo o faria certamente dentro de mim. E que lugar há em mim para receber o meu Deus, por onde Deus desça a mim, o Deus que fez o céu e a terra? Senhor, haverá em mim algum espaço que te possa conter?

Acaso te contêm o céu e a terra, que tu criaste, e dentro dos quais também criaste a mim? Será, talvez, pelo fato de nada do que existe sem Ti, que todas as coisas te contêm? E, assim, se existo, que motivo pode haver para Te pedir que venhas a mim, já que não existiria se em mim não habitásseis?

Ainda não estive na profundeza da terra e, no entanto, tu aí também estás. Pois, "mesmo que eu desça às profundezas da terra, aí estás". Eu nada seria, meu Deus, nada seria em absoluto se não estivesses em mim; talvez seria melhor dizer que eu não existiria de modo algum se não estivesse em ti, de quem, por quem e em quem existem todas as coisas? Assim é, Senhor, assim é. Como, pois, posso chamar-te se já estou em ti, ou de onde hás de vir a mim, ou a que parte do céu ou da terra me hei de recolher, para que ali venha a mim o meu Deus, ele que disse: Eu encho o céu e a terra?

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Louvor e Invocação

Louvor e Invocação

1. És grande, Senhor e infinitamente digno de ser louvado; grande é teu poder, e incomensurável tua sabedoria. E o homem, pequena parte de tua criação quer louvar-te, e precisamente o homem que, revestido de sua mortalidade, traz em si o testemunho do pecado e a prova de que resistes aos soberbos. Todavia, o homem, partícula de tua criação, deseja louvar-te.

Tu mesmo que incitas ao deleite no teu louvor, porque nos fizeste para ti, e nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso. Concede, Senhor, que eu bem saiba se é mais importante invocar-te e louvar-te, ou se devo antes conhecer-te, para depois te invocar. Mas alguém te invocará antes de te conhecer?

Porque, te ignorando, facilmente estará em perigo de invocar outrem. Porque, porventura, deves antes ser invocado para depois ser conhecido? Mas como invocarão aquele em que não crêem? Ou como haverão de crer que alguém lhos pregue?

Com certeza, louvarão ao Senhor os que o buscam, porque os que o buscam o encontram e os que o encontram hão de louvá-lo. Que eu, Senhor, te procure invocando-te, e te invoque crendo em ti, pois me pregaram teu nome. invoca-te, Senhor, a fé que tu me deste, a fé que me inspiraste pela humanidade de teu Filho e o ministério de teu pregador.

Index - Confissões

Confissões

Santo Agostinho

Primeiro Livro
Do Nascimento aos quinze anos
Louvor e Invocação
Como e por que invocar a Deus?
Deus está em todas as coisas e nenhuma o contém
As perfeições de Deus
Desejo de Deus
Os primeiros anos
Agostinho recorda os pecados cometidos na infância

domingo, 22 de maio de 2011

III - Cristo nos revela o Pai

III

Cristo nos revela o Pai


1. O nome de Deus como Pai, antes, a ninguém fora revelado. Mesmo a Moisés, que perguntara a Deus seu nome, um outro nome foi dito. Quem no-lo revelou foi o Filho. É preciso que haja o nome do Filho, para de novo termos o nome do Pai. O Senhor disse: "Eu vim em nome de meu Pai" (Jo 5, 43). E ainda: "Pai, glorifica o teu nome" (Jo 12, 28). E ainda mais claramente: "Eu manifestei o teu nome aos homens" (Jo 17, 6).

"Santificado seja o teu nome"

2. Pedimos, pois, que esse nome seja santificado. Não que caiba aos homens desejar o bem a Deus, como se alguém lhe possa dar qualquer coisa. Ou que Deus passe necessidade, sem os nossos votos. Mas é muito conveniente que Deus seja bendito em todo tempo e lugar pelo homem. Com efeito, todos os homens devem se lembrar, sem cessar, dos benefícios divinos. Este pedido tem a função de bendizer a Deus.

3. Quando, aliás, deixa o nome de Deus de ser santo e santificado por si mesmo? Não é, acaso, por meio dele, que os outros são santificados? Os anjos em torno de Deus não cessam de dizer: Santo, Santo, Santo! Da mesma forma, também nós, destinados a viver em companhia dos anjos, se o merecermos, aprendemos desde já na terra, este louvor a Deus, assim como aprendemos o que faremos no futuro, na glória.

4. Eis o que se refere à glória de Deus. Mas, o que é que pedimos para nós, ao dizer: "Santificado seja o teu nome"? Pedimos, na realidade, que ele seja santificado em nós, que o ouvimos, e também naqueles que Deus ainda aguarda com a sua graça. Assim, orando por todos, observamos igualmente um outro preceito evangélico, que é de rezar por todos, mesmo os nossos inimigos (cf. Mt 5, 44). Não dizendo que o nome de Deus seja santificado em nós, estamos dizendo que ele seja santificado em todos.

domingo, 30 de janeiro de 2011

II - Pai que estais no céu

II

"Pai que estais no céu"


1. Começamos por um testemunho sobre Deus e pelo efeito da fé, quando dizemos: "Pai, que estás no céu". De fato, aí não só oramos a Deus, mas também mostramos a nossa fé, que tem por consequência chamá-lo de Pai. Como está escrito, "Àqueles que crêem em Deus, foi lhes dado o poder de ser chamados filhos de Deus" (Jo 1, 12).

2. Aliás, o Senhor, muitas vezes, nos faz saber que Deus é Pai. Até mesmo ordenou que a ninguém chamemos de Pai sobre a terra (cf. Mt 23, 9), mas só Àquele que temos no céu. Portanto, ao orar desta forma, cumprimos também um preceito.

3. Felizes aqueles que reconhecem o Pai. Eis o que Deus censura a Israel, eis o que afirma, chamando por testemunhas o céu e a terra: "Gerei filhos, e eles não me reconheceram" (Is 1, 2).

4. Dizendo, pois, Pai, damos a Deus o seu nome, termo que significa atitude filial e autoridade.

5. Dizendo Pai, invocamos também o Filho. O Senhor disse: "Eu e o Pai somos um" (Jo 10, 30).

6. Nem mesmo a Mãe Igreja é preterida, pois no Filho e no Pai reconhecemos também a Mãe, que nos atesta o nome do Pai e do Filho.

7. Assim, por esta única relação de afinidade, adoramos a Deus, cumprimos o preceito e condenamos os que esquecem seu Pai.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

I - Cristo ensina uma nova forma de oração

I
Cristo ensina uma nova forma de oração


1. Jesus Cristo, nosso Senhor, que é tanto Espírito de Deus, como Palavra de Deus e Verbo de Deus, (Palavra do Verbo e Verbo da Palavra), instituiu para os novos discípulos do Novo Testamento uma nova forma de oração. Convinha, realmente, que também nesse plano se guardasse o vinho novo em odres novos e se costurasse um pano novo numa veste nova (cf. Mt 9, 16-17; Mc 2, 21-22; Lc 5, 36-39). De resto, tudo que viera antes, ou foi inteiramente abolido como a circuncisão, ou foi completado como o resto da Lei, ou cumprido como a profecia, ou levado à perfeição como a própria fé.

2. A nova graça de Deus renovou todas as coisas, fazendo-as passar de carnais a espirituais, mediante o Evangelho, que opera a revisão de todas as coisas antigas. Pelo Evangelho, nosso Senhor Jesus Cristo se fez reconhecer como Espírito de Deus, Palavra de Deus e Verbo de Deus: Espírito, por seu poder eficaz; Palavra, por seu ensinamento; Verbo, por sua vinda. Assim, pois, a oração instituída por Cristo reúne três dimensões: a do Espírito, razão da sua grande eficácia; a da Palavra, em que ela se exprime; e do Verbo.

João já ensinara seus discípulos a orar

3. Também João Batista já ensinara seus discípulos a orar. Mas tudo em João era preparação à vinda de Cristo. Quando Cristo cresceu, João já anunciara que era preciso que Cristo crescesse e ele mesmo diminuísse (cf. Jo 3, 30) toda a obra do precursor se transferiu para o Senhor, segundo o espírito de João. Por isso, nada nos resta das palavras com que João ensinou a orar, pois as coisas terrenas deram lugar às celestes. "Quem é da terra - diz João - fala o que é da terra, mas o que vem do céu fala daquilo que viu" (Jo 3, 31-32). E o que não é celeste no Cristo Senhor, inclusive o seu ensinamento sobre a oração?

Como orar

4. Consideremos, pois, irmãos abençoados, a celeste sabedoria de Cristo, que se manifesta, em primeiro lugar, pelo preceito de orar em segredo (cf. Mt 6, 6). Por aí Cristo induzia o homem a acreditar que o Deus Onipotente nos vê e nos escuta em toda parte, mesmo em casa e nos lugares mais escondidos. Ao mesmo tempo, ele queria que a nossa fé fosse discreta, de modo que, confiante na presença e no olhar de Deus em toda parte, reservasse o homem só a Deus a sua veneração.

5. Já no preceito seguinte (cf. Mt 6, 7), se manifesta uma sabedoria que se refere tanto à fé, como ao discernimento da fé. Pois, certos de que Deus em sua providência olha pelos seus, não se deve pensar que para nos aproximarmos dele precisamos de muitas palavras.

Uma oração breve

6. Aqui chegamos, por assim dizer, ao terceiro grau da sabedoria. Com efeito, essa brevidade está apoiada na significação de palavras grandes e felizes, pois quanto mais curta, mais rica de sentido é esta oração. De fato, ela não compreende apenas a exigência própria da oração, isto é, a veneração de Deus e a súplica do homem, mas quase todas as palavras do Senhor. Constitui uma lembrança de todo o seu ensinamento, de tal modo que nela temos uma síntese de todo o Evangelho.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Questão LX: Do amor ou da dileção dos anjos

Questão 60: Do amor ou da dileção dos anjos


Em seguida deve se considerar o ato da vontade, que é o amor ou dileção, pois, todo ato da virtude apetitiva deriva do amor ou dileção.
E, sobre este ponto, cinco artigos se discutem:
  1. Se nos anjos há amor ou dileção natural.
  2. Se nos anjos há dileção eletiva.
  3. Se o anjo se ama a si mesmo por dileção natural e eletiva.
  4. Se um anjo, pela dileção natural, ama a outro como a si mesmo.
  5. Se o anjo, pela dileção natural, mais ama a Deus que a si mesmo.

Art. 1 — Se nos anjos há amor ou dileção natural


(III Sent., dist. XXVII, q. 1, a. 2.)

O primeiro discute-se assim. – Parece que nos anjos não há amor ou dileção natural.

1. — Pois, o amor natural se opõe ao intelectual, como se vê em Dionísio. Ora, o amor do anjo é intelectual. Logo, não é natural.

2. Demais. — Os seres que amam por amor natural mais são conduzidos do que agem por si; pois nenhum tem o domínio da sua natureza. Ora, os anjos não são conduzidos, mas agem por si, dotados que são de livre arbítrio, como já se demonstrou. Logo, neles não há amor ou dileção natural.

3. Demais. — Toda dileção ou é reta ou não; respeitando aquela à caridade, esta, à iniqüidade. Ora, a caridade não respeita à natureza, por ser superior a esta; nem a iniquidade, por ser contrária à mesma. Logo, não há nos anjos dileção natural.

Mas, em contrário, a dileção se segue ao conhecimento, pois só se ama o que se conhece, como diz Agostinho. Ora, nos anjos há conhecimento natural. Logo, também há a dileção natural.

SOLUÇÃO. — É necessário admitir-se nos anjos a dileção natural; o que se evidencia considerando-se que o anterior deve existir no posterior. Ora, sendo a natureza, essência do ser, anterior ao intelecto, o que pertence à natureza deve existir também nos seres inteligente. Mas, é comum a toda natureza uma certa inclinação, que é o apetite natural ou o amor; e essa inclinação existe diversamente nas diversas naturezas; em cada uma ao modo dessa. Donde, na natureza intelectual, a inclinação natural se funda na vontade; na sensitiva, no apetite sensitivo; enfim, na desprovida de conhecimento, na só tendência da natureza. Por isso, o anjo, sendo de natureza intelectual, necessário é tenha na sua vontade a dileção natural.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O amor intelectual se opõe ao natural, que é somente natural; pois, como tal lhe não acrescenta a natureza, além da essência da mesma, a perfeição do sentido ou do intelecto.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Todos os seres da totalidade do universo são conduzidos por outro; salvo o agente primeiro, o qual, identificando-se nele a natureza e a vontade, age de modo que por nenhum outro é conduzido. Por onde, não é inconveniente que o anjo seja conduzido, pois a sua inclinação natural lhe foi infundida pelo autor da sua natureza. Contudo, ele não é conduzido de modo tal que não tenha atividade própria, dotado que é de vontade livre.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Assim como o conhecimento natural sempre é verdadeiro, a dileção natural sempre é reta, pois, o amor natural nada mais é do que a inclinação da natureza, nela infundida pelo seu autor. Dizer, portanto, que não seja reta a inclinação da natureza é ir contra o autor desta. Contudo, uma é a retidão da dileção natural, outra a da caridade e da virtude; pois, esta é perfectiva daquela. Do mesmo modo que uma é a verdade do conhecimento natural, e outra a do conhecimento infuso ou adquirido.

Art. 2 — Se nos anjos há dileção eletiva


(Ia IIae, q. 10, a. 1; De Verit., q. 22, a. 2.)

O segundo discute-se assim. — Parece que nos anjos não há dileção eletiva.

1. — Pois a dileção eletiva é o amor racional resultando do conselho, que consiste numa inquisição, como diz Aristóteles. Ora, o amor racional se opõe ao intelectual, próprio dos anjos, como diz Dionísio. Logo, nos anjos não há dileção eletiva.

2. Demais. — Além do conhecimento infuso, só há nos anjos o natural, pois eles não partem de princípios para chegar a conclusões. E assim comportam-se para com tudo o que naturalmente podem conhecer como o nosso intelecto para com os primeiro princípios naturalmente cognoscíveis, conforme já se disse. Logo, nos anjos, além da dileção gratuita só há a dileção natural, não havendo, portanto, a eletiva.

Mas, em contrário — Pelo que nos é natural, nem merecemos nem desmerecemos. Ora, os anjos, pela sua dileção, merecem ou desmerecem. Logo, há neles dileção eletiva.

SOLUÇÃO. — Há nos anjos uma dileção natural e outra eletiva, sendo aquela o princípio desta, pois sempre o que tem prioridade de existência exerce a função de princípio. Por onde, sendo a natureza o que é primário em qualquer ser, é necessário que o atinente a ela seja nesse ser o princípio. E isto bem se vê no homem, quanto ao intelecto e quanto à vontade. Pois, o intelecto conhece os princípios naturalmente e desse conhecimento resulta para a ciência das conclusões, não conhecidas naturalmente, mas por invenção ou por doutrina. E semelhantemente, o fim é na vontade o que o princípio é no intelecto, conforme diz Aristóteles. Donde, a vontade tende naturalmente para o seu fim último, pois todo homem quer naturalmente a felicidade. E dessa vontade natural resultam todas as demais vontades, porque o homem quer, por causa de um fim, tudo o que quer. Portanto, a dileção do bem, que o homem naturalmente quer como fim, é uma dileção natural; porém, a dileção do bem, amado por causa do fim, é derivada da primeira e é a dileção eletiva.

Mas as coisas se passam diferentemente em relação ao intelecto e à vontade. Pois, como já ficou dito, pelo conhecimento intelectual as coisas conhecidas estão no ser que conhece. Sendo por imperfeição da natureza intelectual que o intelecto humano não apreende imediata e naturalmente todos os inteligíveis, mas só alguns, pelos quais, de certo modo, alcança os outros. — Ao passo que, inversamente, o ato da virtude apetitiva parte do apetente para as coisas, das quais, umas são por si boas e apetecíveis, e outras o são dependentemente de outra. Por isso, não é imperfeição apetecer naturalmente uma coisa, como fim e outra, por eleição, como ordenada ao fim. Ora, sendo a natureza intelectual dos anjos perfeita, neles há só o conhecimento natural; não o racionativo; havendo porém a dileção natural e a eletiva. — Tudo porém o que se acaba de dizer é com exclusão do sobrenatural, do qual não é a natureza o princípio suficiente, e disso se tratará em seguida.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Dividindo-se por oposição o amor racional do intelectual, nem toda dileção eletiva é amor racional. Pois, chama-se amor racional ao que resulta do conhecimento racionativo. Ora, nem toda eleição resulta do discurso da razão, mas só a eleição humana, como já se disse quando se tratou do livre arbítrio. Logo, a objeção não colhe.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Resulta a resposta do que ficou dito.

Art. 3 — Se o anjo se ama a si mesmo por dileção natural e eletiva


(Ia IIae, q. 26, a. 4; q. 29, a. 4; De Div. Nom., cap. IV, lect. IX)

O terceiro discute-se assim. — Parece que o anjo não se ama a si mesmo por dileção natural e eletiva.

1. — Pois a dileção natural se refere ao fim, como já se disse; ao passo que a eletiva, aos meios. Mas o referente ao fim não se pode identificar com o referente aos meios, no mesmo ponto de vista. Logo, a dileção natural e a eletiva não podem ter o mesmo objeto.

2. Demais. — O amor é virtude unitiva e concretiva, como diz Dionísio. Mas a união e a concreção se referem a diversos objetos reduzidos a um só. Logo, não pode o anjo amar-se a si mesmo.

3. Demais. — Dileção é movimento. Mas todo movimento tende para um termo. Logo, o anjo se não pode amar a si mesmo por amor natural nem eletivo.

Mas, em contrário, diz o Filósofo que a amizade para com outrem vem da que temos para conosco mesmo.

SOLUÇÃO. — Tendo o amor por objeto o bem, e sendo este substancial e acidental, conforme diz Aristóteles, de dois modos pode uma coisa ser amada: como bem subsistente e como bem acidental ou inerente. A que se ama pelo primeiro modo, a essa se lhe deseja algum bem; a que se ama pelo segundo é a que se deseja para outra coisa: assim a ciência é amada, não por ser boa, mas por ser possuída. A esta espécie de amor alguns chamaram concupiscência; à primeira, porém, amizade. Ora, é claro que os seres privados de conhecimento naturalmente apetecem o que lhes é o bem; assim, o fogo apetece o lugar superior. Por isso, também o anjo e o homem naturalmente apetecem o bem próprio e a própria perfeição; e a isto se chama amar-se a si mesmo. Por onde, naturalmente o anjo, como o homem, ama-se a si mesmo, pois deseja para si algum bem, pelo apetite natural. Mas, na medida em que deseja para si e por eleição algum bem, nessa mesma ama-se a si por dileção eletiva.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O anjo, como o homem, não se ama a si mesmo por dileção natural e eletiva, em relação ao mesmo ponto de vista, mas a diversos, como se disse.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Assim como mais é ser uno do que ser unido, assim é mais uno o amor a si mesmo do que o às diversas coisas que estão unidas ao amante. E Dionísio, usando os termos união e concreção, quis mostrar como o amor deriva do amante para os outros seres, do mesmo modo que, de um deriva unicidade.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Como o amor é ação imanente no agente, assim é movimento imanente no amante, e não transitivo, necessariamente, a algo de exterior; pode, porém, refletir-se sobre o amante para que se ame a si mesmo, assim como o conhecimento se reflete no conhecente, para que se conheça a si mesmo.

Art. 4 — Se um anjo, pela dileção natural, ama a outro como a si mesmo


(De div. nom., cap. IV, lect. IX)

O quarto discute-se assim. — Parece que um anjo, por dileção natural, não ama a outro como a si mesmo.

1. — Pois, a dileção resulta do conhecimento. Ora, um anjo não conhece a outro como a si mesmo, pois, conhecendo-se a si mesmo por meio da sua essência, só conhece a outro pela sua semelhança, como já se disse antes. Logo, um anjo não ama a outro como a si mesmo.

2. Demais. — A causa é superior ao causado e o princípio, ao que de si deriva. Ora, a dileção para com outrem deriva da para consigo mesmo, conforme diz o Filósofo. Logo, um anjo não ama a outro como a si mesmo, mas se ama a si mesmo mais.

3. Demais. — A dileção natural ama o fim e não se pode perder. Ora, um anjo não é fim de outro; e além disso, essa dileção pode perder-se, como se vê pelos demônios, que não amam aos bons anjos. Logo, um anjo não ama a outro, por dileção natural, como a si mesmo.

Mas, em contrário, o que se encontra em todos os seres, mesmo nos desprovidos de razão, é natural. Ora, como diz a Escritura (Ecle 13, 19), todo animal ama ao seu semelhante. Logo, um anjo ama naturalmente a outro como a si mesmo.

SOLUÇÃO. — Como já se disse, o anjo e o homem naturalmente se amam a si mesmo. Ora, o que com outro ser se unifica com este se identifica e, por isso, cada ser ama o que consigo se unifica. E se o for por união natural, ama-lo-á por dileção natural; se por união não-natural, ama-lo-á por dileção não-natural. Assim, o homem ama o seu concidadão por dileção da virtude política; o consanguíneo, porém por dileção natural, pois se unifica com ele pelo princípio da geração natural. Ora, é manifesto que o que com outro se unifica, genérica ou especificamente, por natureza se unifica. Por onde, um ser ama, por dileção natural, aquilo que com ele especificamente se unifica, na medida em que ama a sua própria espécie. O que se vê, mesmo nos seres desprovidos de conhecimento; pois, o fogo tem inclinação natural para comunicar a sua forma, que é o seu bem, a outro ser; assim como naturalmente se inclina a buscar o seu bem, isto é, estar na parte superior.

Portanto, deve-se dizer que um anjo ama a outro, por natural dileção, na medida em que com esse outro convém, por natureza. Na medida, porém, em que com esse outro convém, por outras conveniências ou dele difere, por certas diferenças, não o ama por natural dileção.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A expressão como a si mesmo pode, de um modo, determinar o conhecimento ou a dileção da parte do conhecido e do amado. E assim um anjo conhece a outro como a si mesmo, conhecendo a existência desse outro como se conhece a si mesmo existente. De outro modo, pode determinar o conhecimento e a dileção, da parte de quem ama e conhece. E assim, não conhece a outro como a si mesmo, pois, se conhece a si por meio da sua essência, a outro, porém, não o conhece pela essência desse. Semelhantemente, não ama a outro como a si mesmo, porquanto a si mesmo se ama pela sua vontade, a outro, porém, não o ama pela vontade desse.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Como não designa a igualdade, mas a semelhança. Pois, fundando-se a dileção natural na unidade natural, o que está menos unificado com o anjo, naturalmente é menos amado. Por onde, ele ama naturalmente o que consigo se unifica, numericamente, mais do que o unificado específica ou genericamente. Mas é natural tenha, para com outro, dileção semelhante à para consigo mesmo, enquanto que, amando-se a si mesmo, por querer para si o bem, ame a outro querendo-lhe o bem desse outro.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Diz-se que a dileção natural visa o fim, não enquanto alguém deseja para outro algum bem, mas enquanto, desejando para si algum bem, consequentemente o deseja para outrem, estando este identificado com aquele. E nem pode essa dileção natural ser perdida, mesmo dos anjos maus, de modo que deixassem de ter dileção natural para com os santos anjos, com os quais comunicam pela natureza, embora os odeiem, diversificados que são pela justiça e pela injustiça.

Art. 5 — Se o anjo, pela dileção natural, mais ama a Deus que a si mesmo


(Ia IIae, q. 109, a. 3; IIa IIae, q. 26, a. 3; II Sent., dist. III, part. II, q. 3; III dist. 29, a. 3; Quodl. I, q. 4, a. 3; De div. nom., cap. IV, lect. IX, X)

O quinto discute-se assim. — Parece que o anjo, por dileção natural, não ama a Deus mais que a si mesmo.

1. — Pois, como já se disse, a dileção natural se funda na união natural. Ora, a natureza divina dista maximamente da do anjo. Logo, por dileção natural, o anjo ama a Deus menos que a si próprio ou mesmo que a outro anjo.

2. Demais. — Toda causa inclui, em grau eminente, o seu efeito. Ora, o que alguém ama por dileção natural é por causa de si, pois todo ser ama alguma coisa, enquanto é o seu bem. Logo, por dileção natural, o anjo não ama a Deus mais que a si mesmo.

3. Demais. — A natureza se reflete sobre si mesma, pois vemos que todo agente naturalmente age para a conservação de si. Ora, a natureza não se refletiria sobre si mesma se tendesse mais para outra coisa do que para si própria. Logo, por dileção natural, o anjo não ama a Deus mais que a si mesmo.

4. Demais. — É próprio à caridade o amarmos a Deus mais que a nós mesmos. Ora, a dileção da caridade não é natural aos anjos, mas se lhes infunde nos corações pelo Espírito Santo, que lhes foi dado, como diz Agostinho. Logo, por dileção natural, os anjos não amam a Deus mais que a si mesmos.

5. Demais. — A dileção natural sempre permanece, permanecendo a natureza. Ora, o amor a Deus mais que a si mesmo não permanece no anjo ou no homem pecadores; pois, como diz Agostinho dois amores fizeram duas cidades, a saber: a terrena, o amor de si até o desprezo de Deus; a celeste, porém, o amor de Deus até o desprezo de si. Logo, amar a Deus mais que a si mesmo não é natural.

Mas, em contrário. Todos os preceitos morais da lei pertencem à lei natural. Ora, amar a Deus mais que a si mesmo, sendo preceito moral da lei, o é também da lei natural. Logo, por dileção natural, o anjo ama a Deus mais que a si mesmo.

SOLUÇÃO. — Alguns disseram que o anjo, por dileção natural, ama a Deus mais que a si mesmo, por amor de concupiscência, pois mais deseja para si o bem divino do que o seu bem. E também por amor de amizade, querendo o anjo, naturalmente, para Deus, maior bem do que para si; pois, naturalmente, quer que Deus seja Deus, querendo, porém, para si, a sua natureza própria. Mas, absolutamente falando, por dileção natural, mais se ama a si do que a Deus, pois, naturalmente mais intensa e principalmente ama-se a si do que a Deus.

Mas, surgirá de manifesto a falsidade desta opinião a quem considerar para o que se movem, naturalmente, os seres naturais; pois, a inclinação natural, nos seres desprovidos de razão indica a da vontade da natureza intelectual. Ora, o ser natural que, por natureza, depende de outro, naquilo mesmo que é, mais principalmente se inclina para esse outro do que para si próprio. E essa inclinação natural se verifica nas coisas naturalmente feitas. Assim, uma coisa é produzida pela natureza como é natural que a façamos, diz Aristóteles. Ora, vemos a parte se expor, naturalmente, para a conservação do todo; assim, a mão se expõe ao golpe, sem deliberar, para a conservação de todo o corpo. E, como a razão imita a natureza, tal imitação encontramos nas virtudes políticas; pois, é próprio do cidadão virtuoso expor-se ao perigo de morte pela conservação de toda a república; e se o homem fosse parte natural de tal república, natural lhe seria essa inclinação.

Como, porém, em Deus mesmo é o bem universal, e esse bem abrange também o anjo, o homem e toda criatura, porque toda criatura, naturalmente, pelo seu ser, vem de Deus, resulta que, por dileção natural, também o anjo, como o homem, ama a Deus mais e mais principalmente do que a si próprio. Do contrário, se naturalmente amasse mais a si mesmo que a Deus, resultaria que a dileção natural seria perversa e não se aperfeiçoaria, mas se destruiria pela caridade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Essa objeção procede quanto aos seres que entre si se distinguem no mesmo pé de igualdade, nos quais um, não sendo a razão da existência e da bondade do outro, ama naturalmente mais a si mesmo do que ao outro, pois, mais unificado está consigo mesmo do que com o outro. Mas ao ser que é a razão total da existência e da bondade dos outros, mais se ama, naturalmente, do que a si mesmo; e assim, dissemos que cada parte ama, naturalmente, o todo mais que a si; e cada indivíduo singular ama, naturalmente, mais o bem da sua espécie do que o seu bem singular. Ora, Deus, sendo não somente o bem de uma espécie, mas o mesmo bem universal absolutamente, daí resulta que cada ser ama naturalmente, ao seu modo, mais a Deus que a si mesmo.

RESPOSTA À SEGUNDA. — No dizer-se que deus é amado pelo anjo enquanto é o bem deste, se enquanto exprimir o fim, então há falsidade, pois, o anjo não ama naturalmente a Deus por causa do bem do anjo, mas por causa de Deus mesmo. Se, porém, exprimir a razão do amor, por parte do amante, então há verdade, pois, não estaria na natureza de nenhum ser amar a Deus se cada um não dependesse do bem, que é Deus.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A natureza se reflete em si mesma, não só quanto ao que lhe é singular, mas muito mais quanto ao comum. Pois, cada ser se inclina não somente para a sua conservação individual, mas ainda para a específica. E muito mais cada ser tem inclinação natural para o bem absolutamente universal.

RESPOSTA À QUARTA. — Deus, como bem universal de que depende todo bem natural, é amado por dileção natural, de cada ser; mas, enquanto bem beatificante, universalmente, de todos os seres, pela beatitude sobrenatural, é amado pela dileção da caridade.

RESPOSTA À QUINTA. — Identificando-se, em Deus, a sua substância e o bem comum, todos os que vêem a essência divina, em si, pelo mesmo movimento de dileção, movem-se para ela como distinta dos outros seres e como sendo um bem comum. E sendo, enquanto bem comum, naturalmente amada de todos, é impossível não a ame quem a vê. Os que, porém, não a vêem a conhecem por certos efeitos particulares que, por vezes, contrariando-lhes a vontade, diz-se, então, que esses odeiam a Deus. Mas, como bem comum de todos, cada qual naturalmente o ama mais que a si mesmo.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Angelus

Angelus


Enquanto navegava e olhava algumas postagens no youtube, encontrei este maravilhoso vídeo com o canto do Angelus que por meio da tradição é rezada desde o século XI.

As origens do Angelus encontra-se no costume de recitar três Ave Marias durante o repicar do sino da tarde, que remota ao século XI: o papa Gregório IX (+1241) ordenou que se tocasse o sino ao anoitecer, por volta das seis horas, para lembrar os cristãos de rezarem pelos cruzados.
Em 1269 São Boa Ventura advertiu seus frades a exortar os fiéis a imitarem o costume franciscano de recitar 3 Ave-Marias quando o sino tocava ao entardecer. João XXII ligou uma indulgência a essa prática em 1318 e 1327.

O Angelus da manhã derivou do crescimento, no século XIV, do costume monástico de recitar 3 Ave-Marias no toque para as Primas.
O Angelus do meio-dia originou-se da devoção da Paixão, que levava ao toque de sinos ao meio-dia das sextas-feiras; também é associado a orar pela paz. A prática foi primeiro mencionada no Sínodo de Praga em 1386 e estendida a toda a semana quando Calisto III, em 1456, convidou todo o mundo a rezar pela vitória sobre os turcos.

O século XVI viu a unificação dos três costumes. Bento XIV, Leão XIII e Pio XI indulgenciaram a prática: 10 anos a cada período de recitação e uma plenária a quem recitá-lo diariamente por um mês (tocando sino ou não).

Angelus (1857-1859) de Jean-François Millet

A Hora do Angelus (ou Toque das Ave-Marias), que corresponde às 06:00, 12:00 ou 18:00 horas do dia, relembra aos católicos, através de preces e orações, o momento da Anunciação - feita pelo anjo Gabriel a Virgem Maria - da concepção de Jesus Cristo. É habitualmente rezado ao 12:00 em portugal e no Brasil.
No Tempo Pascal, substitui-se o Angelus pela oração da Regina Cœli


Oração em português

V. O Anjo do Senhor anunciou a Maria.
R. E Ela concebeu do Espírito Santo.
Ave Maria cheia de graça, o Senhor é convosco. Bendita sois vós entre as mulheres, e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus.
Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amém.

V. Eis aqui a escrava do Senhor.
R. Faça-se em mim segundo a vossa palavra.
Ave Maria…

V. E o Verbo se fez carne ou então E o Verbo divino encarnou.
R. E habitou entre nós.
Ave Maria…

V. Rogai por nós, Santa Mãe de Deus.
R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

Oremos: Infundi, Senhor, a vossa graça em nossas almas para que, conhecendo pela anunciação do Anjo a encarnação de vosso Filho bem-amado, cheguemos por sua paixão e cruz, à glória da ressurreição.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco, na unidade do Espírito Santo. Amém.
Glória ao Pai...


Oração em latim

V. Angelus Domini nuntiavit Mariæ.
R. Et concepit de Spiritu Sancto.
Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum. Benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui, Iesus.
Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostræ. Amen.

V. Ecce Ancilla Domini.
R. Fiat mihi secundum Verbum tuum.
Ave Maria…

V. Et Verbum caro factum est.
R. Et habitavit in nobis.
Ave Maria…

V. Ora pro nobis, Sancta Dei Genetrix.
R. Ut digni efficiamur promissionibus Christi.

Oremus: Gratiam tuam quæsumus, Domine, mentibus nostris infunde; ut qui, angelo nuntiante, Christi Filii tui Incarnationem cognovimus, per passionem eius et crucem, ad resurrectionis gloriam perducamur.
Per eumdem Christum Dominum nostrum. Amen.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Questão LIX: Da vontade dos anjos


De volta as atividades!
Voltamos com as postagens da Suma Teologia!
Feliz 2011!

...

Questão LIX: Da vontade dos anjos


Em seguida devemos tratar do que respeita à vontade dos anjos. Primeiro, trataremos da vontade mesma. Segundo, do seu movimento, que é amor ou dileção.
E, sobre o primeiro ponto, quatro artigos se discutem:
  1. Se nos anjos há vontade.
  2. Se nos anjos difere a vontade, do intelecto e da natureza.
  3. Se nos anjos há livre arbítrio.
  4. Se nos anjos há o apetite irascível e o concupiscível.

Art. I — Se nos anjos há vontade


(II Cont. Gent., cap. XLVII; De Verit., q. 23, a. 1)

O primeiro discute-se assim. Parece que nos anjos não há vontade.

1. Porque, como diz o Filósofo, a vontade está na razão. Ora, nos anjos não há razão, mas algo que lhe é superior. Logo, neles não há vontade, mas algo que lhe é superior.

2. Demais. — A vontade é uma espécie de apetite, como é claro pelo Filósofo Ora, este é de natureza imperfeita, pois se refere ao que ainda não é possuído. Resulta, logo, que nos anjos não há vontade, porque neles não há, sobretudo nos santos, nenhuma imperfeição.

3. Demais. — O Filósofo diz que a vontade é um motor movido, pois é movida pelo objeto apetecível inteligido. Ora, os anjos, sendo incorpóreos são imóveis. Logo neles não há vontade.

Mas, em contrário, diz Agostinho que na alma está a imagem da Trindade representada pela memória, a inteligência e a vontade. Ora, a imagem de Deus se encontra, não só na alma humana, mas também no espírito angélico, pois também este é capaz de Deus. Logo, nos anjos há vontade.

SOLUÇÃO. — É forçoso admitir-se a vontade nos anjos. Para a evidência do que se deve considerar na procedência de todos os seres, da vontade divina; todos, a seu modo, mas diversamente, inclinando-se ao bem, pelo apetite. — Assim, certos buscam o bem pela só tendência natural, sem conhecimento, como as plantas e os corpos inanimados. E essa inclinação para o bem se chama apetite natural. — Outros, porém, buscam o bem com algum conhecimento; não, certo, conhecendo a natureza mesma do bem, mas conhecendo algum bem particular, como o sentido, que conhece o doce, o branco e coisas semelhantes. E essa inclinação resultante de tal conhecimento se chama apetite sensitivo.

Outros seres, por fim, buscam o bem conhecendo-lhe a natureza mesma, o que é próprio do intelecto. E esses buscam-no perfeitissimamente não como somente dirigidos ao bem por meio de outrem, como os seres sem conhecimento; nem como se dirigidos fossem ao bem particular somente, como os seres que têm apenas conhecimento sensível; mas como inclinados que são ao mesmo bem universal. E esta inclinação se chama vontade. Donde, conhecendo os anjos, pelo intelecto, a natureza universal do bem, é manifesto que neles há vontade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Um é o modo pelo qual a razão transcende o sentido, e outro o pelo qual o intelecto transcende a razão. A razão transcende o sentido pela diversidade dos objetos conhecidos: este conhece o particular, aquela, o universal. E, por isso, é forçoso seja um o apetite próprio à razão, e tendente ao bem universal; outro, o próprio ao sentido e tendente ao bem particular. O intelecto e a razão, porém diferem quanto ao modo de conhecer, pois aquele conhece por intuição simples, e esta, discorrendo de um objeto para outro. Todavia, a razão, pelo discurso, chega a conhecer o universal, que o intelecto conhece sem discurso. Portanto, o mesmo é o objeto proposto ao apetite pela razão e pelo intelecto. Por onde, nos anjos, puras inteligências, não há apetite superior à vontade.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora o nome da parte apetitiva seja derivado de se apetirem as coisas que se não têm, todavia ela se estende não só a tais coisas, mas ainda a muitas outras; assim como o nome lápida é derivado de lesão do pé, sem que, contudo, tal denominação convenha somente à lápida. Semelhantemente, a potência irascível é assim chamada por causa da ira, embora compreenda várias outras paixões, como a esperança, a audácia e demais.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Diz-se que a vontade é um motor movido porque o querer é um certo movimento e uma certa intelecção; ora, nada impede que exista nos anjos um tal movimento, que é ato do ser perfeito, como diz Aristóteles.

Art. 2 — Se nos anjos difere a vontade, do intelecto e da natureza.


(I Sent., dist. XLII, q. 1, a. 2, ad 3; De Verit., q. 22, a. 10)

O segundo discute-se assim. — Parece que nos anjos não difere a vontade do intelecto e da natureza.

1. — Pois o anjo é mais simples que o corpo natural. Ora, este, pela forma, busca o seu fim, que lhe é o bem. Logo, com maior razão, o anjo. Mas a forma deste é ou a natureza mesma, na qual subsiste, ou a espécie, que lhe está no intelecto. Logo, o anjo, pela sua natureza ou pela espécie inteligível, busca o bem. Ora, essa tendência para o bem, pertencendo à vontade, esta, no anjo, não lhe difere da natureza ou do intelecto.

2. Demais. — O objeto da inteligência é o verdadeiro; o da vontade, porém, o bem. Ora, o bem e o verdadeiro não diferem real mas só nocionalmente. Logo, a vontade e o intelecto não diferem realmente.

3. Demais. — A distinção entre o próprio e o comum não diversifica as potências; pois a mesma potência visiva atinge a cor e a brancura. Ora, o bem e o verdadeiro estão entre si como o comum está para o próprio, por ser o verdadeiro um certo bem, a saber, do intelecto. Logo, a vontade, cujo objeto é o bem, não difere do intelecto, cujo objeto é o verdadeiro.

Mas, em contrário, nos anjos a vontade só tende para o bem; ao passo que o intelecto tende pelo conhecimento, para o bem e para o mal. Logo, a vontade, nos anjos, difere do intelecto.

SOLUÇÃO. — A vontade angélica não é senão uma certa virtude e potência, que não se lhes confunde com a natureza, nem com o intelecto. — Que se não lhes confunde com a natureza o prova o seguinte: a natureza ou a essência de um ser dentro nesse mesmo ser se compreende; e assim, tudo que se refere a algo de exterior a esse ser não lhe pertence à essência. Por isso vemos que a causa da inclinação ao ser, nos corpos naturais, não é algo que se lhes acrescente à essência; mas é a matéria, apetitiva da existência, que não tem, e a forma, que mantém o ser na existência. Mas a causa da inclinação deles a algo de extrínseco é-lhes acrescentada à essência; assim, inclinam-se ao lugar pelo peso ou leveza; e inclinam-se a fazer algo de semelhante a si, pelas qualidade ativas.

Ora, a vontade, tendo inclinação natural para o bem, só haverá identidade entre a vontade e a essência quando o bem estiver totalmente contido na essência do ser que quer, a saber, em Deus, que senão em razão da sua bondade, nada quer fora de si. O que se não pode dizer de nenhuma criatura, por estar o bem infinito fora da essência de qualquer ser causado. Por onde, nem a vontade do anjo nem a de qualquer outra criatura podem-se lhes identificar com a essência. — Semelhantemente, a vontade se não pode identificar com o intelecto do anjo ou do homem. Pois, ao passo que o conhecimento se opera por estar o conhecido no conhecente, a vontade tende para a coisa exterior. Donde, o intelecto humano ou angélico atinge a coisa exterior, enquanto a esta, existente pela essência fora dele, lhe é natural existir nele de certo modo.

Porém, a vontade atinge a coisa exterior, enquanto que, por uma certa inclinação, tende de algum modo para tal coisa. Ora, é próprio de uma faculdade ter em si o exterior, e de outra, que esse ser tenda para tal coisa. E, portanto, em qualquer criatura, necessariamente difere o intelecto da vontade. Não, porém, em Deus, que tem em si mesmo o ser e o bem universais; por onde, tanto a vontade como o intelecto se lhe identificam com a essência.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O corpo natural, pela forma substancial, tem inclinações essenciais; mas tende para o exterior por meio de algo que lhe é acrescentado, como se disse.

RESPOSTA À SEGUNDA. — as potências não se diversificam pela distinção material dos objetos, mas por uma distinção formal, fundada na noção do objeto. Portanto, as noções diversas de bem e de verdadeiro bastam para diversificar o intelecto, da vontade.

RESPOSTA À TERCEIRA. — De se converterem o bem e o verdadeiro, resulta na realidade que o bem é inteligido pelo intelecto sob a noção de verdadeiro, e este é apetecido pela vontade sob a noção de bem. Contudo, a diversidade das noções basta para diversificar as potências, como já se disse.

Art. 3 — Se nos anjos há livre arbítrio


(II Sent., dist. XXV, q. 1, a. 1; II Cont. Gent., cap. XLVIII; De Verit., q. 23, a. 1; q. 24, a. 3; De Malo, q. 16, a. 5; Compend. Theol., cap. LXXVI)

O terceiro discute-se assim. — Parece que nos anjos não há livre arbítrio.

1. — Pois, o ato do livre arbítrio é eleger. Mas, como a eleição depende do apetite pré-aconselhado, e o conselho, de um certo exame, conforme diz Aristóteles, não pode haver eleição, nos anjos, que não conhecem inquirindo, por ser isto próprio ao discurso da razão. Logo, conclui-se que, neles, não há livre arbítrio.

2. Demais. — O livro arbítrio supõe duplo termo. Ora, no intelecto angélico nada há que possa tender para um duplo termo, porque esse intelecto nunca se engana, como se disse, quanto aos inteligíveis naturais. Logo, nem pelo apetite pode haver nos anjos livre arbítrio.

3. Demais. — O que é natural aos anjos, lhes convém mais ou menos; pois, a natureza intelectual dos anjos superiores é mais perfeita. Ora, o livre arbítrio não é suscetível de mais nem menos. Logo, nos anjos, não há livre arbítrio.

Mas, em contrário. A liberdade do arbítrio supõe a dignidade humana. Ora, os anjos são mais dignos do que os homens. Logo, se existe nos homens, existe nos anjos, com maior razão, essa liberdade.

SOLUÇÃO. — Certos seres há que não agem com livre arbítrio, mas quase levados e movidos por outros; assim, a seta é movida ao fim pelo arqueiro. Outros, porém, agem com certo arbítrio, mas que não é livre, como os animais irracionais; assim, a ovelha foge do lobo, em virtude de um juízo pelo qual o julga nocivo a si, sem esse juízo ser livre, mas ínsito naturalmente. Por onde, só o ser inteligente pode agir com livre juízo, conhecendo a noção universal do bem, pela qual poderá julgar boa tal ou tal coisa. Por isso, onde houver intelecto, haverá livre arbítrio. E daí resulta que o livre arbítrio, bem como o intelecto, existe nos anjos, e mesmo de maneira mais excelente que nos homens.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O Filósofo fala da eleição própria ao homem. Ora, como o juízo especulativo do homem difere do angélico, por ser este sem inquisição e aquele, inquisitivo, assim também os juízos operativos. Por isso, há nos anjos eleição, sem todavia deliberação inquisitiva do conselho, mas com a imediata captação da verdade.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Como se disse, o conhecimento se dá quando as coisas conhecidas estão no ser que conhece. Ora, só por imperfeição um ser não tem o que naturalmente deve ter. Donde, o anjo não seria de natureza perfeita, se o seu intelecto não fosse capaz de todas as verdades que naturalmente pode conhecer. Porém, o ato da virtude apetitiva implica a inclinação do afeto para a coisa exterior. Ora, a perfeição de um ser não depende de qualquer objeto, para o qual se incline, mas somente do objeto que lhe é superior. Por onde, não lhe é imperfeição, se o anjo não tem a vontade determinada às coisas que lhe são inferiores; mas ser-lhe-ia, se não fosse inclinada às que lhe são superiores.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O livre arbítrio, bem como o juízo do intelecto, existe de modo mais nobre nos anjos superiores do que nos inferiores. Contudo, é verdade que a liberdade, em si mesma, considerando-se nela a remoção da coação, não padece aumento nem diminuição; porque as privações e as negações, em si mesmas, não se remitem nem intensificam, mas só pela sua causa ou por alguma afirmação adjunta.

Art. 4 — Se nos anjos há o apetite irascível e o concupiscível


(Infra, q. 8, a. 5; II Sent., dist. VII, q. 2, a. 1; ad 1; De Malo, q. 14, a. 1, ad 3)

O quarto discute-se assim. — Parece que nos anjos há o apetite irascível e o concupiscível.

1. — Pois, diz Dionísio que, nos demônios, há furor irrascível e concupiscência amente. Ora, os demônios têm a mesma natureza que os anjos bons, pois o pecado não lhes mudou a natureza. Logo, nos anjos há o apetite irascível e o concupiscível.

2. Demais. — O amor e a alegria pertencem ao apetite concupiscível; porém, a ira, a esperança e o temor, ao irascível. Ora, essas paixões se atribuem, na Escritura, aos anjos bons e aos maus. Logo, nos anjos, há o apetite irascível e o concupiscível.

3. Demais. — Há certas virtudes atribuídas tanto ao apetite irascível como ao concupiscível; assim, a caridade e a temperança pertencem ao concupiscível; a esperança, porém, e a fortaleza, ao irascível. Ora, essas virtudes existem nos anjos. Logo, neles existem ambos os apetites.

Mas, em contrário, diz o Filósofo que os apetites irascível e concupiscível pertencem à parte sensitiva, que não existe nos anjos. Logo, neles não há os dois apetites.

SOLUÇÃO. — Não o apetite intelectivo, mas só o sensitivo é que se divide em irascível e concupiscível. E disso a razão é que as potências se distinguem, não pela distinção material, mas só pela formal dos seus objetos; por isso, se a uma potência corresponde um objeto nocionalmente comum, não haverá distinção de potências pela diversidade dos objetos próprios contidos no comum. Assim, sendo a cor como tal o objeto próprio da potência visiva, não se distinguirão várias potências visivas pela diferença entre o branco e o preto. Mas, se objeto próprio de uma potência fosse o branco, como tal, distinguir-se-ia a potência visiva do branco da visiva do preto.

Ora, é manifesto, pelo já dito, que o objeto do apetite intelectivo, chamado vontade, é o bem sob a sua noção comum; nem pode haver apetite que não busque o bem. Donde, o apetite da parte intelectiva não se divide pela distinção de quaisquer bens particulares, como acontece com o apetite sensitivo, que não visa o bem nocionalmente comum, mas um certo bem particular. Portanto os anjos, tendo apenas o apetite intelectivo, o apetite deles se não divide em irascível e concupiscível, mas permanece indiviso e se chama vontade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Metaforicamente é que se atribui o furor e a concupiscência aos demônios; assim como também se atribui a Deus a ira, pela semelhança de efeito.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O amor e a alegria, como paixões, pertencem ao apetite concupiscível; mas, como denominações de um ato simples da vontade, pertencem à parte intelectiva; sendo então amar querer um bem para si ou para outro e o alegrar-se é o descansar da vontade no bem possuído. E em geral nenhum afeto, como paixão, se predica dos anjos, segundo Agostinho.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A caridade, como virtude, não pertence ao apetite concupiscível, mas à vontade, Pois, o objeto desse apetite sendo o bem deleitável sensível, não pode atingir o bem divino, objeto da caridade. E pela mesma razão deve se dizer que a esperança não pertence ao apetite irascível; pois o objeto deste é o árduo sensível, que não é o arrastado pela virtude da esperança, que visa o árduo divino. Porém a temperança, como virtude humana, diz respeito às concupiscências dos deleitáveis sensíveis, as quais pertencem ao apetite concupiscível; e semelhantemente, a fortaleza diz respeito às audácias e aos temores do apetite irascível.

Donde, a temperança, como virtude humana, pertence ao apetite concupiscível; e a fortaleza, ao irascível. Não é, porém, assim que essas virtudes existem nos anjos; pois, não há neles paixões de concupiscências, ou do temor e da audácia, que devam ser reguladas pela temperança e pela fortaleza. Mas se lhes atribui a temperança enquanto manifestam moderadamente a vontade pela regra da vontade divina; e a fortaleza enquanto firmemente executam a vontade divina; o que tudo fazem pela vontade e não pelos apetites irascível e concupiscível.