quarta-feira, 16 de junho de 2010

Capítulo IV

CAPÍTULO IV


Como esses princípios acima elencados são justos, não deixa de ser marca dos bons sentimentos do coração humano escolher para seus entes queridos que serão sepultados um lugar próximo aos túmulos dos santos.

Já que o sepultamento é, por si mesmo, uma obra religiosa, a escolha do local não poderia ser estranha ao ato religioso. É consolo para os vivos, uma forma de testemunhar sua ternura para com os familiares desaparecidos. Não enxergo, porém, como os mortos podem encontrar aí alguma ajuda, a não ser quando o lugar onde descansam é visitado e são encomendados, pela oração [dos visitantes], à proteção dos santos junto ao Senhor. Contudo, isso pode ser feito ainda quando não é possível sepultá-los em tais lugares santos...

Se é verdade que denominam de "Memorial" ou "Monumento" aos sepulcros vistosamente construídos, fazem-no, na verdade, para trazer à memória aqueles que, pela morte, foram subtraídos aos olhos dos vivos. Isto é feito para que as pessoas continuem a se lembrar deles, para que não aconteça de, tendo sido retirados da presença dos vivos, também sejam retirados do coração pelo esquecimento. Aliás, o termo "Memorial" indica claramente esse sentido de recordação, da mesma forma como "Monumento" significa "o que traz à mente", ou seja, o que a faz recordar. Eis o motivo pelo qual os gregos chamam de "mnemeion" ao que chamamos de "memoria" ou "monumentum". Na língua deles, "mnème" significa "memória", a faculdade com a qual recordamos.

Assim, quando o pensamento de alguém se concentra sobre o lugar onde o corpo de um ente querido jaz e esse local esteja consagrado pelo nome de um mártir venerável, então a afeição amorosa recorda-se e reza, recomendando o falecido querido a esse mártir.

Não se pode duvidar de que essas súplicas, feitas pelos fiéis em nome dos seus caros defuntos, são úteis a estes caso apenas tenham merecido - durante a vida - beneficiar-se após a morte. Ainda que se suponha que alguma circunstância impediu o sepultamento ou que não foi dada a autorização para sepultar num desses locais sagrados, não será por isso que deveremos negligenciar as orações pelos falecidos.

A Igreja tomou para si o encargo de orar por todos aqueles que morreram dentro da comunhão cristã e católica. Ainda que não conheça todos os nomes [de seus fiéis defuntos], ela os inclui numa comemoração geral. Dessa forma, aqueles que não possuem mais pais, filhos ou outros parentes e amigos para auxiliá-los, são amparados pelo sufrágio dessa piedosa Mãe comum.

Julgo, porém, que caso esses sufrágios pelos mortos sejam feitos sem verdadeira fé e piedade, de nada valeria ao espírito deles que seus corpos sem vida se encontrassem sepultados nos lugares mais santos.

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