quarta-feira, 14 de julho de 2010

Capítulo VII

CAPÍTULO VII


Existe no coração humano um sentimento natural que não permite ninguém detestar sua própria carne. Assim, se alguém vem a saber que, após sua morte, seu corpo não receberá as honras de sepultura, conforme o costume de cada raça e nação, sente-se perturbado como homem.

Teme que seu corpo, antes da morte, não atinja o destino pretendido após a morte.

É isto que lemos no livro dos Reis, quando Deus envia um profeta a outro profeta (um homem de Deus) que havia transgredido a Sua Palavra, para anunciar-lhe que seu corpo, como castigo, não seria levado à sepultura de seus pais.

Eis o que diz as Escrituras: "Aquele profeta disse ao homem de Deus que tinha vindo de Judá: 'Eis o que diz o Senhor: porque não obedeceste à Palavra do Senhor e não guardaste o mandamento que o Senhor, teu Deus, havia te imposto, voltando e comendo pão e tomando água, o teu cadáver não será levado ao sepulcro de teus pais'".

Medindo a importância desta punição em relação ao Evangelho - onde está escrito que, estando morto o corpo, os membros nada devem temer - não podemos dizer que isso tenha sido uma punição, exceto se considerarmos o amor que todo homem tem por sua própria carne: o profeta, em vida, com certeza sentiu temor e tristeza com a idéia de um tratamento que não poderia sentir após a morte.

E era justamente essa a sua punição; esse sentimento de dor diante da idéia do que sofreria o seu corpo, ainda que, de fato, não viesse a sofrer em absoluto no momento em que a ameaça se concretizasse.

Ora, o Senhor quis apenas punir a desobediência do seu servo, não por má vontade, mas por ter sido enganado pela mentira de um outro profeta. Não se pode pensar que a mordida da fera selvagem o tenha matado para que a sua alma fosse lançada no Inferno, pois o mesmo leão que o agredira montou guarda de seu corpo, sem fazer mal algum ao jumento que assistia destemidamente ao funeral do seu dono, ao lado da terrível fera. Esse fato notável é sinal de ter sofrido o profeta tal morte como castigo temporal e não como punição eterna.

O Apóstolo lembra que muitos são punidos com doença ou morte por causa de seus pecados, fazendo esta observação: "Se nos examinássemos a nós mesmos, não seríamos julgados; mas com seus julgamentos, o Senhor nos corrige, para que não sejamos condenados com o mundo".

O velho profeta, que enganara o homem de Deus, sepultou-o com muita honra e tomou os procedimentos necessários para que, mais tarde, ele mesmo fosse sepultado junto a aquele. Esperava que aqueles ossos encontrariam graça quando chegasse o tempo em que, conforme a profecia do homem de Deus, Josias, rei de Judá, exumaria os ossos de muitos mortos para profanar com eles os altares sacrílegos erguidos aos ídolos. Contudo, passados mais de 300 anos, Josias poupou o sepulcro onde havia sido enterrado o homem de Deus que predissera esse fato. E, assim, graças a esse homem de Deus, a sepultura do profeta que o enganara não foi violada.

O efeito que leva alguém a odiar a própria carne, o havia feito prever o destino do seu corpo, mesmo tendo matado sua alma por uma mentira.

Cada um ama sua própria carne por instinto. Assim, um profeta sofreu à idéia de que não iria repousar no sepulcro de seus pais e o outro tomou o cuidado de prover à segurança de seus ossos, fazendo-se enterrar em sepulcro que ninguém haveria de violar.

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