CAPÍTULO IX
Foi graças a esse sentimento de misericordiosa compaixão, que acabo de citar, que o rei Davi louvou e bendisse aqueles que caridosamente forneceram uma sepultura aos ossos secos de Saul e Jônatas.
Mas que tipo de caridade se pode testemunhar para com aqueles que nada mais sentem? Seria, por acaso, retornar àquela concepção de que os falecidos privados da sepultura não podem cruzar o rio do Hades?
Rejeitamos essa idéia contrária à fé cristã!
De outra maneira, teríamos que considerar que o pior castigo imposto aos mártires fora justamente o fato de terem sido privados da sepultura e, nesse caso, a Verdade os teria enganado ao dizer: "Não temais aqueles que matam o corpo e depois disso nada mais podem fazer", pois seus perseguidores teriam conseguido impedir-lhes de chegar à morada tão desejada.
Isso tudo é de uma falsidade evidente: os fiéis nada sofrem por estarem privados da sepultura da mesma forma como os infiéis nada aproveitam por a receberem.
Perguntemo-nos, então, por que aqueles que enterraram Saul e seu filho Jônatas foram louvados, por executarem uma obra de misericórdia, e abençoados pelo piedoso rei Davi...
Ocorre que os corações piedosos obedecem a uma boa inspiração quando, levados pelo sentimento de que "ninguém odeia a própria carne", sofrem ao verem os cadáveres dos outros receberem maus cuidados, pois não gostariam que seu próprio corpo sem vida recebessem tal tratamento.
E o que desejam que lhes proporcionem quando não mais existirem, cuidam de proporcionar aos que já não existem, enquanto eles mesmos ainda gozam dos sentidos.
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