quarta-feira, 30 de junho de 2010

A história do papado

A história do papado


Introdução
A História do papado gira em torno de todos os pontifices nome dado ao Bispo de Roma (Papa) que é o chefe supremo da Igreja Católica, tanto em seu papel espiritual e temporal. A doutrina católica sobre o papado é bíblica e decorre do primado de São Pedro entre os Apóstolos de Jesus. Como todas as doutrinas cristãs, desenvolveu-se ao longo dos séculos, mas não se afastou dos seus elementos essenciais, presentes na liderança do Apóstolo Pedro."

Pedro e o desenvolvimento do papado


O Apóstolo Pedro foi o fundador, junto com São Paulo, da Igreja de Roma (A Santa Sé), sendo o primeiro Bispo de Roma. Na Bíblia Sagrada Pedro afirma em I Pe 5, 13 que fundou "A [Igreja] que está em Babilônia", termo pejorativo para referir-se à Roma pagã. O Papa Pio XII iniciou as escavações arqueológicas na Basílica de São Pedro, em Roma, para determinar se o túmulo de São Pedro estava realmente lá, sendo que na celebração do Ano Santo em 1950, ele confirmou que o túmulo de São Pedro havia sido encontrado debaixo da basílica.
Hoje, os historiadores concordam que Pedro realmente viveu e morreu em Roma. Sua vida continua sendo objeto de investigação, mas o seu túmulo está localizado na Basílica de São Pedro no Vaticano, ao qual foi descoberto em 1950 após anos de meticulosa investigação.

Referências ao papado na Bíblia


Embora as origens históricas do papado e as circunstâncias da vida de Pedro em Roma não são totalmente documentadas, as afirmações bíblicas no Novo Testamento sobre Pedro nos dá uma imagem mais clara. Em todos os evangelhos do Novo Testamento, Pedro encabeça os apóstolos (Mt 10, 1-4; Mc 3, 16-19; Lc 6, 14-16; At 1,13); em alguns casos é dito "Pedro e aqueles que estavam com ele" (Lc 9, 32). Pedro era o primeiro que geralmente falava em nome dos apóstolos (Mt 18, 21; Mc 8, 29; Lc 12, 41; Jo 6, 69), e preside muitas cenas notáveis (Mt 14, 28-32; Mt 17, 24, Mc 10, 28). "Em cada Evangelho, ele é o primeiro discípulo, à ser chamado por Jesus."
O dogma e a tradição da Igreja ensinam que a instituição do papado foi feita por Jesus, conforme pode ser observado nas passagens do Evangelho de Mateus: "E eu te declaro: tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligardes na terra, será desligado nos céus" (Mt 16, 18-19). Em Mateus, a centralidade de Pedro não é apenas manifestada nesta citação. Depois da ressurreição, Jesus repete o seu mandato de Pedro (Jo, 21, 15), Lucas cita um mandato de Jesus a Pedro, pois ele devia "reforçar seus irmãos" (Lc, 22, 31).

50 Provas do Primado Petrino e do papado tiradas do Novo Testamento


A doutrina católica sobre o papado é bíblica e decorre do primado de São Pedro entre os Apóstolos.
Mt 16, 18: “E eu te digo, tu és Pedro, e sobre esta pedra eu edificarei a minha Igreja, e os poderes da morte não prevalecerão contra ela”.
A pedra (em grego, petra) aqui mencionada é o próprio São Pedro e não a sua fé ou Jesus Cristo. Cristo não aparece aqui como a fundação, mas como o arquiteto que “constrói”. A Igreja é edificada, não sobre confissões, mas sobre confessores – pessoas vivas (ver, por exemplo, 1Pd 2, 5).

Hoje o consenso da grande maioria dos eruditos e comentadores bíblicos se encontra a favor da interpretação católica. Aqui é dito que São Pedro é a pedra de fundação da Igreja, a cabeça e o superior da família de Deus (vemos aí a “semente” da doutrina do papado). Além disso, a palavra “pedra” expressa uma metáfora análoga à usada por São Pedro para designar o Messias sofredor e desprezado (1Pd 2, 4-8; cf. Mt 21, 42). Sem uma fundação sólida qualquer casa desaba. São Pedro é o fundamento, mas não o fundador da Igreja; administrador, mas não o Senhor da Igreja. O Bom Pastor (Jo 10, 11) nos dá também outros pastores (Ef 4, 11).

Alguns protestantes objetam que o nome de Pedro em grego, petros, significa “pequena pedra”, e que, portanto, Cristo refere-se a si próprio como rocha fundamental da Igreja, petra, “grande pedra”. Tal objeção não se sustenta porque:
I – No grego koiné do NT as palavras petros e petra não possuem significados distintos [ver as seguintes fontes protestantes que confirmam este fato: Joseph H. Thayer, Thayer's Greek-English Lexicon of the New Testament (Peabody: Hendrickson, 1996), 507; D.A. Carson, "Matthew," in Frank E. Gaebelein, ed., The Expositor's Bible Commentary (Grand Rapids: Zondervan, 1984), vol. 8, 368].
II – A palavra grega para designar “pequena pedra” é lithos. Por exemplo, em Mt 4, 3, o demônio tenta o Senhor a operar um milagre transformando algumas pedras, lithoi, em pães; em Jo 10, 31, os judeus apanham pedras, lithoi, para apedrejar Jesus.
III – Jesus falava aramaico, não grego, e em aramaico ele usou a mesma palavra para designar Pedro e pedra: kefa (cfr. Jo 1, 42). Se o Senhor tencionasse chamar o Apóstolo de “pequena pedra”, teria usado o termo aramaico correspondente, evna.
IV – O evangelista usou petros enquanto forma masculina de petra, para evitar uma impropriedade de gênero, a designação de um sujeito masculino – o Apóstolo – com um nome feminino – petra.
V - Especialistas em grego reconhecem que petros = petra na sentença de Mt 16, 18. A sintaxe da frase não deixa lugar para dúvidas. Petros é o mesmo sujeito que é designado sob o nome de petra, ou seja, São Pedro. Mt 16, 19: “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus…”
O “poder das chaves” tem a ver com a disciplina eclesiástica e a autoridade administrativa com respeito às exigências da fé, como em Is 22, 2 (cf. Is 9, 6; Jó 12, 14. Ap 3, 7). É deste poder que derivam o uso de censuras, a excomunhão, a absolvição, a disciplina batismal, a imposição de penitências e os poderes legislativos. No AT um mordomo, ou primeiro ministro, é o “maior da casa”, o homem que ficava acima da assembléia (Gn 41, 40; 43, 19; 44, 4; 1Rs 4, 6; 16, 9; 18, 3; 2Rs 10, 5; 15, 5; 18, 18; Is 22, 15.20-21).

Mt 16, 19: “…o que tu ligares sobre a terra será ligado no Céu, e o que desligares sobre a terra será desligado no Céu”.
“Ligar” e “desligar” eram termos técnicos usados pelos rabinos, que significavam “proibir” e “permitir” com referência à interpretação da Lei. Secundariamente significavam o poder de condenar ou absolver. Portanto, a São Pedro e a seus sucessores, os papas, foi dada a autoridade de estabelecer as leis para a doutrina e a vida, em virtude da Revelação e da assistência do Espírito Santo (Jo 16, 13), e de receber a obediência da Igreja. “Ligar” e “desligar” representam os poderes judiciais e legislativos do papa e do bispos (Mt 18, 17-18; Jo 20, 23). São Pedro, no entanto, é o único Apóstolo que recebeu esses poderes individualmente, o que o põe em lugar de preeminência no Colégio Apostólico.

O nome de Pedro ocorre em primeiro lugar em todas as listas dos Apóstolos (Mt 10, 2; Mc 3, 16; Lc 6, 14; At 1, 13). Mateus chega a chamá-lo de “primeiro” (10, 2). Judas Iscariotes é invariavelmente mencionado em último lugar.
Pedro é quase sempre mencionado primeiro, quando seu nome aparece junto de outros. Em um exemplo que contradiz esta regra (o único), Gl 2, 9, no qual “Cefas” é listado depois de Tiago e antes de João, Pedro aparece claramente em destaque, levando-se em conta o contexto do versículo (p. ex., 1, 18-19; 2, 7-8). Alguns códices registram variações nas quais Pedro aparece em primeiro lugar.
Apenas Pedro, entre todos os Apóstolos, recebe um novo nome, “pedra”, solenemente conferido (Jo 1, 42; Mt 16, 18).
Da mesma forma, Pedro é colocado por Jesus como o Pastor Chefe depois dele mesmo (Jo 21, 15-17) sobre a Igreja Universal, embora outros possuam um papel parecido mas subordinado (At 20, 28; 1Pd 5, 2).
Jesus ora apenas por Pedro, dentre todos os Apóstolos, para que a sua fé não desfaleça (Lc 22, 32).
Apenas Pedro, entre todos os Apóstolos, é exortado por Jesus: “fortalece teus irmãos” (Lc 22, 32). Pedro é o primeiro a confessar a divindade de Cristo (Mt 16, 16).
Apenas de Pedro se diz que recebeu conhecimento divino através de uma revelação especial (Mt 16, 17).
Pedro é considerado pelos Judeus (At 4, 1-13) como o líder e porta-voz dos cristãos.
Pedro é considerado pelo povo da mesma forma (At 2, 37-41; 5, 15).
Jesus Cristo paga o imposto para si mesmo e para Pedro (Mt 17, 24-27).
Cristo ensina da barca de Pedro, e a pesca milagrosa que se segue (Lc 5, 1-11) é talvez uma metáfora sobre o papa como “pescador de homens” (cf. Mt 4, 19).
Pedro foi o primeiro Apóstolo a partir para, e a entrar em, o sepulcro vazio (Lc 24, 12; Jo 20, 6).
Um anjo destaca Pedro entre os discípulos como líder e representante dos Apóstolos (Mc 16, 7).
Pedro lidera os Apóstolos na pesca (Jo 21, 2-3.11). A “barca” de Pedro tem sido considerada pelos católicos como uma figura da Igreja, com Pedro no leme.
Apenas Pedro anda sobre as águas para encontrar-se com Jesus (Jo 21, 7).
As palavras de Pedro são as primeiras a serem registradas e as mais importantes no Cenáculo, antes de Pentecostes (At 1, 15-22).
Pedro toma a liderança na convocação para a escolha de um substituto para Judas (At 1, 22).
Pedro é a primeira pessoa a falar (e a única registrada) depois de Pentecostes, de modo que ele foi o primeiro cristão a “pregar o Evangelho” no tempo da Igreja (At 2, 14-36).
Pedro opera o primeiro milagre do tempo da Igreja, curando um aleijado de nascença (At 3, 6-12).
Pedro lança o primeiro anátema (sobre Ananias e Safira), enfaticamente confirmado por Deus (At 5, 2-11)!
A sombra de Pedro opera milagres (At 5, 15).
Pedro é o primeiro depois de Cristo a ressuscitar uma pessoa morta (At 9, 40).
Um anjo instrui Cornélio a procurar Pedro para conhecer a fé cristã (At 10, 1-6).
Pedro é o primeiro a receber os gentios, após uma revelação de Deus (At 10, 9-48).
Pedro ensina aos outros Apóstolos sobre a catolicidade (universalidade) da Igreja (At 11, 5-17).
Pedro é o objeto da primeira intervenção divina em favor de um indivíduo no tempo da Igreja (um anjo o liberta da prisão – At 12, 1-17).
A Igreja inteira ora por Pedro enquanto o mesmo está preso (At 12, 5).
Pedro preside e abre o primeiro Concílio da História da Igreja, e lança vários princípios que serão adotados por todos os cristãos (At 15, 7-11).
Paulo distingue as aparições do Senhor a Pedro após a ressurreição das aparições realizadas diante dos demais Apóstolos (1Cor 15, 4-8). Os dois discípulos na estrada de Emaús fazem a mesma distinção (Lc 24, 34), na ocasião mencionando apenas Pedro (“Simão”), mesmo tendo eles mesmos acabado de ver o Cristo ressuscitado (Lc 24, 33).
Pedro é muitas vezes distinguido entre os apóstolos (Mc 1, 36; Lc 9, 28.32; At 2, 37; At 5, 29; 1Cor 9, 5).
Pedro é quase sempre o porta-voz dos outros Apóstolos, especialmente nos momentos mais importantes (Mc 8, 29; Mt 18, 21; Lc 9, 5; Lc 12, 41; Jo 6, 67ss).
O nome de Pedro é sempre o primeiro a ser listado dentro do “círculo íntimo” dos discípulos (Pedro, Tiago e João – Mt 17,1; Mt 26,37.40; Mc 5,37; Mc 14,37).
Pedro é muitas vezes figura central junto a Jesus em cenas dramáticas do Evangelho, como a caminhada sobre as águas (Mt 14,28-32; Lc 5,1ss; Mc 10,28; Mt 17,24ss).
Pedro é o primeiro a reconhecer e refutar a heresia, contra Simão o Mago (At 8,14-24).
O nome de Pedro é mais citado do que todos os discípulos juntos: 191 vezes (162 como Pedro ou Simão Pedro, 23 como Simão e 6 como Cefas). João é o segundo colocado com apenas 48 referências. Pedro está presente em 50% das vezes em que João é mencionado na Bíblia! O arcebispo Fulton Sheen calculou que todos os outros discípulos combinados somam 130 referências. Se isto é correto, 60% das referências a discípulos são referências a São Pedro.
O discurso de Pedro em Pentecostes (At 2,14-41) contém uma interpretação da Escritura feita com autoridade, uma decisão doutrinal e um decreto disciplinar referente aos membros da “Casa de Israel” (2, 36) – um exemplo do poder de “ligar e desligar”.
Pedro foi o primeiro “carismático”, tendo julgado com autoridade a primeira manifestação do dom de línguas como genuína (At 2,14-21).
Pedro é o primeiro a pregar o arrependimento cristão e o batismo (At 2, 38).
Pedro (presume-se) esteve à frente do primeiro batismo em massa registrado (At 2, 41).
Pedro ordenou o batismo do primeiro cristão vindo da gentilidade (At 10, 44-48).
Pedro foi o primeiro missionário itinerante, e o primeiro a exercer o que seria chamado de “visita às igrejas” (At 9, 32-38.43). Paulo pregou em Damasco imediatamente após a sua conversão (At 9, 20), mas não tinha viajado até aquela cidade com esse propósito (Deus alterou seus planos!). Suas jornadas missionárias começam apenas em At 13, 2.
Paulo partiu para Jerusalém especialmente para ver Pedro, por quinze dias, no começo de seu ministério (Gl 1, 18), e foi encarregado por Pedro, Tiago e João (Gl 2, 9) de pregar para os gentios.
Pedro age (fortemente indicado) como o bispo/pastor chefe da Igreja (1Pd 5, 1), uma vez que ele exorta todos os demais bispos, ou “anciãos”.
Pedro interpreta profecia (2Pd 1, 16-21).
Pedro corrige aqueles que interpretam mal os escritos paulinos (2Pd 3, 15-16).
Pedro escreve sua primeira epístola da cidade de Roma, de acordo com muitos estudiosos, sendo seu bispo, e como bispo universal (ou papa) da Igreja primitiva. “Babilônia” (1Pd 5, 13) é uma espécie de codinome para Roma.
Em conclusão, é necessário muita credulidade para achar que Deus colocaria São Pedro em tal posição de preeminência na Bíblia sem que esta preeminência tenha algum significado ou importância para a história cristã posterior; em particular para o governo da Igreja. A doutrina sobre o papado é, de longe, a que melhor se ajusta ao dado bíblico. Considerando a Tradição e a História, a conclusão por sua veracidade é inescapável.

Traduzido e adaptado do inglês por Ewerton Wagner Santos Caetano. “50 NEW TESTAMENT PROOFS FOR PETRINE PRIMACY AND THE PAPACY”, Copyright 1994 by Dave Armstrong. All rights reserved.

Nunca será possível entender a importância da figura do Bispo de Roma, sucessor do Apóstolo Pedro, sem previamente se compreender quem foi aquele homem chamado Simão, filho de Jonas, e qual foi o papel que Nosso Senhor Jesus Cristo quis que desempenhasse em sua Igreja. No Evangelho de João, lemos como ocorreu o primeiro encontro entre Jesus e Simão:
“André, irmão de Simão Pedro, era um daqueles que havia ouvido a João e resolvera seguir a Jesus. Ele falou primeiramente com seu irmão Simão e lhe disse: ‘Encontramos o Messias’ (que traduzido significa ‘o Cristo’). E o levou até Jesus. E olhando-o, Jesus disse-lhe: ‘Tu és Simão, filho de Jonas; serás chamado ‘Cefas” (que quer dizer ‘Pedro’)” (João 1, 40-42).

Em um primeiro momento, ninguém diria que estas primeiras palavras de Jesus a Pedro tivessem uma importância além da de estabelecer um primeiro contato entre ambos; porém, sem dúvida alguma, nelas encontramos um elemento essencial para saber quem foi o Apóstolo. Efetivamente, Cristo anuncia a Simão que ele receberá um novo nome, pelo qual será conhecido: Cefas (=Pedro). Mas por que tal mudança? Provavelmente encontraremos a resposta no Antigo Testamento:
“Então Abrão se prostrou sobre o seu rosto e Deus falou com ele, dizendo: ‘Eis o pacto que faço contigo: serás pai de uma multidão de povos. E teu nome não será mais Abrão, mas serás chamado de Abraão, porque te coloquei como pai de uma multidão de povos” (Gênese 17, 3-5).
“E o varão lhe disse: ‘Qual é o teu nome?’ E ele respondeu: ‘Jacó’. E o varão lhe disse: ‘Teu nome não será mais Jacó, mas Israel, porque lutaste contra Deus e os homens, e venceste’” (Gênese 32, 27-28).
“E Deus lhe disse: ‘Teu nome é Jacó, mas não mais serás chamado de Jacó; Israel será o teu nome’. E chamou seu nome de Israel. E Deus também lhe disse: ‘Eu sou o Deus todo-poderoso: crescei e multiplicai; uma nação e um conjunto de nações procederão de ti; e reis sairão de ti. A terra que dei a Abraão e a Isaac, a darei a ti; e à tua descendência darei a terra depois de ti’” (Gênese 35, 10-12).
Toda vez que Deus altera o nome de alguém, o faz por um motivo bem particular. Ao estabelecer o pacto com Abrão, que significa “pai enaltecido”, o renomeia para Abraão, que significa “pai de uma numerosa multidão”. Tal mudança de nome está totalmente relacionada com o próprio pacto que Deus estabelece com o patriarca. O mesmo ocorre com Jacó, a quem um personagem misterioso que havia lutado com ele o adverte que seu nome passará a ser Israel, que significa “Deus luta” ou “aquele que luta com Deus”, o que é confirmado pelo próprio Senhor quando reafirma o pacto que já houvera feito anteriormente com seu avô Abraão.

Existem outros exemplos do Antigo Testamento em que podemos comprovar que o nome de uma pessoa era intimamente relacionado com certa circunstância da sua vida. Não foi em vão, portanto, que o anjo do Senhor anunciou a José que o fruto do ventre de Maria fôra gerado pelo Espírito Santo, acrescentando ao mesmo tempo que o menino deveria se chamar “Jesus”, que significa “Javé salva” (tal nome definia perfeitamente a missão do Senhor, que haveria de nascer do seio da Virgem Maria).

Considerando todos estes antecedentes, não podemos ignorar o fato de que Jesus, ao estabelecer um novo nome a Simão, logo na primeira vez em que se encontra com ele, estava demonstrando uma qualidade essencial do próprio Simão.

Porém, não seremos nós que o diremos; deixemos que o próprio Senhor nos diga quem é Pedro e quais são os elementos distintivos do seu ministério. Analisemos cada um dos versículos do texto de Mateus 16,13-19:

“Vindo Jesus à região da Cesaréia de Filipe, perguntou aos seus discípulos, dizendo: ‘Quem os homens dizem que é o Filho do Homem?’ Eles disseram: ‘Uns dizem que é João Batista; outros, Elias; e outros ainda, Jeremias ou algum dos profetas’” (vv.13-14).
Jesus sabia que havia um grande número de especulações acerca da sua identidade, fato este também de total conhecimento dos seus discípulos. Em meio a tanta confusão, o Senhor lhes faz uma pergunta bastante interessante:
“E disse-lhes: ‘E vós? Quem dizeis que eu sou?’” (v.15).
Ora, nem sempre o que cremos acerca de alguém corresponde ao que é realmente essa pessoa. Principalmente quando essa pessoa é o próprio Deus. Vivemos hoje uma situação semelhante àqueles tempos. Os homens especulam muito acerca da verdadeira identidade de Cristo: uns dizem que foi somente um bom mestre; outros, que foi um iluminado que fracassou; outros crêem que foi um guru palestino; outros ainda opinam que foi um extraterrestre; e muitos também o ignoram por completo. Porém, mais uma vez, o que é realmente importante é que nós, seus discípulos, podemos responder à pergunta: “Quem dizeis que eu sou?”. Ora, que aqueles que não conhecem verdadeiramente a Cristo se equivoquem sobre a sua real identidade, até certo ponto é natural; entretanto, nós não podemos nos equivocar. PEDRO NÃO SE EQUIVOCOU:

“Respondendo Simão Pedro, disse: ‘Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo’” (v.17).
Eis aí um PONTO FINAL sobre todas as especulações! Jesus é o Messias, o Filho do Deus vivo. Pedro o disse e a questão está encerrada. Pedro fala em nome de todos, já que a pergunta foi dirigida a todos. Em Pedro está a resposta da Igreja à pergunta mais importante que Cristo podia fazer: a pergunta sobre a sua verdadeira identidade! Mas de onde Pedro tirou a sua resposta? Da sua capacidade intelectual? Do seu potencial humano para compreender a verdade sobre Jesus? Não, de algo bem além:

“Então Jesus lhe respondeu: ‘Bem-aventurado és, Simão, filho de Jonas, porque isto não te foi revelado pela carne ou pelo sangue, mas por meu Pai que está nos céus’” (v.18).
Simão soube – e com ele, a Igreja – quem é Jesus por revelação direta de Deus Pai. Não lhe foi revelado por outros homens, mas por Deus. Já sabemos, então, quem é Jesus. Jesus é o Messias, isto é, Jesus Cristo (pois Messias = Cristo). Agora escutemos bem quem é na verdade esse tal Simão, filho de Jonas:

“‘E eu também te digo: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; e as portas do Hades não prevalecerão contra ela’” (v.19).
Reflitamos agora por um instante sobre o contexto em que o Senhor diz estas palavras. Simão acaba de declarar quem é Jesus. Cabe agora a Jesus nos dizer quem é o Apóstolo. Já não o chama de Simão, mas de Pedro. Simão havia dito a Jesus: “Tu és Cristo”; e Cristo responde a Simão: “E tu és Pedro”. Da mesma forma como não podemos separar o nome de Cristo e seu significado da pessoa de Jesus, também não podemos separar o nome de Pedro e seu significado da pessoa de Simão. Jesus é o Messias e Simão é a Pedra. E é justamente nesse contexto que Cristo diz: “e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. Quem é o Cristo? Jesus Cristo. Quem é a pedra sobre a qual Jesus edifica a sua Igreja? A quem foi dado o nome de pedra? A Simão, Pedro.

Muito se tem especulado sobre isto: a pedra é o próprio Pedro ou a sua declaração [de fé] acerca de Cristo? Pelo contexto verificamos que os versículos estão falando de PESSOAS, não de idéias. Trata-se de saber quem é Jesus e de saber quem Jesus diz que Simão é. Uma vez determinado quem é Jesus e quem é Pedro, Jesus edifica a sua Igreja. E nem a Igreja se edifica sem a verdade acerca de Cristo (declarada por Pedro), nem a Igreja se edifica sem a verdade acerca de Pedro (declarada por Cristo).

E é essa Igreja, a verdadeira, a que conhece e confessa quem é Cristo e quem é Pedro, aquela sobre a qual não prevalecerão as portas do Hades [=morte]!

Fonte: Veritatis Splendor

O diálogo a seguir ilustra muito bem um debate entre um católico e um protestante quando este argumenta que a “Pedra” citada por Jesus em Mt 16,18 jamais poderia referir-se a Pedro, mas sim ao próprio Jesus, uma vez que as Sagradas Escrituras em muitas passagens identifica Jesus como a “rocha”, a “pedra angular”.

Antes de apresentar o diálogo, a Barca de Jesus observa que embora na maioria das passagens bíblicas “pedra” ou “rocha” realmente se refira a Jesus, existem exceções. O próprio Jesus que disse ser a “Luz do Mundo” (Jo 8, 12) disse aos apóstolos que também eles deveriam ser “Luz do Mundo” (Mt 5, 13). Além da passagem de Mt 16, 18 onde a “pedra” referida não se trata de Jesus, como veremos claramente no diálogo abaixo, temos também, por exemplo, Is 51, 1-2 (a “pedra” é Abraão) e 1Pd 2, 4-5 (“pedras vivas” é Jesus e também são os cristãos).

O fato de Jesus aplicar a Pedro uma figura que a Bíblia exaustivamente aplica a Jesus, bem mostra a intenção de Jesus em fazer de Pedro um representante de Cristo na terra. O que, por sinal, Ele confirmou explicitamente ao dar autoridade a Pedro não apenas de ligar e desligar na terra, mas também no Céu. Vamos, então, ao diálogo:

Protestante:

Em grego, a palavra para pedra é petra, que significa uma rocha grande e maciça. A palavra usada como nome para Simão, por sua vez, é petros, que significa uma pedra pequena, uma pedrinha.

Católico:

Na verdade, todo este discurso é falso. Como sabem os conhecedores de grego (mesmo os não católicos), as palavras petros e petra eram sinônimos no grego do primeiro século. Elas significaram “pequena pedra” e “grande rocha” em uma velha poesia grega, séculos antes da vinda de Cristo, mas esta distinção já havia desaparecido no tempo em que o Evangelho de São Mateus foi traduzido para o grego. A diferença de significados existe, apenas, no grego ático, mas o NT foi escrito em grego Koiné – um dialeto totalmente diferente. E, no grego koiné, tanto petros quanto petra significam “rocha”. Se Jesus quisesse chamar Simão de “pedrinha”, usaria o termo lithos. (para a admissão deste fato por um estudioso protestante, veja D. Carson, The expositors Bible Commentary [Grand Rapids: Zondervan, 1984], Frank E. Gaebelein, ed., 8: 368).

Porém, ignorando a explicação, insiste o protestante:

Vocês, católicos, por desconhecerem o grego, pensam que Jesus comparava Pedro à rocha. Na verdade, é justamente o contrário. Ele os contrastava. De um lado, a rocha sobre a qual a Igreja seria construída: o próprio Jesus (“e sobre esta PETRA edificarei a Minha Igreja”). De outro, esta mera pedrinha (“Simão tu és PETROS”). Jesus queria dizer que ele mesmo seria o fundamento da Igreja, e que Simão não estava sequer remotamente qualificado para isto.

Católico:

Concordo que devemos ir do português para o grego. Mas, com certeza, você concordará que, igualmente, devemos ir do grego para o aramaico. Como você sabe, esta foi a língua falada por Jesus, pelos apóstolos e por todos os judeus da Palestina. Era a língua corrente da região.

Muitos, talvez a maioria, soubessem grego, pois esta era a língua franca do Mediterrâneo. A língua da cultura e do comércio. A maioria dos livros do NT foi escrita em grego, pois não visavam apenas os cristãos da Palestina, mas de outros lugares como Roma, Alexandria e Antioquia, onde o aramaico não era falado.

Sabemos que Jesus falava aramaico devido a algumas de suas palavras que nos foram preservadas pelos Evangelhos. Veja Mt 27, 46, onde ele diz na cruz, “Eli, Eli, Lama Sabachtani”. Isto não é grego, mas aramaico, e significa, “meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”

E tem mais: nas epístolas gregas de S. Paulo (por 4 vezes em Gálatas e outras 4 vezes em 1Coríntios), preservou-se a forma aramaica do novo nome de Simão. Em nossas bíblias, aparece como Cefas. Isto não é grego, mas uma transliteração do aramaico Kepha (traduzido por Kephas na forma helenística).

E o que significa Kepha? Uma pedra grande e maciça, o mesmíssimo que petra. A palavra aramaica para uma pequena pedra ou pedrinha é evna. O que Jesus disse a Simão em Mt 16, 18 foi “tu és Kepha e sobre esta kepha construirei minha igreja.”

Quando se conhece o que Jesus disse em aramaico, percebe-se que ele comparava Simão à rocha; não os estava contrastando. Podemos ver isto, vividamente, em algumas versões modernas da bíblia em inglês, nas quais este versículo é traduzido da seguinte forma: ‘You are Rock, and upon this rock I will build my church’. Em francês, sempre se usou apenas pierre tanto para o novo nome de Simão, quanto para a rocha.

Protestante:

Se kepha significa petra, porque a versão grega não traz “tu és Petra e sobre esta petra edificarei a minha Igreja”? Por que, para o novo nome de Simão, Mateus usa o grego Petros que possui um significado diferente do petra?

Católico:

Porque não havia escolha. Grego e aramaico têm diferentes estruturas gramaticais. Em aramaico, pode-se usar kepha nas duas partes de Mt 16, 18. Em grego, encontramos um problema derivado do fato de que, nesta língua, os substantivos possuem terminações diferentes para cada gênero.

Existem substantivos femininos, masculinos e neutros. A palavra grega petra é feminina. Pode-se usá-la na segunda parte do texto sem problemas. Mas não se pode usá-la como o novo nome de Simão, porque não se pode dar, a um homem, um nome feminino. Há que se masculinizar a terminação do nome. Fazendo-o, temos Petros, palavra já existente e que também significava rocha. (Obs. da Barca de Jesus: Estrutura semelhante ocorre na língua portuguesa: Pedro e pedra.)

Por certo, é uma tradução imperfeita do aramaico; perdeu-se parte do jogo de palavras. Mas, em grego, era o melhor que poderia ser feito.

Além da evidência gramatical, a estrutura da narração não permite uma diminuição do papel de Pedro na Igreja. Veja a forma na qual se estruturou o texto de Mt 16, 15-19. Jesus não diz: “Bendito és tu, Simão. Pois não foi nem a carne nem o sangue que te revelou este mistério, mas meu Pai, que está nos céus. Por isto, eu te digo: és uma pedrinha insignificante, e sobre a rocha edificarei a minha Igreja. … Eu te darei as chaves do reino dos céus.”

Ao contrário, Jesus abençoa Pedro triplamente, inclusive com o dom das chaves do reino, mas não mina a sua autoridade. Isto seria contrariar o contexto. Jesus coloca Pedro como uma forma de comandante ou primeiro ministro abaixo do Rei dos Reis, dando-lhe as chaves do Reino. Como em Is 22, 22, os reis, no AT, apontavam um comandante para os servir em posição de grande autoridade, para governar sobre os habitantes do reino. Jesus cita quase que verbalmente esta passagem de Isaías, o que torna claríssimo aquilo que Ele tinha em mente. Ele elevou Pedro como a figura de um pai na família dos cristãos (Is 22, 21), para guiar o rebanho (Jo 21, 15-17). Esta autoridade era passada de um homem para outro através dos tempos pela entrega das chaves, que se usavam sobre os ombros em sinal de autoridade. Da mesma forma, a autoridade de Pedro foi transmitida, nestes dois mil anos, através do papado.

Igreja Primitiva (30 - 325 d.C.)
No início da história do cristianismo, cinco cidades surgiram como importantes centros desta religião: Roma, Jerusalém, Antioquia, Alexandria e Constantinopla. Desde o século I Roma ocupou o primeiro lugar como centro cristão. Em 107 Santo Inácio de Antioquia diz que Roma "preside a irmandade de amor" ("prokathemene tes agapes"), ou seja, preside a Igreja. Também nos últimos anos do século I d.C, o Bispo de Roma Clemente I usou sua autoridade para intervir nos assuntos de Corinto para ajudar a resolver suas disputas internas, afirmando que estava "falando em nome do Espírito Santo", embora nessa época em Éfeso ainda vivesse o apóstolo João, e outras comunidades possuíssem relações mais frequentes e fáceis com Corinto. Em diversas outras situações na Igreja Primitiva o Bispo de Roma interveio em outras comunidades para ajudar a resolver conflitos. Porém o poder do Bispo de Roma nesta época era apenas espiritual.
Mais tarde, no século II e III, houve mais manifestações da autoridade de Roma. Em 189, Ireneu de Lyon afirma em Contra as heresias: "[A Igreja de Roma] em razão de sua poderosa autoridade de fundação, que deve necessariamente concordar toda Igreja, isto é, que devem concordar os fiéis procedentes de qualquer parte, ela, (…) conservou a tradição que vem dos apóstolos". E, em 195 d.C, o Bispo de Roma Vítor I, ameaça de excomunhão os bispos que continuarem praticando o Quartodecimanismo (o costume de celebrar-se a Páscoa no início da véspera do 14º dia de Nissan).
Não se sabe exatamente quando o termo "Pontifex" ou "Pontífice" para referir-se ao papa entrou em uso (o termo é utilizado na Bíblia para descrever sacerdotes (Hebreus 5, 1-4). No cristianismo primitivo, o título de "Pontifex" parece ter sido aplicado para qualquer bispo, ainda em 220, Tertuliano utilizou o termo para referir-se ao papa Calixto I, chamando-o também de "bispo dos bispos", embora Tertuliano utilizou os títulos de maneira irônica, pois era inimigo de Calixto na questão das penitências, sua citação indica que os demais cristãos já o usavam.
Em 251 cristãos do Norte da África que aderiram ao Antipapa Novaciano, que desejava substituir o Papa Cornélio, mas que voltariam posteriormente à obedecer Cornélio, falariam:
"Sabemos que Cornélio é Bispo da Santíssima Igreja Católica, escolhido por Deus todo-poderoso e por Cristo Nosso Senhor.. Confessamos o nosso erro… Todavia nosso coração sempre esteve na Igreja; não ignoramos que há um só Deus e Senhor todo-poderoso, também sabemos que Cristo é o Senhor…; há um só Espírito Santo; por isto deve haver um só Bispo à frente da Igreja Católica"
Na metade do ano 200, São Cipriano, bispo de Cartago afirma que "Estar em comunhão com o Papa é estar em comunhão com a Igreja Católica", escrevendo também sobre a autoridade de Pedro em "Sobre a Unidade da Igreja":
"O Senhor diz a Pedro: "Eu te digo que és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão sobre ela. (…) O Senhor edifica a sua Igreja sobre um só, embora conceda igual poder a todos os apóstolos (…) No entanto, para manifestar a unidade, dispõe por sua autoridade a origem desta mesma unidade partindo de um só. Sem dúvida, os demais apóstolos eram, como Pedro, dotados de igual participação na honra e no poder; mas o princípio parte da unidade para que se demonstre ser única a Igreja de Cristo (…) Julga conservar a fé quem não conserva esta unidade da Igreja? Confia estar na Igreja quem se opõe e resiste à Igreja? Confia estar na Igreja, quem abandona a cátedra de Pedro sobre a qual está fundada a Igreja?".
Os bispos de Roma no cristianismo primitivo ajudaram a espalhar a doutrina cristã e resolver conflitos. Os livros da vida dos santos de Roma afirmam que foram mártires todos os Papas anteriores a Silvestre I (315-335) por causa da perseguição romana que só terminou em 313 com o Édito de Milão.

O título Papa
O título de "Papa" foi, desde o início do século III uma designação honorífica utilizada tanto para o Bispo de Roma, quanto para os outros bispos do Ocidente. No Oriente era usado apenas para o bispo de Alexandria. A partir do século VI, o título era normalmente reservado apenas para o Bispo de Roma, desde então passou à ser utilizado somente por ele, tornando-se um de seus nomes oficiais no século XI.

Primeiro Concílio de Niceia e Grande Cisma do Oriente (325 - 1054)
Após a publicação da Édito de Milão em 313 que permitiu aos cristãos ter liberdade para praticar sua religião, iniciando-se a Paz na Igreja e a realização do Primeiro Concílio de Niceia em 325, o papado foi reconfirmado. Com o estabelecimento da Pentarquia, em que a Igreja foi organizada sob cinco patriarcas, os bispos de Jerusalém, Antioquia, Alexandria, Constantinopla e Roma, o Bispo de Roma é considerado o "primus" (primeiro) entre os patriarcas, embora muitos interpretem esse título como o "primus inter pares" (primeiro entre iguais). Ao Papa é concedido o direito de convocar concílios ecumênicos. Porém, quando a capital imperial foi transferida para Constantinopla (em 330 d.C), o papado por consequência perdeu influência e especialmente o Bispo de Constantinopla, teve sua autoridade aumentada consideravelmente sobre as igrejas orientais, embora Roma continuasse tendo uma autoridade especial devido à sua ligação com São Pedro.
O Primeiro Concílio de Constantinopla (381 d.C.) confirma as condições do primado romano anteriores, no entanto, o papa não compareceu pessoalmente a este concílio, que se realizou na zona leste da capital do império romano, e não em Roma. Em torno de 400 São João Crisóstomo, bispo de Constantinopla e doutor da Igreja, dizia que: "No interesse da paz e da fé não podemos discutir sobre questões relativas à fé sem o consentimento do Bispo de Roma". Santo Agostinho, após a condenação do Pelagianismo (heresia que dizia que o homem podia salvar-se sem Deus), no sínodo de 416, com a concordância do Papa Inocêncio I, disse: "Roma locuta, causa finita!" ("Roma falou, encerrada a questão!"). Em 446 o Papa Leão I declarou que "o cuidado da Igreja universal, deve convergir para a cadeira de Pedro, e nada (...) deve ser separado de sua cabeça". Esta doutrina foi reafirmada no Concílio de Calcedónia em 451 por Leão I (através de seus emissários). O primeiro Papa a mudar de nome após eleito, foi o papa Mercúrio, que escolheu o nome de João II (533-535).
Durante o Grande Cisma do Oriente, a separação entre a Igreja Católica do Ocidente e a do Oriente no século XI, que originou a Igreja Ortodoxa por questãos teológicas sob o Espírito Santo, a autoridade papal estava bem definida, porém, a igreja do Oriente, distante de Roma, e sob maior influência do bispo de Constantinopla, então Miguel Cerulário, seria excomungado por um emissário do Papa Leão IX, o bispo de Constantinopla rejeitaria a excomunhão e excomungaria Leão IX, ocorrendo então a divisão (cisma) entre as duas igrejas, a partir daí, embora reconhecessem o papel espiritual do papa, as igrejas orientais não aceitavam sua interferência. Houve várias tentativas de reunificação, principalmente no Concílio de Lyon (1274) e Florença (1439), mas as reuniões mostraram-se efêmeras.

Desenvolvimento na Idade Média

Influência política
Os Papas foram autoridades respeitadas ao longo da história, especialmente na Idade Média, e muitas vezes sua opinião era convocada por líderes temporais, por exemplo, a bula Laudabiliter de 1155 (que autoriza Henrique II de Inglaterra a invadir a Irlanda), a bula Manifestus Probatum que reconhece a independência de Portugal, a bula Inter Caeteras em 1493 (que conduz ao Tratado de Tordesilhas no ano seguinte, dividindo o mundo entre Portugal e Espanha) ou a bula Inter Gravissimas de 1582 (que estabelece o calendário gregoriano, atualmente em uso).
Em 754, o líder dos francos Pepino, o Breve, por ter sido recohecido pelo Papa como legítimo rei dos francos, lutaria contra os lombardos no Reino da Itália, inimigos da Igreja Católica, doando o território conquistado ao Papa Estêvão II, que formaria os Estados Papais, que se tornou o Estado da Igreja, administrado pelo Papa. Porém realmente a maior parte dos Estados Papais era controlado por príncipes menores, somente no século XVI o Papa passou à ter verdadeiro controle sobre todos os seus territórios. Em 1866, com a unificação da Itália, os Estados papais, foram anexados à Itália e Roma foi proclamada a capital do reino. Iniciou-se então a Questão Romana, em que o Papa reivindicava os territórios perdidos; somente com o Tratado de Latrão, em 1929, o Papa obteve a soberania do Estado do Vaticano, que se tornou uma entidade autônoma dentro das fronteiras italianas.
No ano 800, o Papa Leão III coroou Carlos Magno como Imperador, passo decisivo no caminho para o Sacro Império Romano-Germânico, do qual, o Papa foi considerado líder espiritual. Desde essa data tornou-se uma tradição a coroação dos Imperadores pelo Papa, até Carlos V. Napoleão Bonaparte fez reviver essa tradição fazendo-se coroar do mesmo modo. Até 1059 a eleição do Papa era feito pelo clero de Roma (os cardeais), com a aprovação popular. Posteriormente as autoridades temporais, como imperadores, desejavam intervir na igreja, por exemplo, nomeando bispos, motivo pelo qual iniciou-se a Questão das Investiduras (ou nomeações), em que o Papa reivindicava ser seu direito nomear os bispos, então foi iniciada a chamada Reforma Gregoriana, que pretendia combater a corrupção da Igreja e do clero e declarar que o poder temporal não poderia intervir no poder espiritual da Igreja, para evitar qualquer interferência temporal na eleição do papa, foi estabelecido que a eleição do pontífice se realizaria através de votação pelo Colégio dos Cardeais (secreta desde 1274) reunidos num conclave, em 1075 Gregório VII foi proclamado papa dessa maneira. Nesta época foi anunciado o Dictatus Papae, um conjunto de 27 proposições eclesiológicas tratando da autoridade do papado (sendo a base ideológica do período de supremacia da Igreja na Alta Idade Média). A partir do século XII os Papas passaram a ter seus próprios brasões pessoais, além dos simbolismos próprios da Santa Sé. A partir do século XVII foram atribuídas brasões aos papas anteriores que não o possuíam.

O Papado de Avignon e Grande Cisma do Ocidente
Entre 1309 e 1377, a residência do papado foi alterada de Roma para Avignon, na França. O Papa Clemente V, foi levado (sem possibilidade de debate) pelo rei francês para residir em Avignon, no episódio conhecido como "Crise de Avignon". Em 1378 o Papa Gregório XI voltaria para Roma, onde faleceria, a população italiana desejava que o papado fosse restabelecido em Roma e então seria eleito o Papa Urbano VI, de origem italiana, porém Urbano VI se demonstraria muito autoritário, então uma quantidade considerável da alta hierarquia católica, anularia sua votação e um novo conclave foi realizado, elegendo o Clemente VII, que voltaria à residir em Avignon, iniciando-se então o Grande Cisma do Ocidente, em que o Papa residia em Roma e o Antipapa residia em Avignon, reclamando para si o poder sobre a Igreja Católica. Posteriormente em 1409 a fim de tentar terminar com o cisma, se reuniria o Concílio de Pisa, que estabeleceria outro Antipapa residente em Pisa. O cisma terminou no Concílio de Constança em 1414, com o papado estabelecido definitivamente em Roma e os outros antipapados declarados ilegítimos.

Renascimento
Durante o Renascimento ou Renascença os papas mostraram-se favoráveis à nova cultura e às artes, tornando-se mecenas de artistas como Michelangelo, Rafael e Bernini. O Papa Nicolau V (1447-1455) transformou a pequena biblioteca pontifícia em uma grande coleção de manuscritos gregos e latinos, montando galerias e museus no Vaticano. Iniciou a reconstrução da Basílica de São Pedro e da cidade de Roma, bem como aumentou os Estados Papais, seus sucessores continuaram seus projetos, embora com modificações.

O Papado no presente
O Concílio Vaticano I realizado em 1869 e 1870 definiu as competências atuais do papado na Igreja. Por meio de bases bíblicas, este concílio reconheceu que o Papa quando fala "ex-cathedra" (literalmente "da cadeira [de Pedro]") é infalível em assuntos de fé e de moral. Igualmente reconheceu o primado do Papa como um dogma da Igreja.

Catecismo de São Pio X
182. Qual é a missão do papa?
O papa, bispo de Roma e sucessor de São Pedro, é o perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade da Igreja. É o vigário de Cristo, chefe do colégio dos bispos e pastor de toda a Igreja, sobre a qual tem, por divina instituição, poder pleno, supremo, imediato e universal. 881-882 936-937 (Compêndio do Catecismo da Igreja Católica).

Referencias: Fonte: http://blog.bibliacatolica.com.br
Papa é o título dado ao Bispo e Patriarca de Roma, supremo líder espiritual da Igreja Católica e também chefe do Estado do Vaticano e da Igreja Latina. O Papa, considerado o Sucessor de S. Pedro e vigário de Cristo, é o perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade da Igreja. Nos primórdios da Igreja, os sucessores de São Pedro denominavam-se apenas Bispos de Roma. Quando referido como cargo eclesiástico, surge como Sumo Pontífice, o maior dignatário.
Papa é também o título dos Patriarcas da Igreja Copta e da Igreja Arménia. O Papa formalmente tem os títulos de Bispo de Roma, Vigário de Cristo, Sucessor do Príncipe dos Apóstolos, Supremo Pontífice, Primaz de Itália, Arcebispo e Metropolita da Província Romana, Soberano do Estado do Vaticano e Servo dos Servos de Deus, embora no direito canônico seja apenas referido como Pontífice Romano. O Papa Bento XVI renunciou ao título de "Patriarca do Ocidente" da lista dos apelativos papais do anuário pontifício de 2006.
A eleição de um Papa é feita através de votação (secreta desde 1274) dos cardeais com menos de 80 anos e reunidos num conclave. Em teoria, qualquer homem batizado pode ser eleito Papa, embora se escolha sempre um dos Cardeais. O cargo é vitalício e, até agora, apenas o Papa Celestino V resignou quando se retirou para um convento.
O Papa é auxiliado pela Cúria Romana, no governo da Igreja Católica. A presença tradicional do Papa em Roma não obriga a que o Papa resida na cidade. Tal aconteceu quando, entre 1309 e 1378, a residência papal se estabeleceu em Avinhão (Avignon - Sul de França).
O atual Papa, o alemão Joseph Ratzinger, detém o nome de Bento XVI e foi eleito em 19 de abril de 2005.

Papa Gregório VII
A antiguidade do estatuto secular e de condução de assuntos de estado do Papa é demonstrada já na confrontação do Papa Leão I com Átila em 452 e aumentou substancialmente em 754, quando o líder dos francos Pepino, o Breve doou ao Papa um território que formaria a base dos futuros Estados Papais. No ano 800, o Papa Leão III coroou Carlos Magno como Imperador, passo decisivo no caminho para o Sacro Império Romano. Desde essa data tornou-se uma tradição a coroação dos Imperadores pelo Papa, até Carlos V. Napoleão Bonaparte fez reviver essa tradição fazendo-se coroar do mesmo modo.
Conjuntamente com a posição do Papa como regente territorial e príncipe da Cristandade (especialmente proeminente com os Papas da Renascença como Alexandre VI e Júlio II), e como líder espiritual do Sacro Império Romano (mais relevante com Papas como Gregório VII e Alexandre III), o Papa, como Supremo Pontífice, tem autoridade política e temporal. Alguns dos exemplos ao longo da história são a bula Laudabiliter em 1155 (que autoriza Henrique II de Inglaterra a invadir a Irlanda), a bula Manifestus Probatum que reconhece a independência de Portugal, a bula Inter Caeteras em 1493 (que conduz ao Tratado de Tordesilhas no ano seguinte, dividindo o mundo entre Portugal e Espanha) ou a bula Inter Gravissimas de 1582 (que estabelece o calendário gregoriano, atualmente em uso).
Nos dias de hoje, o papel político do Papa traduz-se no exercício de um cargo cerimonial, religioso e diplomático de grande importância.
Até 1870 a autoridade temporal do Papa exercia-se sobre um território no centro da Itália, denominado Estados Papais ou Estados Pontifícios, muito mais vasto do que o pequeno estado do Vaticano de hoje.

Papel religioso
O Papa dispõe, para os católicos, de autoridade religiosa em matéria de fé. É igualmente quem aprova e preside às cerimónias de beatificação ou canonização, e à nomeação de Cardeais. O Concílio do Vaticano I de 1869-1870 definiu o dogma da "Infalibilidade Papal", pelo qual pronunciamentos solenes ("ex-catedra") do Papa a respeito da fé e da moral não apresentam possibilidade de erro. Desde que foi estabelecida, a infalibilidade papal só foi usada uma vez, pelo Papa Pio XII, nos anos 50.

Listas de Papas
Entre os sucessores de São Pedro foram eleitos:
212 italianos
17 franceses
11 gregos
6 sírios
6 alemães
3 espanhóis
3 norte-africanos
2 da antiga Dalmácia
1 português
1 inglês
1 holandês
1 cretense
1 polaco.

São Pedro - O primeiro papa
São Pedro teria recebido de Jesus a missão de construir a sua Igreja. E, daí, surgiram não só a tradição católica como ferrenhas disputas religiosas. Saiba mais sobre o precursor de Bento XVI.
No dia em que João Paulo II morreu, foi retirado de sua mão esquerda um dos símbolos mais tradicionais do poder papal: o Anel do Pescador. Trata-se de uma peça forjada em ouro puro, que traz inscrito em alto-relevo o nome do papa - além da gravura de um homem lançando redes de pesca. Um anel idêntico (com o mesmo desenho, mas outro nome) foi entregue para Joseph Ratzinger durante a cerimônia da consagração - junto, é claro, com o poder supremo sobre a Igreja Católica.
A insígnia no anel faz referência ao primeiro homem que, segundo a tradição, teve esse poder - um humilde pescador que iniciou sua vida no litoral da Galiléia. O mais antigo precursor de Bento XVI foi um judeu, nascido na região que hoje forma o Estado de Israel, e se chamava Simão Ben Jonas - mas tornou-se famoso com o nome que, segundo o relato dos Evangelhos, foi-lhe dado por Jesus Cristo em pessoa: Pedro, a "Rocha".
Na verdade, o anel é mais do que apenas uma homenagem. É sobre a figura de Pedro que reside, em última análise, o poder do Vaticano e o do papa. Não fosse ele, o bispo de Roma poderia ser apenas mais um dentre vários líderes católicos. A origem e a justificativa do papado dependem desse pescador da Galiléia. E, para entender o porquê, é preciso conhecer a história dele.

Pedro, o líder da Igreja Católica?
Simão entrou para a história do cristianismo - e do mundo - por volta do ano 28 ou 29. Na época, ele vivia na cidade de Cafarnaum, na costa noroeste da Galiléia. Certo dia, enquanto apanhava peixes, a vida simples e pacata de Simão mudou para sempre. De acordo com o Evangelho de Marcos, um desconhecido aproximou-se pelas margens e o convidou a se tornar seu discípulo. Pedro aceitou a proposta, deixou de lado seu barco e suas redes e seguiu aquele pregador misterioso, que vinha da cidade de Nazaré e dizia ser o Messias enviado por Deus. Seu nome era Jesus.
Foi ao longo das andanças pela Galiléia que Jesus pregou sua doutrina e, de acordo com os Evangelhos, realizou grande parte de seus milagres. E o pescador Simão o acompanhou o tempo inteiro. Dentre os doze principais discípulos, ele era certamente o favorito: Pedro é o apóstolo mais citado nos Evangelhos e aparece ao lado de Cristo em vários momentos cruciais de sua pregação. Também é o mais dedicado, ardoroso e o primeiro a reconhecer Jesus como o "Filho de Deus".
Sua proeminência fica bem clara em uma passagem que, nos séculos seguintes, daria muito o que falar a historiadores e teólogos. De acordo com as Escrituras, Jesus conferiu a Simão um novo nome, Kepa - palavra hebraica que significa "rocha" ou "pedra". No futuro, o termo seria traduzido para o grego petros e para o latim petrus, até chegar ao português "Pedro". Para muitos, esse apelido é uma investidura de poder. A narrativa mais completa do fato encontra-se no capítulo 16 do Evangelho de Mateus. Quando passavam pela região conhecida como "Cesaréia de Felipe", Jesus disse a Simão, diante de todos os apóstolos: "Tu és Kepa (ou Pedro) e sobre essa pedra edificarei minha igreja, e as portas do inferno nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do reino do céu, e o que ligares na Terra será ligado nos céus". Para muitos teólogos, esse trecho é a prova de que Pedro foi escolhido como o maior representante de Cristo sobre a Terra. Ele não seria apenas o líder do cristianismo, mas o porta-voz da vontade divina. Em Um Judeu Marginal, o historiador americano John Meier resume a opinião católica sobre o assunto: "As decisões de Pedro, autorizadas aqui na Terra, são ratificadas no reino do céu. Pedro fica no lugar de Jesus. A autoridade que ele recebe diretamente de Cristo se estende a toda a Igreja, sem restrição".
Ou seja: Pedro teria sido apontado como primeiro e supremo chefe do cristianismo - e suas decisões deveriam ser consideradas infalíveis, já que têm o aval de Cristo. De acordo com a doutrina católica, as prerrogativas de Kepa foram herdadas por seus sucessores, os bispos de Roma - ou seja, os papas. Mas para entender por que o Vaticano se considera o herdeiro legítimo de Pedro, é preciso dar uma olhada no que ele andou fazendo em suas últimas décadas de vida.

Pedro, o primeiro bispo de Roma?
Logo após a crucificação de Cristo, no ano 30, o pescador da Galiléia passou a chefiar a Igreja recém-nascida. Além de organizar os fiéis em Jerusalém - o primeiro centro da nova religião, Pedro pregou em cidades distantes como Corinto (na Grécia) e Antióquia (na atual Turquia).
Sua importância como líder do cristianismo primitivo foi gigantesca. Entretanto, pouco se sabe sobre a vida de Pedro - em especial, sobre suas andanças finais. A maior parte das informações a seu respeito vem dos evangelhos, dos Atos dos Apóstolos e das epístolas (ou cartas) escritas pelos primeiros discípulos de Cristo. Outras pistas podem ser encontradas em textos de alguns historiadores antigos, que escreveram nos primórdios do cristianismo, ou pelas lendas que se formaram ao seu redor. E só. Uma antiquíssima tradição católica garante que o apóstolo viajou para Roma, em meados do século 1, fundando a primeira comunidade cristã da cidade. Essa hipótese é fortemente sustentada por historiadores como Eusébio de Cesaréia - que, embora tenha vivido cerca de dois séculos depois de Pedro, fundamentou sua obra na opinião de autores mais antigos.
Verdade ou não, o fato é que, já no século 2, Pedro era tido pelos líderes católicos como o primeiro bispo de Roma. E mais: de acordo com a Ata dos Mártires - documento composto pelos primeiros cristãos, foi no território da moderna capital italiana que o maior dos apóstolos encontrou a morte, provavelmente na época do imperador Nero. Segundo Orígenes, um erudito do século 3, Pedro foi preso pelos romanos e condenado à crucificação. Julgando-se indigno de morrer da mesma maneira que Jesus, ele pediu que o crucificassem de cabeça para baixo - e seu desejo foi atendido.
Durante o século 20, investigações arqueológicas feitas a pedido do papa Pio XII descobriram um grande cemitério cristão nos subsolos do Vaticano, sob a atual Basílica de São Pedro. Os arqueólogos concordaram que a necrópole datava do século 1 - e que provavelmente um grande mártir ali fora enterrado. Ninguém sabe quem, mas muita gente jura de pés juntos que era ninguém menos que Simão da Galiléia.
A presença e o martírio de Pedro na cidade foram usados para comprovar o "primado de Roma" - a idéia de que o Vaticano e seu bispo herdaram a liderança cristã, em linhagem direta, do escolhido de Jesus Cristo. Mas não faltou quem questionasse tanto sua posição como "porta-voz" de Cristo, quanto o direito dos bispos romanos de se declararem seus herdeiros.

Papas, herdeiros de Pedro?
A relação entre Jesus e seu discípulo favorito nem sempre foi um mar de rosas. Embora tenha sido escolhido para "guiar o rebanho" de Cristo, Pedro também recebeu críticas violentas do mestre. O Evangelho de Marcos conta que, quando Jesus anunciou que sua missão divina era ser preso, torturado e crucificado, Pedro "tomou-o à parte e começou a repreendê-lo". Jesus então disse: "Afasta-te de mim, Satanás, pois teus sentimentos não são os de Deus, mas os dos homens". Há também o famoso episódio da noite em que Jesus foi preso. Conta a Bíblia que Cristo havia reunido seus apóstolos para uma ceia, a última que fariam juntos. Voltando-se para Pedro, disse: "Ainda hoje, antes que o galo cante, tu me negarás três vezes". E Pedro: "Mesmo que seja preciso morrer contigo, jamais te negarei!" Horas depois, Jesus foi preso e levado à casa do sumo-sacerdote Caifás, onde se reunia o conselho religioso judaico - que acusava Jesus de blasfêmia por se declarar o Filho de Deus. Pedro seguiu o mestre e se misturou à criadagem da casa, para espiar o interrogatório. Alguns servos o reconheceram como um dos seguidores do "nazareno" e Pedro, com medo de ser preso, repetiu três vezes que não conhecia Jesus. Nesse momento, o galo cantou - e, de acordo com o Evangelho de João, Jesus o olhou diretamente. Percebendo o que fizera, o apóstolo foi para a rua "e chorou amargamente".
Mais tarde, a liderança de Pedro seria criticada por seus próprios aliados. A polêmica mais contundente foi levantada por Paulo de Tarso - outro discípulo ardoroso, responsável por grande parte da disseminação do evangelho em terras "pagãs". Em sua Epístola aos Gálatas, Paulo acusa Pedro de certa relutância em entregar-se à conversão dos gentios - ou seja, os povos não-judeus. Para Paulo, certos costumes judaicos, como a circuncisão e as restrições alimentares, não deviam ser impostas aos estrangeiros interessados em abraçar o cristianismo.
Esses episódios da vida de Pedro inspiraram nada menos do que os grandes cismas do catolicismo. Com base neles, no século 2, seguidores do gnosticismo - vertente cristã que não aceitava a hierarquia católica - empreenderam uma verdadeira campanha de difamação contra Pedro. E, em 1050, a polêmica se tornou tão grande que acabou rachando para sempre a cristandade: os líderes religiosos de Constantinopla (atual Istambul, Turquia) repudiaram a autoridade do Vaticano e formaram a Igreja Ortodoxa. No século 16, o monge alemão Martinho Lutero repetiu o gesto, dando origem ao protestantismo. Esses movimentos negavam, antes de mais nada, a autoridade suprema do papado sobre o cristianismo. Para questioná-lo, alguns foram direto à raiz e atacaram a noção de que Pedro fosse o escolhido para guiar os cristãos. Em várias épocas, ortodoxos e protestantes usaram argumentos idênticos: por causa de seus deslizes e contradições, Pedro não poderia ser considerado o porta-voz de Deus. Não duvidavam de sua importância histórica, apenas não atribuíam a ele a infalibilidade divina nem a autoridade absoluta sobre os cristãos. Outros aceitavam a posição de Pedro como embaixador de Jesus na Terra, mas negavam que esse poder tivesse sido transmitido para os bispos romanos. Sua autoridade, instituída por Cristo, teria acabado lá no século 1, quando o apóstolo foi crucificado de cabeça para baixo.
A divisão da cristandade entre aqueles que aceitam a autoridade papal e aqueles que a renegam permanece até hoje. Mas apesar de ter deixado uma herança ambígua e muitas vezes contestada, o papel histórico de Pedro é inquestionável. Para qualquer cristão, esse patriarca ardoroso e contraditório foi, de fato, o sustentáculo da Igreja em sua fase primitiva - o primeiro líder de uma revolução espiritual que, nos milênios seguintes, mudaria os rumos do mundo.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Questão XLII - Da igualdade e da semelhança das pessoas divinas entre si

QUESTÃO XLII. – DA IGUALDADE E DA SEMELHANÇA DAS PESSOAS DIVINAS ENTRE SI


Em seguida devemos tratar da relação das Pessoas entre si. E primeiramente, da igualdade e da semelhança; segundo, da missão. Na primeira questão discutem-se seis artigos:
  1. Se há igualdade entre as pessoas divinas;
  2. Se a pessoa procedente é igual à de que procede, quanto à eternidade;
  3. Se há alguma ordem nas divinas pessoas;
  4. Se as pessoas divinas são iguais quanto à grandeza;
  5. Se uma delas está na outra;
  6. Se são iguais pela potência.

ART. I. – SE A IGUALDADE CONVÉM ÀS PESSOAS DIVINAS


(I Sent., dist. XIX, q. 1. a. 1)

O primeiro discute-se assim. – Parece que a igualdade não convém às pessoas divinas.

1. – Pois, a igualdade supõe a unidade quantitativa, como está claro no Filósofo. Ora, em Deus não há nem a quantidade contínua intrínseca, chamada grandeza; nem a quantidade contínua extrínseca chamada lugar e tempo; nem a igualdade fundada na quantidade discreta, pois duas pessoas são mais que uma. Logo, às pessoas divinas não convém à igualdade.

2. Demais. – As pessoas divinas têm a mesma essência, como se disse (q. 39, a. 2). Ora, a essência é expressa como forma. Ora, a conveniência pela forma não produz a igualdade, mas, a semelhança. Logo, às pessoas divinas devemos atribuir a semelhança e não a igualdade.

3. Demais. – Quaisquer seres iguais o são entre si, pois, chamamos igual ao igual. Ora, as pessoas divinas não podem se considerar iguais entre si. Porque, como diz Agostinho, a imagem, que perfeitamente reproduz o ser de que é imagem, deve-lhe ser igual a ele, e não, ele a ela. Ora, imagem do Pai é o Filho, e portanto não é o Pai igual ao Filho. Logo, nas pessoas divinas não há igualdade.

4. Demais. – A igualdade é uma determinada relação. Ora, nenhuma relação é comum a todas as pessoas; pois, pelas relações é que as pessoas se distinguem umas das outras. Logo, a igualdade não convém às pessoas divinas.

Mas, em contrário, diz Atanásio, que as três pessoas são entre si coeternas e coiguais.

SOLUÇÃO – É forçoso admitirmos a igualdade das pessoas divinas. Pois, segundo o Filósofo, o igual é uma quase negação do menor e do maior. Ora, não podemos, nas pessoas divinas, introduzir o conceito de maior nem de menor; porque, como diz Boécio, a diferença de divindade resulta da opinião dos que a aumentam ou a diminuem, como os Arianos que, fazendo variar a Trindade pelos graus dos méritos, a destroem e introduzem nela a pluralidade. E a razão disso está em não poderem seres desiguais ter a mesma quantidade numérica. Ora, a quantidade em Deus não é senão a sua essência mesma. Donde resulta, que se existisse qualquer desigualdade nas pessoas divinas, elas não teriam a mesma essência e, portanto, não constituiriam um só Deus, o que é impossível. Logo, devemos admitir a igualdade das pessoas divinas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Há duas sortes de quantidade. Uma a chamada de massa ou dimensiva, só existente na matéria, e, portanto não nas pessoas divinas. Outra é a quantidade de virtude, assim chamada por se fundar na perfeição de uma natureza ou forma. E essa nós a designamos quando dizemos que um corpo é mais ou menos cálido segundo tiver o calor mais ou menos perfeitamente. Ora, esta quantidade virtual é considerada, primeiro, radicalmente, isto é, quanto à perfeição mesma da forma ou da natureza; e nesse sentido falamos em grandeza espiritual, como chamamos grande ao calor que o é pela sua intensidade e perfeição. Por isso, diz Agostinho, que, em coisas que não são grandes pela massa, ser maior é o ser melhor; pois, melhor se diz o que é mais perfeito. Em segundo lugar, a quantidade é considerada virtual, pelos efeitos da forma. Ora, o primeiro efeito da forma é o ser, pois, cada coisa tem o ser pela sua forma. E o segundo efeito é a ação, pois todo agente age pela sua forma. Por onde, a quantidade virtual se funda no ser e na ação. No ser, porque as coisas de natureza mais perfeita são de maior duração. E na ação, porque as coisas de natureza mais perfeita têm maior poder de agir. E assim, como diz Agostinho, entende-se que há igualdade no Pai, no Filho e no Espírito santo, porque nenhum deles precede pela eternidade, excede pela grandeza ou supera pelo poder.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Considerada relativamente à quantidade virtual, a igualdade inclui em si a semelhança e ainda mais, porque exclui o excesso. Pois, todos os seres que comunicam pela mesma forma, podem ser chamados semelhantes, mesmo se participarem desigualmente dessa forma; como se se disser que o ar é semelhante ao fogo, pelo calor. Mas não se podem chamar iguais se um participar da forma mais perfeitamente que os outros. Ora, como não somente é a mesma a natureza do Pai e do Filho, mas também em ambos há igualdade perfeita, podemos dizer que o Filho é semelhante ao Pai, para excluirmos o erro de Eunômio; mas também podemos dizer que é igual, para excluirmos o erro de Ario.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A igualdade ou a semelhança em Deus podem ser expressas de dois modos: por nomes e por verbos. Quando expressa por nomes, dizemos que há nas pessoas divinas mútua igualdade e semelhança; porque o Filho é igual e semelhante ao Pai, e inversamente. E isto por não ser a essência divina mais do Pai do que do Filho. Por onde, assim como o Filho tem a grandeza do Pai, que o torna igual a este, assim o Pai tem a do Filho, que também o torna igual a ele. Mas nas criaturas, como diz Dionísio, não há conversão da igualdade em semelhança. Pois, as coisas causadas se dizem semelhantes às causas por terem as formas destas; não, porém, inversamente, porque a forma está principalmente na causa e secundariamente, no causado. Os verbos, porém, significam a igualdade com movimento. E embora não haja movimento em Deus, pode ele todavia receber. Pois, pelo Filho receber do Pai o que o torna igual ao Pai, e não, inversamente, por isso dizemos que o Filho é o igual ao Pai, e não inversamente.

RESPOSTA À QUARTA. – Nas pessoas divinas não devemos considerar senão a essência em que comunicam, e as relações pelas quais se distinguem. Mas a igualdade supõe uma e outra coisa: a distinção das pessoas, porque nada é igual a si mesmo; e a unidade de essência, pois as pessoas são iguais entre si por terem a mesma grandeza e a mesma essência. É, porém, manifesto que uma coisa não se refere a si mesma por nenhuma relação real. E também nenhuma relação se refere a outra por qualquer terceira relação. Quando, pois, dizemos que a paternidade se opõe à filiação, essa oposição não é uma relação média entre a paternidade e a filiação, porque de um e outro modo a relação se multiplicaria ao infinito. Por onde, a igualdade e a semelhança, nas pessoas divinas, não é nenhuma relação distinta das relações pessoais, mas no seu conceito incluem tanto as relações distintivas das pessoas como a unidade de essência. Por isso o Mestre das Sentenças diz, que em Deus a apelação é somente relativa.

ART. II. – SE A PESSOA PROCEDENTE É COETERNA COM O SEU PRINCÍPIO, COMO O FILHO COM O PAI


(III Sent., dist. XI, a. 1; De Pot., q. 3, a. 13; Compend, Theol., cap. XLIII; In Decretal. I; Ioan., cap. I. lect. I)

O segundo discute-se assim. – Parece que a pessoa procedente não é coeterna com o seu princípio, como o Filho, com o Pai.

1. – Pois Ario assinala doze modos de geração. O primeiro modo é o pelo qual a linha provém do ponto, no que falta a igualdade da simplicidade. O segundo, pelo qual a emissão dos raios provém do sol, no que falta a igualdade de natureza. O terceiro, pelo qual o caráter ou a impressão provem do carimbo, no que falta a consubstancialidade e a eficiência do poder. O quarto, pelo qual a imissão da boa vontade provém de Deus, no que também falta a consubstancialidade. O quinto, pelo qual provem o acidente da substância; mas ao acidente falta a subsistência. O sexto, pelo qual a abstração da espécie provém da matéria, da mesma maneira que o sentido recebe a espécie, da coisa sensível; no que falta a igualdade de espiritualidade. O sétimo, pelo qual a excitação da vontade provém do conhecimento, cuja excitação é temporal. O oitavo é pela transfiguração, da maneira pela qual do ar se faz a imagem; e esse é material. O nono, pelo qual o movimento provém do motor, onde também há efeito e causa. O décimo, pelo qual as espécies provém gênero, o que não convém a Deus, pois, o Pai não é predicado do Filho, como o gênero da espécie. O undécimo é o pela ideação, como a arca exterior procede da que está na mente. O duodécimo, pelo qual os seres que nascem, p. ex., um homem, procede de um pai, no que há anterioridade e posterioridade no tempo. É, portanto, claro que, em todos os modos pelos quais uma coisa procede de outra, ou falta a igualdade de natureza ou a de duração. Se, pois, o Filho procede do Pai, é necessário dizer ou que ele é menor que o Pai, ou que é posterior, ou uma e outra coisa.

2. Demais. – Tudo o que provém de outro tem princípio. Logo, o Filho não é eterno e nem o Espírito Santo.

3. Demais. – Tudo o que se corrompe deixa de existir. Logo, tudo o que é gerado começa a existir, pois, o gerado o é, para existir. Ora, o Filho foi gerado pelo Pai. Logo começa a existir e não é coeterno com o Pai.

4. Demais. – Se o Filho foi gerado pelo Pai, ou foi sempre ou devemos admitir um instante em que foi gerado. Se sempre foi gerado, como toda coisa gerada é imperfeita, segundo claramente o mostram as sucessivas, como o tempo e o movimento, que estão sempre em vir a ser, resulta que o Filho é sempre imperfeito, o que é inadmissível. Logo, devemos admitir de sorte que, antes desse momento, o Filho não existia.

Mas, em contrário, diz Atanásio, no Símbolo que todas as três pessoas são coeternas entre si.

SOLUÇÃO – Devemos admitir que o Filho é coeterno com o Pai. Para evidenciá-lo é mister notar que, o ser tudo o que existe, em virtude de um princípio, posterior ao seu princípio, pode dar-se de dois modos: relativamente ao agente ou relativamente à ação. – Relativamente ao agente, devemos distinguir entre os agentes voluntários e os naturais. Nos voluntários, por causa da eleição no tempo; pois, assim como está no poder de um agente voluntário escolher a forma que vai conferir ao efeito, segundo dissemos (q. 41, a. 2), assim no poder do mesmo está escolher o tempo em que produzirá esse efeito. Com os agentes naturais, porém, tal se dá porque esses agentes não tem originariamente a perfeição da virtude natural para agir, mas a recebem só depois de certo tempo; assim, o homem não pode gerar desde que começa a existir. – Relativamente à ação, é impossível o que provém de um princípio ser simultâneo com este, porque a ação é sucessiva. Por onde, dado que um agente viesse a agir, deste modo, imediatamente depois de ter começado a existir, o efeito não existiria concomitantemente, no mesmo instante, mas no instante em que terminasse a ação. Ora, é claro, pelo que demonstramos (Ibid), que o Pai não gera o Filho pela vontade, mas pela natureza; e demais, que a natureza do Pai é perfeita abeterno; e ainda que a ação pela qual o Pai produz o Filho não é sucessiva, porque então o Filho de Deus seria gerado sucessivamente, e a sua geração seria material e sujeita ao movimento, o que é impossível. Donde se conclui, que o Filho existiu desde que existiu o Pai. E portanto é coeterno com o Pai. E, semelhantemente, o Espírito Santo, com ambos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como ensina Agostinho, nenhum modo de processão de qualquer criatura representa perfeitamente a geração divina. Por onde, é necessário buscarmos a semelhança, de muitos modos de maneira a completar por uma o que a outra falta. Por isso diz o Sínodo Efesino: Que o Esplendor te mostre que o Filho coexiste sempre coeterno com o Pai. Que o Verbo te mostre ser impassível a natividade. Que o nome de Filho te insinue a consubstancialidade. Mas, dentre todas as semelhanças, a processão do verbo, do intelecto, é a que mais expressamente a representa; pois, o verbo não é posterior ao princípio donde procede, a menos que não seja o intelecto tal que passe da potência para o ato; o que não se pode dizer de Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A eternidade exclui o princípio de duração, mas não o de origem.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Toda corrupção é uma certa mutação; donde, tudo o que se corrompe começa a não ser e cessa de ser. Ora, a geração divina não é uma transmutação, como se disse (q. 27, a. 2). Por isso, o Filho sempre é gerado e o Pai sempre gera.

RESPOSTA À QUARTA. – No tempo, uma coisa é o seu elemento indivisível, que é o instante e outra, o persistente, que é o tempo. Mas na eternidade, o próprio instante é indivisível e sempre existente, como se disse (q. 10, a. 2, ad 1; a. 4, ad 2). Ora, a geração do Filho não é num instante do tempo ou no tempo, mas na eternidade. E portanto, para exprimirmos a presencialidade e a permanência da eternidade, podemos, com Origines, dizer que sempre nasce. Mas, com Gregório e Agostinho, melhor é dizermos sempre nascido, designando sempre a permanência da eternidade, e nascido, a perfeição do ser gerado. Assim, pois, o Filho não é imperfeito, nem existia quando ainda não existia, como disse Ário.

ART. III. – SE NAS PESSOAS DIVINAS HÁ A ORDEM DA NATUREZA


(I Sent., dist. XII, a. 1; dist. XX, a. 3; De Pot., q. 10, a. 3; Contra errors Graec., parte II, cap. XXXI)

O terceiro discute-se assim. – Parece que nas pessoas divinas não há a ordem da natureza.

1. – Pois, tudo o que existe em Deus é essência ou pessoa ou noção. Ora, a ordem da natureza não significa a essência, nem nenhuma das pessoas ou das noções. Logo, a ordem da natureza não existe em Deus.

2. Demais. – Em todos os seres onde há a ordem da natureza, um é anterior ao outro, ao menos pela natureza e pelo conceito. Ora, nas pessoas divinas, não há anterior nem posterior, como diz Atanásio (no Símbolo). Logo, nas pessoas divinas não há a ordem da natureza.

3. Demais. – Tudo o ordenado é distinto. Ora, a natureza, em Deus, não é distinta. Portanto, não é ordenada. Logo, não há em Deus a ordem da natureza.

4. Demais. – A natureza divina é a sua essência. Ora, em Deus, não há a ordem da essência. Logo, nem a da natureza.

Mas, em contrário. – Onde quer que haja pluralidade sem ordem, há confusão. Ora, nas pessoas divinas não há confusão, como diz Atanásio. Logo; há ordem.

SOLUÇÃO – A ordem supõe sempre relação com um princípio. Ora, a palavra princípio tem múltiplos sentidos, a saber: o locativo, como o ponto; o intelectivo, como o princípio da demonstração; o relativo a cada causa. Assim também a ordem. Mas, em Deus, o princípio é relativo à origem, sem idéia de prioridade, como vimos (q. 33, a. 1 ad 3). Por onde, há necessariamente em Deus a ordem, quanto à origem, sem idéia de prioridade. E essa é a ordem da natureza, conforme Agostinho, quando diz: Não por ser um anterior ao outro, mas por ser um procedente do outro.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Ordem da natureza significa a noção de origem, em comum, não porém, em especial.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Nas criaturas, embora a que provém de um princípio seja com este coevo, quanto à duração, todavia o seu princípio lhe é anterior, real e logicamente se o considerarmos na sua noção própria. Mas, considerando as relações mesmas de causa e de causado, e de principio e de principiado, é claro que são relativas, simultaneamente, real e logicamente, porque um entra na definição do outro. Ora, em Deus as próprias relações são pessoas subsistentes numa mesma natureza. Donde, nem quanto a natureza nem quanto às relações, uma pessoa pode ser anterior à outra, e nem quanto à natureza e ao intelecto.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Quando falamos da ordem da natureza, isso não significa que a natureza mesma seja ordenada, mas que a ordem, nas pessoas divinas, é considerada na sua origem natural.

RESPOSTA À QUARTA. – A natureza, de certo modo, importa a noção de princípio; não porém a essência. Por isso a ordem de origem melhor se denomina ordem de natureza do que de essência.

ART. IV. – SE O FILHO É IGUAL AO PAI EM GRANDEZA


(I Sent., dist. XIX, q. 1, a. 2; IV Cont. Gent., cap. VII, XI. In Boet. De Trin., q. 3, a. 4)

O quarto discute-se assim. – Parece que o Filho não é igual ao Pai em grandeza.

1. – Pois, ele próprio o diz, na Escritura (Jo 14, 28): O Pai é maior do que eu. E o Apóstolo (1 Cor 15, 28): O mesmo Filho estará sujeito aquele que sujeitou a ele todas as coisas.

2. Demais. – A paternidade é própria à dignidade do Pai. Ora, a paternidade não convêm ao Filho. Logo, nem toda dignidade que tem o Pai tem o Filho. Portanto, não é igual ao Pai em grandeza.

3. Demais. – Onde há todo e partes, muitas são mais que uma só ou algumas; assim, três homens são mais que dois ou um. Ora, em Deus, o todo é universal e parte; pois, a relação ou a noção inclui várias noções. Portanto, como no Pai há três noções, e no Filho somente duas, não é este igual ao Pai. Mas, em contrário, a Escritura (Fp 2, 6): Não julgou que fosse uma usurpação o ser igual a Deus.

SOLUÇÃO – Devemos admitir que o Filho seja igual ao Pai em grandeza. Mas a grandeza de Deus não é outra coisa senão a perfeição da sua natureza. Ora, é da essência da paternidade e da filiação que o filho, pela geração, tenha a perfeição da natureza existente no pai, como também o pai. Mas como a geração humana é uma transmutação do ser, que passa da potência para o ato, o filho não é imediatamente igual, desde o seu nascimento, ao pai que o gerou, mas, pelo crescimento continuado, chega à igualdade, a menos que não suceda de outro modo, por defeito do princípio da geração.

Ora, é manifesto pelo que dissemos (q. 27, a. 2; q. 33, a. 2, ad 3, 4; a. 3), que em Deus há, própria e verdadeiramente, paternidade e filiação. Nem se pode dizer que a virtude de Deus Pai fosse deficiente ao gerar; nem que Filho de Deus chegasse à perfeição sucessivamente e por mudanças. Por onde, necessário é concluir, que abeterno foi igual ao Pai em grandeza. E por isso Hilário diz: Suprime as enfermidades do corpo, suprime o desenvolvimento da inteligência, suprime as dores do parto e toda a humana necessidade: todo filho, pela natividade natural, é igual ao pai porque tem a semelhança da natureza.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As palavras citadas entendem-se ditas da natureza humana de Cristo, pela qual é menos do que o Pai e a este sujeito. Mas, pela sua natureza divina, é igual ao Pai. E é o que diz Atanásio no Símbolo: Igual ao Pai pela divindade; menor que o Pai, pela humanidade. Ou conforme Hilário: O Pai é maior pela autoridade Doador; mas menor não é aquele a quem foi dado o mesmo ser. E diz ainda, que a sujeição do Filho é o amor da natureza, i. é, o reconhecimento da autoridade paterna; porém, a sujeição aos demais é pela imperfeição da criação.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A igualdade se funda na grandeza. Ora, esta, em Deus, exprime perfeição da natureza, como se disse, e pertence à essência. Portanto, a igualdade em Deus e a semelhança dizem respeito ao essencial; nem podemos lhe atribuir desigualdade ou semelhança quanto à distinção das relações. Por isso diz Agostinho: A questão da origem é a de saber de que um ser provém: a da igualdade, a de saber, que qualidade tem. Logo, a paternidade é a dignidade do Pai, assim como é a sua essência. Pois, a dignidade é um absoluto e pertence à essência. Portanto, assim como a mesma essência, que no Pai é a paternidade, no Filho é a filiação; assim, a mesma dignidade, que no Pai é a paternidade, no Filho é a filiação. Por onde, verdadeiramente dizemos que toda dignidade que tem o Pai, tem o Filho, sem daí seguir-se que pelo Pai ter a paternidade, também a tenha o Filho. Porque se muda o ponto de vista absoluto (quid) no relativo (ad aliquid). Pois a mesma é a essência e a dignidade do Pai e do Filho; mas, no Pai, pela relação de dador: no Filho, pela de quem recebe.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A relação em Deus não é um todo universal, embora seja predicada de cada uma das relações; porque todas as relações são essencial e existencialmente uma mesma relação; o que repugna à noção de universal, cujas partes se distinguem pelo ser. E semelhantemente, a pessoa, como dissemos (q. 30, a. 4, ad 3), não é um universal em Deus. Por onde, todas as relações juntas não são em nada maiores que uma só delas; nem todas as pessoas juntas são em nada maiores que uma delas somente; porque a perfeição total da natureza divina está em cada uma das pessoas.

ART. V. – SE O FILHO ESTÁ NO PAI E INVERSAMENTE


(I Sent., dist. XIX, q. 3, a. 2; IV Cont. Gent., cap. IX; Ioan., cap. X; cap. XVI, lect. VII)

O quinto discute-se assim. – Parece que o Filho não está no Pai e inversamente.

1. – Pois, segundo o Filósofo, de oito modos pode um ser existir em outro; e por nenhum deles o Filho está no Pai; e inversamente, como claramente o verá quem examinar cada um desses modos. Logo, o Filho não está no Pai, nem inversamente.

2. Demais. – O que saiu de um ser já neste não está. Ora, o Filho abeterno saiu do Pai, segundo a Escritura (Mq 5, 2): Cuja geração é desde o princípio, desde os dias da eternidade. Logo, o Filho não está no Pai.

3. Demais. – Um dos contrários não está no outro. Ora, o Filho e o Pai opõem-se relativamente. Logo, um não pode estar no outro.

Mas, em contrário, a Escritura (Jo 14, 10): Eu estou no Pai e o Pai está em mim.

SOLUÇÃO – Três coisas devemos considerar no Pai e no Filho, a saber: a essência, a relação e a origem. E segundo cada uma delas, o Filho está no Pai e inversamente. – Pela essência o Pai está no Filho, porque o Pai é a sua essência e a comunica ao Filho sem sofrer nenhuma mudança. Donde se segue que, estando no Filho a essência do Pai, no Filho está o Pai. Semelhantemente, sendo o Filho a sua essência, segue-se que está no Pai, no qual também ela está. E é o que diz Hilário: Consequente com a sua natureza, para assim nos exprimirmos, Deus imutável gera um imutável Deus subsistente. E entendemos que neste está a natureza subsistente de Deus, por estar nele Deus. – Mas, quanto às relações, é claro que um contrário está no outro relativamente, pelo intelecto. – Também quanto à origem, é claro que a processão do verbo inteligível não é exterior, mas permanece no dicente. Pois, o que é dito pelo verbo no verbo está contido. – E o mesmo devemos dizer do Espírito Santo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O modo de ser das criaturas não representa suficientemente o modo de ser de Deus. Por isso, de nenhum dos modos, que o Filósofo enumera, o Filho está no Pai e inversamente. O modo porém que mais se aproxima é aquele pelo qual dizemos que um ser está no seu principio originante; salvo que, nos seres criados, falta a unidade de essência entre o princípio e o que dele provém.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O Filho sai do Pai a modo de processão interior, assim como o verbo sai da mente e nela permanece. Por onde, esse modo de proceder, em Deus, funda-se na só distinção das relações, e não em nenhuma separação essencial.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O Pai e o Filho opõem-se pelas suas relações e não, pela essência. E contudo um dos contrários está relativamente no outro, como se disse.

ART. VI. – SE O FILHO É IGUAL AO PAI PELO PODER


(I Sent., dist. XX, a. 2; IV Cont. Gent., cap. VII, VIII)

O sexto discute-se assim. – Parece que o Filho não é igual ao Pai pelo poder.

1. – Pois, diz a Escritura (Jo 5, 19): O Filho não pode de si mesmo fazer coisa alguma senão o que vir fazer ao Pai. Mas, o Pai pode fazer por si. Logo, o Pai é maior que o Filho, pelo poder.

2. Demais. - Maior é o poder de quem manda e ensina do que o de quem obedece e ouve. Ora, o Pai manda o Filho, segundo a Escritura (Jo 14, 31): Faço o que o Pai me ordena. O Pai também ensina ao Filho, segundo ainda o Evangelho (Jo 5, 20): O Pai ama ao Filho e mostra-lhe tudo o que faz. Enfim o Filho ouve, ainda segundo a Escritura (Jo 5, 30): Assim como ouço, julgo. Logo, o Pai tem maior poder que o Filho.

3. Demais. – Pela sua onipotência é que o Pai gera um Filho igual a si, segundo Agostinho: Se não pôde gerar um filho igual a si, onde está a onipotência de Deus Pai? Ora, o Filho não pode gerar o Filho, como se demonstrou. Logo, nem tudo o que pode a onipotência do Pai o pode também o Filho. Portanto, este não lhe é igual em poder. Mas, em contrário, a Escritura (Jo 5, 19): Tudo o que fizer o Pai o faz também semelhantemente o Filho.

SOLUÇÃO – É forçoso admitirmos que o Filho é igual ao Pai em poder. Pois, o poder de agir resulta da perfeição da natureza. Assim, vemos que quanto mais perfeita for a natureza de uma criatura, tanto maior será o seu poder de agir. Porque, como demonstramos (a. 4), a essência mesma da paternidade e da filiação divina exige que o Filho seja igual ao Pai em grandeza, i. é, em perfeição natural. Donde resulta que o Filho é igual ao Pai em poder. – E o mesmo devemos dizer do Espírito Santo, em relação às outras duas pessoas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Quando a Escritura diz: O Filho não pode de si mesmo fazer coisa alguma – não o priva por isso de nenhum poder do Pai; pois, logo acrescenta: - Tudo o que fizer o Pai o faz também semelhantemente o Filho. Mas essa expressão mostra que o Filho tem o poder, do Pai, de quem recebeu a natureza. Por isso diz Hilário: A unidade da natureza divina é tal que o Filho faz por si o que não faz de si.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Quando a Escritura diz que o Pai ensina e o Filho ouve, não quer dizer senão que o Pai comunica a sua ciência ao Filho e também a sua essência. No mesmo sentido podemos entender o mandado do Pai; porque abeterno deu ao Filho, gerando-o, a ciência e a vontade de agir. – Ou antes, devemos referir o mandado a Cristo, na sua natureza humana.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Assim como a mesma essência é no Pai a paternidade, e no Filho, a filiação, assim pelo mesmo poder o Pai gera e o Filho é gerado. Por onde é manifesto que tudo quanto pode o Pai pode o Filho. Donde, porém não se segue que este possa gerar; mas que se muda o ponto de vista absoluto (quid) o relativo a (ad aliquid). Pois, geração significa relação em Deus. Tem portanto o Filho o mesmo poder que o Pai, mas com outra relação. Porque o Pai o tem como dador, e é o que se exprime quando se diz que pode gerar; o Filho, porém, o tem como quem recebe e é o que se exprime quando se diz que pode ser gerado.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Capítulo V

CAPÍTULO V


Aquela mãe cristã de que me falaste desejou que o corpo de seu filho fosse depositado na basílica de um mártir por ter aquele expirado na fé. É que ela acreditava que a alma do finado poderia ser ajudada pelos méritos desse mártir. Essa fé, a seu modo, já era uma súplica; e súplica útil, se admitirmos isso, à medida em que voltar o seu pensamento frequentemente em direção a esse túmulo e, cada vez mais, recomendar o filho em suas orações... e é isto o que realmente será útil para a alma do finado. O que vale não é o lugar onde o corpo está enterrado, mas a viva afeição da mãe, revivificada pela lembrança desse lugar. A isso, devemos acrescentar que o objeto de sua afeição e o pensamento do santo protetor contribuirão bastante para tornar mais fecunda sua oração e piedade.

Ocorre que aqueles que oram impõem a seus membros uma posição condizente com a oração: ajoelham-se, estendem as mãos, prostram-se no chão e praticam outros gestos do gênero. É certo que Deus conhece-lhes a verdade oculta e a intenção do coração, e não tem a necessidade desses sinais sensíveis para penetrar no íntimo da consciência humana. Entretanto, é por essas demonstrações que a pessoa estimula-se a si mesma a orar e gemer com mais humildade e fervor. Ainda que os gestos corporais não se produzam sem o movimento interior da alma, esses atos externos e invisíveis aumentam - não sei como - o ato interior e invisível.

Ainda que estivesse impedido ou impossibilitado de os realizar com seus próprios membros, isso não imcapacitaria o homem interior de orar. Deus o vê, contrito e arrependido, prostrar-se no santuário secreto do seu coração.

De forma análoga, podemos dizer que o local de sepultamento é, por certo, de grande importância para aquele que encomenda a Deus a alma do morto querido, desde que a oração seja vivificada pelo espírito interior, já que foi o sentimento interno do coração que escolheu com antecedência o lugar santificado para o sepultamento. E esse local, após receber o corpo, renova e aumenta o sentimento interior, que foi o princípio de tudo, pelas lembranças que suscita.

Contudo, se tão piedosa pessoa não consegue sepultar aquele que ama no lugar onde desejaria por inspiração cristã, ela não deve, por isso, suprimir as orações necessárias para a encomendação do defunto. Pouco interessa se aqui ou ali está um corpo sem vida: o essencial é que a alma encontre seu repouso. Deixando este mundo, ela leva conscientemente consigo o tipo de sorte que lhe está reservada, se a felicidade ou o infortúnio.

Não é da carne que a alma espera ajuda para a sua vida futura. É ela que lhe comunicava a vida na terra. Ao partir, ela retirou a vida; ao voltar, a devolveria. É a alma que prepara para a carne o que lhe será devido no momento da ressurreição, e o corpo ela o fará revivificar, seja para o castigo ou para a glória.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Questão XLI - Das pessoas em relação aos atos nocionais

QUESTÃO. XLI. – DAS PESSOAS EM RELAÇÃO AOS ATOS NOCIONAIS


Em seguida devemos tratar das Pessoas em relação aos atos nocionais. E nesta questão, discutem-se seis artigos:
  1. Se os atos nocionais devem se atribuir às pessoas;
  2. Se tais atos são necessários ou voluntários;
  3. Se, segundo tais atos, a pessoa procede do nada ou de alguém;
  4. Se em Deus se deve introduzir a potência, em relação aos atos nocionais.
  5. Que significa essa potência;
  6. Se o termo dos atos nocionais podem ser várias pessoas.

ART. I. – SE OS ATOS NOCIONAIS SE DEVEM ATRIBUIR ÀS PESSOAS


O primeiro discute-se assim. – Parece que os atos nocionais não se devem atribuir às pessoas.
1. – Pois, diz Boécio, que todos os gêneros aplicados à divina predicação, transformam-se na substância divina, exceto os relativos. Ora, a ação é um dos dez gêneros. Se, pois, alguma ação é atribuída a Deus, pertencer-lhe-á à essência e não, à noção.
2. Demais. – Agostinho ensina, que tudo o que se diz de Deus, substancial ou relativamente se diz. Ora, o que respeita à substância é expresso pelos atributos essenciais; porém o que respeita à relação é expresso pelos nomes das pessoas e pelos das propriedades. Logo, além destas atribuições, não se devem atribuir às pessoas os atos nocionais.
3. Demais. – É próprio da ação provocar a paixão. Mas, em Deus, não se admitem paixões. Logo, nem se devem nele admitir atos nocionais.
Mas, em contrário, diz Agostinho (Fulgêncio): É próprio certamente do Pai o ter gerado o Filho. Ora, a geração é um determinado ato. Logo, devemos admitir em Deus atos nocionais.
SOLUÇÃO. – Nas Pessoas divinas, considera-se a distinção relativamente à origem. Ora, a origem não pode ser convenientemente designada senão por certos atos. Por onde, para exprimir a ordem da origem, nas Pessoas divinas, é necessário atribuírem-se às Pessoas atos nocionais.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Toda origem é designada por algum ato. Ora, a Deus pode ser atribuída uma dupla ordem de origem. Uma, enquanto a criatura dele procede, o que é comum às três Pessoas. Por onde, as ações atribuídas a Deus, para designar a processão das criaturas, dele, pertencem à essência. Porém, considera-se em Deus outra ordem de origem enquanto uma Pessoa procede de outra. Por isso, os atos que designam a ordem dessa origem são nocionais, porque as noções das Pessoas são as relações mútuas delas, como do sobredito resulta (q. 32, a. 2, 3).
RESPOSTA À SEGUNDA. – Os atos nocionais, considerados somente no seu modo de significar, diferem das relações das Pessoas; mas, na realidade, são lhes absolutamente idênticos. Por isso, diz o Mestre das Sentenças, que a geração e a natividade se chamam, por outros nomes, paternidade e filiação. – Para evidenciá-lo devemos atender a que, primeiramente, podemos atribuir a origem de uma coisa, a outra, pelo movimento. Pois é claro que só ao movimento, como causa, podemos atribuir a modificação, que um ser sofreu nas suas disposições. Por onde, a ação, na sua significação primária, importa origem do movimento. Pois, assim como o movimento, enquanto existente num móvel e procedente de outro, chama-se paixão, assim também, a origem desse mesmo movimento, enquanto causada por outro movimento e terminada no móvel, chama-se ação. Por onde, removido o movimento, a ação nada mais implica senão a ordem da origem, enquanto que o proveniente de um princípio procede de alguma causa ou princípio. Por isso, como em Deus não há movimento, a ação pessoal de quem produz a Pessoa não é senão os modos de se haver do princípio para com a Pessoa oriunda desse principio. E tais modos são as próprias relações ou noções. Mas, como nós não podemos falar das coisas divinas e inteligíveis senão ao modo das coisas sensíveis, das quais tiramos o conhecimento e cujas ações e paixões, enquanto implicam movimento, diferem das relações resultantes dessas ações e paixões; foi necessário exprimir os modos de se haver das Pessoas, separadamente, como atos e como relações. E assim é claro, que são idênticos na realidade, diferindo somente quanto ao modo de significar.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A ação, enquanto importa a origem do movimento, implica por si mesma a paixão. Por isso, não se admite ação nas Pessoas divinas. Por onde, nelas se não admitem paixões, senão apenas gramaticalmente falando, quanto ao modo de significar; assim como ao Pai atribuímos o gerar e ao Filho, o ser gerado.

ART. II. – SE OS ATOS NOCIONAIS SÃO VOLUNTÁRIOS


(I Sent., dist. VI; IV Cont. Gent., cap. XI; De Pot., q. 2, a. 3; q. 10, a. 2, ad 4, 5)

O segundo discute-se assim. – Parece que os atos nocionais são voluntários.
1. – Pois, diz Hilário: O Pai gerou o Filho, não levado por uma necessidade natural.
2. Demais. – Diz a Escritura (Cl 1, 13): Transferiu-nos para o reino de seu Filho muito amado. Ora, amar pertence à vontade. Logo, o Filho foi gerado do Pai, pela vontade.
3. Demais. – Nada é mais voluntário do que o amor. Ora, o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, como Amor. Logo, procede voluntariamente.
4. Demais. – O Filho, como Verbo, procede intelectualmente. Ora, todo verbo procede do dicente, pela vontade. Logo, o Filho procede do Pai pela vontade e não, pela natureza.
5. Demais. – O que não é voluntário é necessário; se, pois, não foi pela bondade que o Pai gerou o Filho, resulta que o gerou necessàriamente, o que vai contra Agostinho.
Mas, em contrário, diz Agostinho, que o Pai não gerou o Filho pela bondade, nem por necessidade.
SOLUÇÃO. – Quando dizemos que uma coisa existe ou a fazemos pela nossa vontade, isso pode se entender de duplo modo. De um modo, designando pela preposição só a concomitância; e assim posso dizer, que sou homem pela minha vontade, a saber, porque quero ser homem. E neste sentido podemos dizer que o Pai gerou o Filho, pela vontade, assim como é Deus pela vontade, pois quer ser Deus e quer gerar o Filho. De outro modo, importando a preposição a relação de princípio, e assim se diz que o artífice opera pela vontade, porque a vontade é o principio da obra. E deste modo dizemos que Deus Pai não gerou o Filho pela vontade, mas, produziu pela vontade a criatura. Donde o cânon do sínodo Sirmiense: Se alguém disser, que o Filho foi feito pela vontade de Deus, como qualquer das criaturas, seja anátema.
E a razão disto é que a vontade e a natureza, como causas, diferem, por ser esta determinada a um efeito, e aquela, não. Pois, o efeito é assimilado à forma pela qual o agente age. Ora, é manifesto, que uma coisa só tem uma forma natural, pela qual recebe o ser; por onde, age segundo o que é. Mas, a forma pela qual a vontade age não é somente uma, senão várias, segundo forem várias as noções inteligidas. Por isso, o que é feito pela vontade não se identifica com o agente, mas é tal qual o agente quer e entende que o seja. Assim, a vontade é princípio de efeitos, que podem se revestir de modalidades diferentes. Porém, daqueles que não têm senão um modo de ser, desses o princípio é a natureza.
Ora, o poder ser de um ou outro modo, absolutamente não convém à natureza divina; ao contrário, isso é próprio à essência da criatura; pois Deus existe necessariamente e por si, ao passo que a criatura foi feita do nada. Por isso os Arianos, querendo concluir que o Filho é criatura, disseram que o Pai o gerou pela vontade, entendendo por vontade o princípio. Nós, porém, devemos dizer que o Pai gerou o Filho, não pela vontade, mas pela natureza. Donde a explicação de Hilário: A vontade de Deus deu a natureza ao Filho, nascido de uma substância impassível e ingênita. Pois, todas as coisas foram criadas tais quais Deus as quis; porém o Filho, nascido de Deus, subsiste como convém a Deus.
RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A autoridade aduzida colhe contra os que privavam a geração do Filho também da concomitância da vontade paterna, dizendo, que o Pai gerou por natureza o Filho sem, todavia, nele existir a vontade de o gerar; do mesmo modo que nós padecemos muitas coisas por necessidade natural, contra a nossa vontade, como a morte, a velhice e misérias semelhantes. Ora, o contrário é bem claro pelo que precede e se segue. Pois aí se lê: O Pai não gerou o Filho, sem querer e quase coagido, ou levado por necessidade natural.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O Apóstolo chama a Cristo o Filho muito amado de Deus, por ser de Deus superabundantemente dileto; mas não por ser o amor o princípio da geração do Filho.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Também a vontade, como natureza, quer certas coisas, naturalmente; assim, a vontade do homem naturalmente tende à felicidade. E, semelhantemente, Deus quer-se e ama-se a si mesmo. Mas, quanto ao que é diferente de si, a vontade de Deus é livre, de certo modo, como dissemos (q. 19, a. 3). Porém, o Espírito Santo procede como Amor, enquanto Deus se ama a si mesmo. Por onde, procede, naturalmente, embora proceda ao modo da vontade.
RESPOSTA À QUARTA. – Mesmo nas concepções intelectuais, fazemos a redução aos primeiros princípios, que são naturalmente intelígidos. Ora, Deus naturalmente se intelige a si mesmo. Logo, neste sentido, a concepção do Verbo divino é natural.
RESPOSTA À QUINTA. – O necessário ou é essencial ou acidentalmente. – Acidentalmente, de duplo modo. Como por uma causa agente e necessitante; assim, dizemos ser necessário o que é violento. Ou como por causa final; assim o meio conducente ao fim se chama necessário, por não podermos, sem ele, alcançar o fim ou o alcançarmos como devemos. Ora, de nenhum destes modos a geração divina é necessária, porque Deus não existe para um fim, nem se concebe nele a coação. – Porém, diz-se necessário essencialmente o que não pode deixar de existir; assim é necessária a existência de Deus. E, deste modo é necessário que o Pai gere o Filho.

ART. III. – SE OS ATOS NOCIONAIS PROCEDEM DE ALGO


(I Sent., dist. V, q. 2; III, dist. XI, art. 1)

O terceiro discute-se assim. – Parece que os atos nocionais não procedem de algo.
1. – Pois, se o Pai gera o Filho de algo, ou é de si mesmo ou de algum outro. Se de algum outro, como o ser de que um outro é gerado está nesse outro, segue-se que há no Filho algo de alheio ao Pai. O que vai contra Hilário quando diz: Nada neles é diverso ou alheio. Ou então o Pai gera de si mesmo o Filho. Ora, aquilo de que alguma coisa é gerada recebe, sendo subsistente, a predicação dessa coisa; assim, dizemos que um homem é branco, porque permanece quando – de não branco se torna branco. Donde se segue, ou que o Pai não subsiste, gerado o Filho; ou que o Pai é o Filho; o que tudo é falso. Logo, o Pai não gera o Filho de algo, mas do nada.
2. Demais. – Aquilo de que alguma coisa é gerada é princípio dessa coisa. Se pois o Pai gera o Filho da Sua essência ou da sua natureza, segue-se que a essência ou a natureza do Pai é o princípio do Filho. Não, porém, princípio material, pois que em Deus não há lugar para a matéria. Logo, é um como princípio ativo, como o gerador é princípio do gerado. Donde resulta, que a essência gera; o que antes foi contestado (q. 39, a. 5).
3. Demais. – Agostinho diz, que as três Pessoas não provêm da mesma essência, por não diferirem a essência e a pessoa. Mas a Pessoa do Filho não é diferente da essência do Pai. Logo, o Filho não provém da essência do Pai.
4. Demais. – Toda criatura vem do nada. Ora, o Filho na Escritura, é chamado criatura; pois, nela se diz pela boca da Sabedoria gerada (Ecle 24, 5): Eu saí da boca do Altíssimo, a primogênita antes de todas as criaturas. E em seguida, pela boca da mesma Sabedoria (Ecle 24, 14): Eu fui criada desde o princípio e antes dos séculos. Logo, o Filho não foi gerado de algo, mas, do nada. E o mesmo se pode dizer, do Espírito Santo, segundo a Escritura (Zc 12, 1): Disse o Senhor que estendeu o céu e que fundou a terra e que formou o espírito do homem dentro nele. E ainda segundo outra letra (Am 4, 13): Eis quem forma os montes e quem cria o vento.
Mas, em contrário, Agostinho: Deus Pai gerou da sua natureza e sem início o Filho, seu igual.
SOLUÇÃO. – O Filho não foi gerado do nada, mas, da substância do Pai. Pois, como demonstramos (q. 27, a. 2; q. 33, a. 2 ad 3, 4; a. 3), a paternidade, a filiação e a natividade existem em Deus verdadeira e propriamente. Ora, entre a geração verdadeira, pela qual se procede como filho, e a produção, há a seguinte diferença: o produzir faz alguma coisa, da matéria exterior; assim, o artífice faz um escabelo, da madeira; ao passo que o homem gera um filho, de si mesmo. Mas assim como o artífice criado faz alguma coisa da matéria, assim Deus faz do nada, como a seguir se demonstrará (q. 45, a. 2); e não que se transforme o nada na substância da coisa, mas porque por si mesmo produz a substância inteira da coisa, sem pressuposição de nenhum outro ser. Se, pois, o Filho procedesse do Pai, tendo recebido a existência como provindo do nada, estaria para o Pai como o artificiado, para o artífice; e então é manifesto, que não lhe poderíamos atribuir a filiação propriamente dita, mas só segundo certa semelhança. Donde resulta que, se o Filho procedesse do Pai, como existindo do nada, não seria verdadeira e propriamente Filho, contrariamente ao que diz a Escritura (1 Jo 5, 20): Para que estejamos em seu verdadeiro Filho, Jesus Cristo. Logo, o verdadeiro Filho de Deus não procede do nada; nem é feito, mas somente gerado. E se certos se chamarem filhos de Deus, estes feitos do nada, sê-lo-á só metaforicamente, por alguma assimilação com aquele que verdadeiramente é Filho. Por isso, enquanto só ele é o verdadeiro e natural Filho de Deus, chama-se unigênito, segundo a Escritura (Jo 1, 18): O Filho unigênito, que está no seio do Pai, esse é quem o deu a conhecer. Porém, por semelhança com ele, os outros se chamam filhos adotivos, sendo ele chamado primogênito, por assim dizer metaforicamente, conforme a Escritura (Rm 8, 29): Os que ele conhece na sua presciência também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, para que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. Donde se conclui, que o Filho é gerado da substância do Pai, porém diferentemente dos filhos dos homens. Pois, parte da substância do gerador passa para a substância do filho. Ao contrário, a divina natureza é indivisível. Por onde, e necessariamente, o Pai, gerando o Filho, não lhe transfunde nada da sua natureza, mas lhe comunica a natureza inteira, permanecendo a distinção só pela origem, como vimos (q. 40, a. 2).
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Quando dizemos que o filho nasceu do Pai, a preposição de significa o principio generante consubstancial, não porém o princípio material. Pois, o que é produzido da matéria o é pela transmutação dela em alguma forma. Ora, a divina essência não é transmutável nem susceptível de outra forma.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Quando dizemos que o Filho é gerado da essência do Pai, isso significa, segundo a exposição do Mestre das Sentenças, a relação de um como princípio ativo. Eis as suas palavras: O Filho é gerado da essência do Pai, i. é, do Pai-essência; por isso, Agostinho ensina: O que afirmo do Pai-essência é como se expressamente o afirmasse da essência do Pai. – Mas isto não basta para explicar o sentido dessa locução. Pois, podemos dizer que a criatura vem de Deus-essência, sem que todavia proceda da essência de Deus. Por onde e de outro modo, podemos dizer que a preposição de sempre denota a consubstancialidade. Por isso, não dizemos que a casa procede do arquiteto, por não ser este causa consubstancial. Podemos, porém, dizer que uma coisa procede de outra, de qualquer modo que esta seja entendida como princípio consubstancial. Quer seja princípio ativo, como quando dizemos que o filho procede do pai; quer seja princípio material, como quando dizemos que o cutelo é de ferro; quer seja principio formal, somente nos seres em que as próprias formas são subsistentes e não, de proveniência intrínseca, podendo assim dizer, que um anjo é de natureza intelectual. E deste modo dizemos que o Filho é gerado da essência do Pai, enquanto esta, comunicada ao Filho pela geração, neste subsiste.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Quando dizemos que o Filho é gerado da essência do Pai – Fazemos um acréscimo pelo qual se pode conservar a distinção. Mas quando dizemos que as três Pessoas são da essência divina – nenhum acréscimo fazemos que possa implicar a distinção expressa pela preposição. Logo, não é o mesmo caso.
RESPOSTA À QUARTA. – Quando dizemos – a sabedoria é criada – podemos entendê-la, não da sabedoria que é o Filho de Deus, mas da sabedoria criada, que Deus infundiu nas criaturas. Assim, diz a Escritura (Ecle 1, 9-10): Ele mesmo é o que a criou, i. é, a sabedoria, no Espírito Santo, e a difundiu por todas as suas obras. Nem há inconveniente em referir-se a Escritura, num mesmo texto, à sabedoria gerada e à criada, porque esta é uma certa participação da sabedoria incriada. – Ou essa expressão pode referir-se à natureza criada assumida pelo Filho, sendo o sentido: Fui criada desde o início e antes de todos os séculos, i. é, fui prevista como devendo unir-me à criatura. – Ou, quando fala em sabedoria criada e gerada, insinua-nos o modo da geração divina. Pois na geração, ensina-nos, o gerado recebe a natureza do gerador, o que é uma perfeição; porém na criação, o criador não muda, mas o criado não recebe a natureza do criador. Por isso o Filho é considerado simultaneamente criado e gerado, deduzindo-se da criação a imutabilidade do Pai, e da geração a unidade da natureza no Pai e no Filho. E assim é exposto o sentido dessa passagem da Escritura por Hilário. Quanto às citações aduzidas, elas não falam do Espírito Santo, mas do espírito criado, que, ora é chamado vento, ora ar, ora sopro do homem, ora também alma, ou qualquer substância invisível.

ART. IV. – SE EM DEUS HÁ POTÊNCIA, QUANTO AOS ATOS NOCIONAIS


(I Sent., dist. VII. q. 1. a. 1; De Pot., q. 2. a. 1)

O quarto discute-se assim. – Parece que em Deus não há potência, quanto aos atos nocionais.
1. – Pois, toda potência é ativa ou passiva. Ora, nenhuma delas pode convir a Deus, quanto aos atos nocionais: a passiva nele não existe, como já se demonstrou (q. 25, a. 1); a ativa, por seu lado, não convém a uma Pessoa em relação à outra, por não serem feitas as Pessoas divinas, como se demonstrou (a. 3). Logo, em Deus não há potência, quanto aos atos nocionais.
2. Demais. – A potência é relativa ao possível. Ora, as Pessoas divinas não são do número dos possíveis, mas, dos necessários. Logo, quanto aos atos nocionais, dos quais as divinas Pessoas procedem, não se deve admitir potência em Deus.
3. Demais. – O Filho procede como Verbo, que é concepção do intelecto; porém o Espírito Santo procede como Amor, que pertence à vontade. Ora, em Deus, a potência é relativa aos efeitos e não, ao inteligir e querer, como se estabeleceu (q. 25, a. 1, ad 3, 4). Logo, em Deus deve-se admitir potência, em relação aos atos nocionais.
Mas, em contrário, Agostinho: Se Deus Pai não pôde gerar o Filho igual a si, onde está a onipotência de Deus Pai? Logo, em Deus. há potência, quanto aos atos nocionais.
SOLUÇÃO. – Assim como se admitem atos nocionais em Deus, assim também devemos admitir nele a potência, quanto a tais atos; pois, esta nada mais significa senão o principio de um ato. Portanto, assim como inteligimos o Pai, como princípio da geração, e o Pai e o Filho como princípio de inspiração, necessário é atribuirmos ao Pai a potência de gerar, e ao Pai e ao Filho, a de espirar. Porque a potência de gerar é o princípio pelo qual o gerador gera; pois, todo gerador gera por algum meio; por onde, é necessário admitir a potência de gerar em todo gerador. E, no espirante, a potência de espirar.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Assim como, quanto aos atos nocionais, nenhuma pessoa procede, como feita, assim também não há potência, em Deus, quanto aos atos nocionais, em relação à pessoa feita, mas só em relação à pessoa procedente.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O possível, enquanto se opõe ao necessário, resulta da potência passiva, que não existe em Deus. Por onde, nem em Deus há nada de possível, deste modo; mas só enquanto o possível está contido no necessário. E assim podemos dizer que, como é possível existir Deus, assim é possível o Filho ser gerado.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Potência significa princípio, e este importa distinção daquilo de que é princípio. Ora, há uma dupla distinção a fazer, no que dizemos de Deus: uma real e outra, apenas racional. Assim, realmente, Deus se distingue, por essência, das coisas de que é o princípio, pela criação; do mesmo modo que uma pessoa se distingue de outra, da qual é o princípio, pelo ato nocional. Mas a ação não se distingue do agente, em Deus, senão apenas pela razão; do contrário a ação seria nele um acidente. Logo, relativamente às ações pelas quais certas coisas procedem de Deus e são distintas dele, essencial ou pessoalmente, a potência pode ser atribuída a Deus, quanto à noção própria de princípio. Por onde, como admitimos em Deus a potência de criar, podemos também admitir a de gerar ou espirar. Ora, inteligir e querer não são atos tais, que designem a processão de alguma coisa, de Deus distinta, essencial ou pessoalmente. Por onde, quanto a tais atos, não se pode atribuir a noção de potência a Deus, senão apenas racionalmente e quanto ao modo de significar. Pois, em Deus, têm significações diversas o intelecto e o inteligir, embora o inteligir de Deus seja a sua essência, sem princípio.

ART. V. – SE A POTÊNCIA DE GERAR OU DE ESPIRAR SIGNIFICA A RELAÇÃO E NÃO A ESSÊNCIA


(I Sent., dist. VII, q. 1, a. 2; De Pot., q. 2, a. 2)

O quinto discute-se assim. – Parece que a potência de gerar ou de espirar significa a relação e não a essência.
1. – Pois, potência por definição significa princípio; assim, dizemos que a potência ativa é principio de agir, como se vê no Filósofo. Ora, a Deus, o princípio, quanto à pessoa só se lhe atribui nocionalmente. Logo, a potência, em Deus, não significa a essência, mas, a relação.
2. Demais. – Em Deus, não diferem o poder e o agir, Ora, geração, em Deus, significa relação. Logo, também a potência de gerar.
3. Demais. – O que em Deus significa a essência é comum às três pessoas. Ora, a potência de gerar não é comum às três pessoas, mas, própria ao Pai. Logo, não significa a essência. Mas, em contrário, assim como Deus pode gerar o Filho, assim também o quer. Ora, a vontade de gerar significa a essência. Logo, também a potência de gerar.
SOLUÇÃO. – Certos ensinaram que a potência de gerar significa relação, em Deus. – Mas tal não pode ser, pois potência propriamente se chama ao princípio pelo qual um agente age. Ora, todo agente que produz um efeito, pela sua ação, produz o que lhe é semelhante, quanto à forma pela qual age. Assim, o homem gerado é semelhante ao gerador, pela natureza humana, por cuja virtude o pai pode gerar um filho. Por onde, pela potência geratriz de qualquer gerador, este se assemelha ao gerado. Ora, o Filho de Deus se assemelha ao Pai gerador, pela natureza divina. Portanto, a natureza divina, no Pai, é a sua potência de gerar. Por isso, Hilário diz: A natividade de Deus não pode deixar de ter a natureza da qual se originou; e nem subsiste diferente de Deus, porque não subsiste por uma causa diferente de Deus.
Donde concluímos, que a potência de gerar significa principalmente a essência divina, como ensina o Mestre das Sentenças; e não somente, a relação ou a essência, enquanto idêntica à relação, de modo a significar igualmente esta e aquela. Pois, embora a paternidade seja expressa como forma do Pai, contudo é propriedade pessoal, estando para a pessoa do Pai como uma forma individual, para um indivíduo criado. Ora, a forma individual das coisas criadas constitui a pessoa generante; mas não é o principio pelo qual o generante gera; porque então Sócrates geraria a Sócrates Por onde, nem a paternidade pode ser concebida como o principio pelo qual o Pai gera; mas, como constituindo a pessoa do generante, sem o que o Pai geraria o Pai. Ora, o princípio pelo qual o Pai gera é a natureza divina, pela qual o Filho com ele se assimila. E neste sentido, Damasceno diz, que a geração é obra da natureza, não como generante, mas como o principio pelo qual o generante gera. Por onde, a potência de gerar significa diretamente a natureza divina, mas indiretamente, a relação.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A potência não significa a relação mesma de princípio, do contrário estaria no gênero da relação; mas significa princípio, não no sentido em que o agente o é, mas no em que o é aquilo pelo que o agente age. Ora, o agente distingue-se do seu efeito e o gerador, do gerado. Mas aquilo pelo que o gerador gera é comum ao gerado e ao gerador; e tanto mais perfeitamente quanto mais perfeita for a geração. Por onde, sendo a geração divina perfeitíssima, o princípio pelo qual o gerador gera é-lhe comum com o gerado, e com ele idêntico numericamente, como nos seres criados. Quando dizemos, pois, que a essência divina é o princípio pelo qual o gerador gera, não queremos significar que ela se distingue do gerado, como se concluiria se disséssemos que a essência divina gera.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como em Deus se identifica a potência de gerar com a geração, assim também a essência divina é realmente idêntica à geração e à paternidade; mas não, racionalmente.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Quando digo – potência de gerar, significo a potência diretamente, e, indiretamente, a geração, como se dissesse – essência do Pai. Por onde, quanto à essência significada, a potência de gerar é comum às três Pessoas; porém, quanto à noção conotada, é própria à Pessoa do Pai.

ART. VI. – SE O ATO NOCIONAL PODE TER COMO TERMO VÁRIAS PESSOAS, DE MODO A HAVER EM DEUS VÁRIAS PESSOAS GERADAS OU ESPIRADAS


(I Sent., dist. VII, q. 2; exposit. Litt.; De Pot., q. 2. a. 4: q, 9. a. 9, ad 1 sqq.)

O sexto discute-se assim. – Parece que os atos nocionais podem ter como termo várias pessoas, de modo a haver em Deus várias pessoas geradas ou espiradas.
1. – Pois, aquele que tem a potência de gerar pode gerar. Ora, o Filho tem a potência de gerar. Logo, pode gerar. Não porém a si mesmo. Portanto, a outro Filho. Logo, Deus pode ter vários filhos.
2. Demais. – Agostinho diz: O Filho não gerou o Criador. Pois, não que não pudesse, mas não convinha.
3. Demais. – Deus Pai é mais poderoso para gerar do que um pai criado. Ora, um homem pode gerar vários filhos. Logo, também Deus; tanto mais que a potência do pai não diminui, depois de ter gerado um filho. Mas, em contrário, em Deus não difere o ser, do poder; se, pois, Deus pudesse ter vários Filhos, eles existiriam. E assim existiriam nele mais de três pessoas, o que é herético.
SOLUÇÃO. – Como ensina Atanásio, em Deus há somente um Pai, um Filho, um Espírito Santo. – Do que podemos dar quatro razões. – A primeira é tirada das relações pelas quais unicamente as pessoas se distinguem. Pois, sendo as pessoas divinas as próprias relações subsistentes, não poderiam existir vários Pais ou vários Filhos, em Deus, sem existirem várias paternidades e várias filiações. O que certamente não seria possível senão pela distinção material das coisas; pois, as formas específicas só se multiplicam pela matéria, que não existe em Deus. Por onde, em Deus, não pode existir mais de uma filiação subsistente, assim como a brancura subsistente não pode ser senão uma. – A segunda é tirada das processões. Porque Deus intelige e quer todas as coisas por um ato simples e uno. Por onde, não pode haver senão uma pessoa procedente ao modo do verbo, que é o Filho; e senão uma ao modo do amor, que é o Espírito Santo. – A terceira é tirada do modo de proceder. Porque as pessoas procedem naturalmente, como se disse (a. 2), pois a natureza é determinada a um só efeito. – A quarta é tirada da perfeição das pessoas divinas. Pois, o Filho é perfeito por conter totalmente a filiação divina, porque só há um Filho. E o mesmo se deve dizer das outras pessoas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Embora absolutamente falando, devamos conceder que a potência que tem o Pai também a tem o Filho, não podemos contudo conceder que o Filho tenha a potência de gerar, se a expressão verbal generandi for gerúndio de um verbo ativo, sendo o sentido, que o Filho tenha a potência para gerar. Pois, embora o ser seja o mesmo, do Pai e do Filho, todavia não convém ao Filho ser Pai, por causa do adjunto nocional. Se, porém, a expressão verbal generandi corresponder a um gerúndio de um verbo passivo, tem o Filho a potência de gerar, isto é, de ser gerado. E semelhantemente, se corresponder ao gerúndio de um verbo impessoal, sendo o sentido – potência de gerar, isto é, pela qual é gerado por alguma pessoa.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Agostinho, com as palavras citadas, não pretende afirmar que o Filho possa gerar o Filho; mas, que não é por impotência que o Filho não gera, como a seguir se verá (q. 42, a. 6 ad 3).
RESPOSTA À TERCEIRA. – A imaterialidade e a perfeição divina requerem que não possam existir vários Filhos em Deus, como já se disse. Donde, o não existirem vários Filhos não é por impotência do Pai, para gerar.