quarta-feira, 21 de julho de 2010

Capítulo VIII

CAPÍTULO VIII

Porém, os mártires venceram esse apêgo ao próprio corpo, em sua luta pela verdade.

Não é de surpreender que tenham desprezado as honras reservadas aos seus despojos.

Só estariam insensíveis a elas após a morte, pois enquanto viviam e tinham sensibilidade, não se deixaram vencer pelo suplício.

O Senhor não permitiu ao leão tocar no cadáver daquele homem de Deus, morto por essa mesma fera assassina que logo depois se tornou seu guardião.

Do mesmo modo, Deus poderia, se quisesse, ter afastado os cadáveres de seus fiéis dos cães aos quais foram jogados.

Ele poderia, de mil maneiras, dominar a crueldade dos carrascos, impedindo-os de queimar aqueles corpos e dispersar suas cinzas.

Porém, foi necessário que essa provação se acrescentasse ainda à múltipla diversidade das tribulações, a fim de que a firmeza da ferocidade da perseguição, armada contra o corpo deles, não temesse diante da privação das honras fúnebres do sepultamento.

Em outras palavras: era necessário que a fé na ressurreição não fosse abalada pela destruição do corpo.

Logo, todas essas provações foram permitidas para que os mártires, após demonstrarem tão grande coragem nos sofrimentos, se tornassem ainda mais fervorosos para confessar a Cristo, tornando-se testemunhas também desta verdade: os que matam o corpo, nada mais podem fazer.

Qualquer que seja o tratamento imposto aos corpos sem vida, em nenhum efeito resultará pois sendo o corpo desprovido de vida, que se separou dele, nada mais pode sentir.

E aquele que o criou nada pode perder.

Mas enquanto tratavam com tanta crueldade os corpos das vítimas - e os mártires suportavam com grande coragem tais tormentos - entre os irmãos erguia-se grande lamentação.

Estavam aflitos por não terem a liberdade para prestar os deveres fúnebres aos santos, como é de justiça.

A vigilância dos guarda proibia-os de subtrair às escondidas algum resto mortal desses mártires, como nos atesta a mesma História.

Após sua morte, os mártires não padeciam mais nenhum sofrimento, nem mesmo do esfacelamento dos seus membros, nem das chamas que transformaram em cinzas os seus ossos, e nem da dispersão destas cinzas.

Mas os cristãos eram atormentados por grande dor e piedade por não poderem sepultar a mínima porção de suas relíquias.

Eles sentiam em sua misericordiosa compaixão todos os sofrimentos que aqueles mortos não mais podiam experimentar.

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