QUESTÃO V — DO BEM EM GERAL
Em seguida, devemos tratar do bem. Primeiro, do bem em geral; segundo, da bondade de Deus; na primeira questão discutem-se seis artigos:
- Se o bem e o ser constituem uma só realidade;
- Suposto que difiram só pela razão, qual é o primeiro na ordem racional — o bem, ou o ser;
- Suposto que o ser seja o primeiro, se todo o ser é bom;
- A que causa se reduz a noção do bem;
- Se a essência do bem consiste no modo, na espécie e na ordem;
- Da divisão do bem em honesto, útil e deleitável.
ART. I — SE O BEM DIFERE REALMENTE DO SER
O primeiro discute-se assim. — Parece que o bem difere realmente do ser.
1. — Pois diz Boécio: Vejo que, nas coisas, difere o ser do bem. Logo, ser e bem diferem realmente.
2. Demais. — Nenhum ser se dá forma a si mesmo. Ora, o bem se concebe como informação do ser, como se vê no Comentador. Logo, o bem difere realmente do ser.
3. Demais. — O bem é susceptível de mais e de menos, e o ser não o é. Logo, este difere realmente daquele.
Mas, em contrário, Agostinho: Somos bons na medida em que somos.
SOLUÇÃO. — O bem e o ser, realmente idênticos, diferem racionalmente, o que assim se demonstra. A essência do bem consiste em tornar alguma coisa desejável; pois, por isso, diz o Filósofo, que o bem é o que todas as coisas desejam. Ora, é claro que uma coisa é desejável na medida em que é perfeita, pois todos os seres desejam a própria perfeição. E como um ser é perfeito na medida em que é atual, é claro que é bom na medida em que é ser, pois o ser é a atualidade das coisas, como resulta manifestamente do que já se disse. Por onde, é claro, que o bem e o ser são realmente idênticos; mas, o bem acrescenta à noção de ser a de desejável, que lhe é estranha.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora o ser e o bem sejam na realidade idênticos, contudo, como racionalmente diferem, essas duas noções não têm, tomadas em absoluto, a mesma significação. Pois, como o ser significa, propriamente, o que é atual, e o ato, em sentido próprio, se ordena à potência, é ente, absolutamente falando, o que se distingue, primariamente da potência pura. Ora, tal é o caso de toda realidade substancial; e, por isso, pelo seu ser substancial, é que uma coisa é chamada ente, em sentido absoluto. Pelos atos que se lhe acrescentarem, porém, é chamada ser, de certo modo; assim, ser branco exprime o ser sob determinado aspecto, porque o tornar-se branco, advindo ao já atualmente preexistente, não elimina nenhum estado potencial absoluto. Mas, bem significa perfeição desejável e, por conseqüência, refere-se a um estado último. Por onde, o que tem a perfeição última se chama o bem perfeito absoluto. Aquilo, porém, que não tem essa perfeição, que deve ter, embora tenha a perfeição proveniente da atualidade, não é considerado, contudo, absolutamente, nem perfeito, nem bom, senão só relativamente. Assim, pois, pelo seu ser primeiro, e que é substancial, uma coisa é considerada ser, no sentido absoluto da palavra, e boa relativamente, isto é na medida em que é ser. Pelo contrário, quanto ao último ato, é considerada ser, relativamente, e boa, absolutamente. Por onde, o dito de Boécio, que nas coisas, difere o ser, do bem, deve ser referido ao bem e ao ser, tomados absolutamente; pois, pelo ato primeiro, uma coisa é ser, absolutamente, como, pelo ato último é bem, em sentido absoluto. E contudo, pelo ato primeiro, é bem, de certo modo, assim como, de certo modo é ente, quanto ao último ato.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O bem se concebe como informação, quando considerado, em sentido absoluto, quanto ao último ato.
E semelhantemente, deve-se responder à terceira objeção, que o bem é susceptível de mais e de menos, enquanto ato superveniente, p. Ex., como ciência ou virtude.
ART. II – SE O BEM É LOGICAMENTE ANTERIOR AO SER
O segundo discute-se assim. — Parece que o bem é logicamente anterior ao ser.
1. — Pois a ordem dos nomes é relativa ao que significam. Ora, entre os nomes de Deus, Dionísio coloca o bem, antes do ser. Logo, aquele é logicamente anterior a este.
2. Demais. — Devemos considerar como primeira a noção que se estende a maior número de objetos. Ora, o bem tem maior extensão que o ser; pois, como diz Dionísio, o bem se estende ao que existe e ao que não existe, ao passo que o ser, só ao que existe. Logo, o bem é logicamente anterior ao ser.
3. Demais. — O que é mais universal tem, logicamente prioridade. Ora, o bem é mais universal que o ser, porque é, por natureza, desejável, e certos desejam mesmo o não-ser, como diz a Escritura (Mt. 26,24): Melhor fora ao tal homem não haver nascido, etc. logo, o bem é logicamente anterior ao ser.
4. Demais. — não só o ser é desejável, mas também a vida, a sabedoria e coisas semelhantes. Por onde se vê, que o ser é um caso particular do desejável, do qual o bem exprime o aspecto universal. Logo, o bem é logicamente anterior ao ser.
Mas, em contrário, diz o livro De Causis: A primeira das coisas criadas é o ser.
SOLUÇÃO. — O ser é logicamente anterior ao bem. Pois a noção que o nome significa é aquilo que a inteligência concebe a respeito do objeto e que exprime pela palavra. Ora, é anterior logicamente aquilo que o intelecto concebe em primeiro lugar; e isto é o ser, porque uma coisa é cognoscível na medida em que é atual, como diz Aristóteles. Por onde, o ser é o objeto próprio do intelecto e, portanto, é o primeiro inteligível, assim como o som é o primeiro audível. Logo, logicamente o ser é anterior ao bem.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Dionísio considera os nomes divinos e os classifica enquanto se referem à causalidade divina; pois diz, designamos a Deus pelas criaturas, como a causa, pelos efeitos. Ora, o bem, sendo de natureza desejável, implica relação de causa final, cuja causalidade é a primeira de todas; pois o fim é considerado causa das causas porque faz agir o agente, que, por sua vez, move a matéria para a forma. E assim, no causar, o bem é anterior ao ser, como o fim, à forma; e é por isso que, entre os nomes designativos da causalidade divina, o bem vem antes do ser. — Por outro lado, os Platônicos, não distinguindo a matéria da privação, e considerando-a não-ser, davam maior extensão à participação do bem que à do ser; mas como a matéria prima participa do bem, para o qual tende, e como nada tende senão para o semelhante, a matéria dos platônicos, sendo não-ser, não participa do ser. E por isso diz Dionísio que o bem se estende ao que não existe.
Donde se deduz clara a resposta à segunda objeção — Ou também se pode dizer que o bem se estende ao existente e ao não-existente; não, pela predicação, mas, pela causalidade; e, assim, devemos entender por não-existente, não o que absolutamente não existe, mas o que, sendo potencial, está privado da atualidade. Pois o bem exerce a função de fim, no qual repousa o que já é atual e para o qual se move o que, ainda não estando atualizado, é potencia pura. O ser, porém, implica somente a relação de causa formal e inerente ou exemplar; ora, essa causalidade só se estende ao que já é atual.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O não-ser é desejável, não por si, mas acidentalmente, enquanto é desejável a suspensão de um mal, a qual se dá pelo não-ser. — Mas, a eliminação do mal só é desejável por privar de algum ser; e, portanto, este é que é desejável em si, ao passo que o não-ser o é só acidentalmente, enquanto o homem deseja um certo ser cuja privação não suporta. E, neste sentido, se diz que o não-ser é um bem acidentalmente.
RESPOSTA À QUARTA. — A vida, a sabedoria e causas semelhantes são desejadas enquanto atuais; o que em tudo isso se deseja é um certo ser. E assim, só o ser é desejável e, por conseqüência, só ele é bom.
ART. III — SE TODO O SER É BOM
O terceiro discute-se assim. — Parece que nem todo ser é bom.
1. — Pois a idéia de bem acrescenta alguma coisa à de ser, conforme do sobredito resulta; e, portanto a restringe, como o faz a substância, a quantidade, a qualidade e atributos semelhantes. Se, pois, a idéia de bem restringe a de ser, nem todo ser é bom.
2. Demais. — Nenhum mal é bom, pois diz a Escritura (Is. 5, 20): ai de vós os que ao mal chamais bem, e ao bom mau! Ora, há seres maus. Logo, nem todo ser é bom.
3. Demais. — O bem é por natureza desejável. Ora, tal não é a natureza da matéria prima, que é, somente, uma tendência ou um desejo. Logo, ela não é boa por natureza e, por tanto, nem todo ser é bom.
4. Demais. — Como diz o Filósofo, na ordem matemática não há bem. Ora, as idéias matemáticas são seres, pois, do contrario não constituiriam ciência. Logo, nem todo ser é bom.
Mas, em contrario. — Tudo o que não é Deus é criatura de Deus. Ora, toda criatura de Deus é boa, como diz a Escritura, (I Tm. 4, 4); e Deus mesmo é o máximo bem. Logo, todo ser é bom.
SOLUÇÃO. — Todo ser, como tal, é bom, pois é atual e, de certo modo, perfeito, porque toda atualidade é perfeição. Ora, esta, sendo, por natureza desejável e boa, como do sobredito resulta, conclui-se daí, a bondade de todo ser.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A substância, a quantidade, a qualidade e tudo o que nelas se contém, restringem o ser, aplicando-o a alguma quididade ou natureza. Assim, o bem nada acrescenta ao ser senão o atributo de desejável e perfeito, o que convém a este em qualquer natureza em que se encontre. Por onde, o bem não restringe o ser.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Nenhum ser é como tal, considerado mau, mas enquanto tem alguma deficiência; assim, considera-se mau o homem sem virtude, como a vista sem penetração.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A matéria prima, sendo ser potencial, também é bem potencial. E embora, com os platônicos, se possa dizer que ela é não-ser, por causa da privação que lhe é adjunta, contudo, participa algo do bem, a saber, a sua ordenação ou aptitude para o mesmo. E, por isso, não lhe convém o ser desejado, mas, o desejar.
RESPOSTA À QUARTA. — As idéias matemáticas não subsistem realmente separadas, pois, se subsistissem, o ser mesmo delas seria um bem. São separáveis só racionalmente, enquanto abstraídas do movimento e da matéria; e, assim, são estranhas ao fim, que tem natureza motora. E nem é inconveniente haver algum ser que nosso espírito não identifica com o bem, porque a noção de ser é anterior a de bem, como já se disse.
ART. IV — SE O BEM TEM, ANTES, A NATUREZA DA CAUSA FINAL DO QUE AS DEMAIS CAUSAS
O quarto discute-se assim. — Parece que o bem tem mais a natureza das outras causas do que a da final.
1. — Pois, como diz Dionísio, o bem é louvado como belo. Ora, este implica a natureza da causa formal. Logo, o bem implica igualmente essa natureza.
2. Demais. — O bem é difusivo de si, como resulta das palavras de Dionísio, dizendo: pelo bem é que tudo subsiste e é. Ora, ser difusivo implica a natureza de causa eficiente. Logo, o bem tem a natureza dessa causa.
3. Demais. — Diz Agostinho que nós existimos porque Deus é bom. Ora, nós existimos porque Deus é a nossa causa eficiente. Logo, o bem implica a natureza de tal causa.
Mas, em contrário, diz o Filósofo: Aquilo para o que alguma coisa existe é o fim e o bem de tudo o mais. Logo, o bem tem a natureza de causa final.
SOLUÇÃO. — Sendo o bem aquilo que todos os seres desejam, e implicando isto a idéia de fim, é claro que o bem implica essa mesma idéia, mas também a de causa eficiente e de causa formal. Pois vemos que aquilo que é primeiro no causar, é último no efeito; assim o fogo aquece antes de comunicar sua forma, embora esta lhe resulte da sua forma substancial. Assim, na ordem da causalidade, primeiro, vem o bem e o fim, que move a causa eficiente; depois, ação desta, que move para a forma; e, terceiro, sobrevém a forma. E universalmente, quanto ao efeito: primeiro, vem a forma, que determina o ser; segundo, nessa forma descobrimos uma virtude ativa, própria do ser enquanto perfeito, pois é perfeito o que pode produzir algo de semelhante a si, como diz o Filósofo; terceiro, segue-se a noção do bem, pela qual a perfeição se funda no ser.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O belo e o bem considerados em relação ao sujeito, se identificam, porque têm o mesmo fundamento — a forma; e, por isso, o bem é louvado como belo. Mas, racionalmente, diferem, pois o bem, propriamente, se refere ao apetite, sendo o que todos os seres desejam; e, portanto, exerce a função de fim, porque o apetite é um como que movimento para a realidade. O belo, porém, diz respeito à faculdade cognoscitiva, pois, chamam-se belas às coisas, que, vistas, agradam. E, por isso, o belo consiste na proporção devida; pois os sentidos se deleitam com os seres, devidamente proporcionados, como se lhes fossem semelhantes; porque eles, ao modo de toda virtude cognoscitiva, são, de certa maneira, proporção. Ora, o conhecimento implicando assimilação, e esta supondo uma forma, o belo depende, propriamente, da noção de causa formal.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O bem é considerado difusivo de si, no mesmo sentido em que se diz que o fim move.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O ser dotado de vontade é considerado bom se a tem boa, porque, por meio da vontade é que usamos de todas as nossas faculdades; e por isso não se chama bom o homem que tem bom intelecto, mas o que tem a vontade boa. Pois a vontade visa o fim como objeto próprio; e assim, a expressão — nós existimos porque Deus é bom — refere-se à causa final.
ART. V — SE A NOÇÃO DE BEM IMPLICA O MODO, A ESPÉCIE E A ORDEM
O quinto discute-se assim. — Parece que a noção de bem não implica o modo, a espécie e a ordem.
1. — Pois o bem e o ser diferem racionalmente, como já se disse. Ora, o modo, a espécie e a ordem parece pertencerem à noção de ente; pois, diz a Escritura (Sb. 11, 21): Todas as coisas dispuseste com medida, e conta, e peso, reduzindo-se a esta trindade a espécie, o modo e a ordem; e, como diz Agostinho — A medida determina o modo a cada coisa, o número dá-lhe espécie, e o peso a atrai para o repouso e a estabilidade. Logo, a noção de bem não implica o modo, a espécie e a ordem.
2. Demais. — O modo, a espécie e a ordem são bens. Ora, se a noção de bem os implicasse, o modo também seria modo, espécie e ordem, o mesmo se dando com a espécie e com a ordem; o que seria proceder ao infinito.
3. Demais. — o mal é privação do modo, da espécie e da ordem. Ora, ele não elimina totalmente o bem. Logo, a noção de bem não consiste no modo, na espécie e na ordem.
4. Demais. — Aquilo que implica a noção de bem não pode ser chamado mal. Oram diz-se mau modo, má espécie, má ordem. Logo, a noção de bem não implica o modo, a espécie e a ordem.
5. Demais. — O modo, a espécie e a ordem, são causados pelo peso, pelo número e pela medida, como se vê no passo aduzido de Agostinho. Ora, nem todos os bens tem peso, número e medida, pois diz Ambrósio: é da natureza da luz não ter sido criada com número, peso e medida. Logo, a noção de bem não consiste no modo, na espécie e na ordem.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Estas três coisas — o modo, a espécie e a ordem, — existem nas coisas feitas por Deus como bens gerais; e assim, onde elas são grandes os bens são grandes; onde pequenas, também eles são pequenos e, onde não existem, nenhum bem existe. Ora, tal não se daria se a noção de bem as implicasse. Logo, esta noção implica o modo, a espécie e a ordem.
SOLUÇÃO. — Um ser é considerado bom na medida em que é perfeito, pois, nessa mesma, é desejável, como já se demonstrou. Ora, consideramos como perfeito aquilo a que nada falta, segundo o modo da sua perfeição. E como pela forma é que cada ser é o que é, e esta tem as suas pressuposições e as suas conseqüências necessárias, para um ente ser perfeito e bom é necessário que tenha a forma, com o que ela preexige a determinação ou comensuração ou dos seus princípios, materiais ou eficientes; e isso é expresso pela palavra modo, dizendo-se, por isso, que a medida determina o modo. A forma mesma, por sua vez, é expressa pela palavra espécie, porque é a forma que constitui cada ser na sua espécie; e se diz que o número dá a espécie porque as definições, que a significam, são como os números, segundo o Filósofo. Pois, assim como a unidade adicionada ou subtraída ao número faz-lhe variar a espécie, assim, as diferenças apostas ou subtraídas às definições. Da forma, em último lugar, resulta a tendência para um fim, para a ação ou para algo semelhante, porque o ser atual age e tende para o que formalmente lhe convém; o isso pertence ao peso e à ordem. Por onde a noção de bem, implicando a perfeição, há de implicar o modo, a espécie e a ordem.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A divisão do bem em questão não resulta do ser enquanto perfeito e, como tal, bom.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O modo, a espécie e a ordem chamam-se bens da mesma maneira porque se chamam entes; não por serem como subsistentes, mas por fazerem com que certas coisas sejam entes e boas. Mas, por isso, não é necessário tenham outros atributos, pelos quais sejam bons, pois são considerados tais, não em virtude de uma informação estranha, mas por serem a razão formal de certas coisas serem boas. Assim, dizemos que a brancura é um ser, não porque sejam em si mesma, um princípio de ser, mas porque faz um sujeito ser, sob certo ponto de vista, i. é, branco.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Um ser corresponde a uma determinada forma; por onde, quantos modos de ser tiver um sujeito, tantas vezes haverá lugar para o modo, a espécie e a ordem. Assim, um homem realiza uma vez essa trindade enquanto homem, outra, enquanto branco, outra enquanto virtuoso, enquanto sábio e enquanto ao mais que se possa dizer dele. O mal, porém, priva de um desses modos de ser; p. ex., a cegueira, privando da vista, não elimina totalmente o modo, a espécie e a ordem, mas, só na medida em que resultem do ser dela.
RESPOSTA À QUARTA. — Como diz Agostinho, todo modo, como tal, é bom, o mesmo podendo-se afirmar da espécie e da ordem; mas, o mau modo, a má espécie ou a má ordem chamam-se assim por serem menores, que o que deveriam ser; ou por se não acomodarem às coisas a que se deviam acomodar, considerando-se, portanto, maus por seres não adaptados e incongruentes.
RESPOSTA À QUINTA. — Diz-se que a natureza da luz é sem número, peso e medida, não absolutamente, mas por comparação com as coisas corpóreas; pois a virtude da luz atinge a todos os seres corpóreos, como qualidade ativa do céu, que é o primeiro corpo alterante.
ART. VI — SE O BEM SE DIVIDE ADEQUADAMENTE EM HONESTO, ÚTIL E DELEITÁVEL
O sexto discute-se assim. — Parece que o bem não se divide adequadamente em honesto, útil e deleitável.
1. — Pois o bem, como diz o Filósofo, se reparte pelos dez predicamentos. Ora, o honesto, o útil e o deleitável, podem-se encontrar num só. Logo, tal divisão não é adequada.
2. Demais. — Toda divisão se faz por contrariedades. Ora, as três partes da divisão supra não são contrárias; pois o honesto também é deleitável e nada de desonesto é útil, como também diz Túlio. Logo, tal divisão não é adequada.
3. Demais. — Quando uma coisa tem sua razão de ser em outra, ambas não constituem mais que uma. Ora, o útil é bom, só por causa do deleitável ou do honesto. Logo, não deve ser-lhes considerado contrário, na divisão.
Mas, em contrario, Ambrosio aceita esta divisão do bem.
SOLUÇÃO. — Esta divisão é propriamente do bem humano. Mas serve também, propriamente, para o bem como tal, se considerarmos essa noção mais alta e largamente. Pois é bem aquilo que é desejável e termo do movimento do apetite, termo que pode ser apreciado conforme o movimento dos corpos naturais. Ora, o movimento de um corpo natural acaba, absolutamente falando, no seu último termo; relativamente, porém, no termo médio, pelo qual chega ao último; e assim, chama-se termo de um movimento qualquer ponto em que uma parte dele acaba. Porém, o termo último do movimento pode ser tomado, em sentido amplo, como a causa mesma para o qual ele tende, p. ex., o lugar ou a forma; ou como o repouso na mesma. Por onde, chama-se útil o que é desejável e termina o movimento do apetite, relativamente, como meio de tender a outra coisa. Honesto se chama ao que é desejado com uma coisa, que termina total e ultimamente o movimento do apetite, à qual, em si mesma este tende; pois, honesto se denomina aquilo que é desejado em si mesmo. A deleitação, por fim, é o que termina o movimento do apetite, como repouso na coisa desejada.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O bem, enquanto tem o mesmo sujeito que o ente, se reparte pelos dez predicamentos; mas em na sua noção própria, aplica-se-lhe a divisão supra.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A referida divisão não se estabelece por contrariedades reais, mas, nocionais. — Assim, chama-se propriamente deleitável aquilo que nada tem de desejável, além da deleitação; podendo ser, às vezes, nocivo e desonesto. Útil é chamado aquilo que é desejado, não por si mesmo, mas só enquanto conducente a outra coisa, como p. ex., tomar um remédio amargo. Honesto, por fim, o que é desejado em si mesmo.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Ao bem se aplica a tripartida divisão supra, não como se ele fosse unívoco, isto é, predicado igualmente de cada um dos três termos; mas, como análogo, que se predica por prioridade e posteridade. Assim, é predicado, primariamente, do honesto; secundariamente, do deleitável e, em terceiro lugar, do útil.
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