sexta-feira, 30 de abril de 2010

Questão XXXII - Do conhecimento das pessoas divinas

QUESTÃO XXXII — DO CONHECIMENTO DAS PESSOAS DIVINAS


Em seguida devemos tratar do conhecimento das Pessoas divinas. E nesta questão discutem-se quatro artigos:
  1. Se pela razão natural podemos conhecer as Pessoas divinas;
  2. Se devemos atribuir algumas noções às Pessoas divinas;
  3. Do número das noções;
  4. Se é lícito opinar diversamente sobre as noções.

ART. I. — SE PODEMOS CONHECER A TRINDADE DAS PESSOAS DIVINAS PELA RAZÃO NATURAL


(I Sent., dist. III, q. 1, a. 4; De Verit., q. 10, a. 13; in Boet. De Trin., q. 1, a. 4; ad Rom., cap. I, lect. VI)

O primeiro discute-se assim. — Parece que a Trindade das divinas Pessoas pode ser conhecida pela razão natural.
1. — Pois, os filósofos não chegaram ao conhecimento de Deus senão pela razão natural. Ora, disseram muitas coisas sobre a Trindade das Pessoas. — Assim, diz Aristóteles: Com este número ternário, aplicamo-nos a magnificar o Deus uno, superior às propriedades das coisas criadas. — E Agostinho também diz: Aí li (nos livros dos Platônicos), não certamente com estas palavras, mas exatamente com este sentido, que no princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus, e Deus era o Verbo, e o mais que se segue; ora, tais palavras ensinam a distinção das Pessoas divinas. — E por sua vez diz a Glosa, que os magos do Faraó erraram no terceiro sinal, a saber, no conhecimento da terceira Pessoa, i. é, o Espírito Santo; e portanto conheceram pelo menos duas. — E enfim o Trimegisto diz: A mónada gerou a mónada, e em si refletiu o seu ardor; por onde declara a geração do Filho e a processão do Espírito Santo. Logo, podemos ter conhecimento das Pessoas divinas, pela razão natural.
2. Demais. — Ricardo de S. Vitor diz: Creio sem dúvida que a qualquer explanação da verdade não somente não faltam os argumentos prováveis, mas, nem os necessários. Donde, as razões para provar a Trindade das Pessoas alguns as foram buscar no infinito da bondade divina, que a si mesma infinitamente se comunica, na processão das divinas Pessoas. Outros, porém, foram-nas buscar no fato de não poder ser agradável a posse de nenhum bem, sem a coparticipação de outrem. Porém Agostinho, para manifestar a Trindade das Pessoas, parte da processão do verbo e do amor em a nossa mente; e essa via nós a seguimos no que antes dissemos. Logo, pela razão natural pode ser conhecida a Trindade das Pessoas.
3. Demais. — É supérfluo revelar ao homem o que ele não pode conhecer pela sua razão. Ora, não se pode dizer, que a revelação divina, quanto ao conhecimento da Trindade, seja supérflua. Logo, a Trindade das Pessoas pode ser conhecida pela razão humana.
Mas, em contrário, Hilário: Não pense o homem poder alcançar com a inteligência o sacramento da geração. E Ambrósio: É impossível conhecer o segredo da geração: a mente falha, a palavra emudece. Ora, pela origem da geração e da processão se distingue a Trindade das Pessoas divinas, como do sobredito resulta (q. 30, a. 2). Logo, como o homem não pode saber e alcançar com a inteligência aquilo de que não pode obter a razão necessária, segue-se que a Trindade das Pessoas não pode ser pela razão conhecida.
SOLUÇÃO. — É impossível chegar, pela razão natural, ao conhecimento da Trindade das Pessoas divinas. Pois, já demonstramos (q. 12, a. 4, 11, 12), que o homem, pela razão natural, não pode chegar ao conhecimento de Deus, a não ser pelas criaturas. Ora, estas levam ao conhecimento daquele como o efeito, ao da causa. Donde, podemos conhecer, de Deus, pela razão natural, o que necessariamente lhe convém como princípio de todos os seres; e este fundamento já usamos (q. 12, a. 12) quando tratamos de Deus. Mas, sendo comum a toda a Trindade, a virtude criadora de Deus pertence à unidade da essência e não à distinção das Pessoas. Logo, pela razão natural podemos conhecer o que pertence à unidade essencial de Deus e não, o concernente à distinção das Pessoas. E quem pretender provar a Trindade das Pessoas pela razão natural, duplamente irá de encontro à fé. — Primeiro, quanto à dignidade mesma desta, cujo objeto são as realidades invisíveis, sobre excedentes à razão humana. Donde o dizer o Apóstolo (Hb 11, 1): A fé se refere às coisas que não aparecem; e noutro lugar (1 Cor 2, 6): Entre os perfeitos falamos da sabedoria; não porém da sabedoria deste século nem da dos príncipes deste século; mas falamos da sabedoria de Deus, em mistério, que está encoberta. — Segundo, quanto à utilidade de atrair os outros à fé. Pois quando, para provar a fé, apresentamos razões não necessitantes, caímos na irrisão dos infiéis, crentes que nos apoiamos em tais razões para crermos.
Logo, não devemos tentar provar as verdades da fé senão com autoridades, para os que as admitem. Para os outros, porém, basta provar não ser impossível o que a fé ensina. Daí o dizer Dionísio: Quem recusa totalmente as Sagradas Letras longe estará da nossa filosofia; mas com quem admitir a verdade das Sagradas Escrituras também nós usaremos da mesma regra.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os filósofos não conheceram o mistério da Trindade das divinas Pessoas, pelas suas propriedades, que são a paternidade, a filiação e a processão, segundo aquilo do Apóstolo (1 Cor 2, 6): Falamos da sabedoria de Deus, a qual nenhum dos príncipes deste século conheceu, i. é, dos filósofos, segundo a Glosa. Conheceram porém eles alguns atributos essenciais próprios às Pessoas, como o poder, ao Pai, a sabedoria, ao Filho, a bondade, ao Espírito Santo, como a seguir se verá (q. 39, a. 7). — Quanto ao dito de Aristóteles — Com este número aplicamo-nos etc., não devemos entendê-lo como introduzindo o número ternário, em Deus, mas como significando que os antigos usavam este número nos sacrifícios e nas orações, por causa de certa perfeição que ele encerra. — Também nos livros dos Platônicos se lê — No princípio era o Verbo — não que o Verbo signifique a pessoa gerada em Deus, mas enquanto que por tal palavra se entende a razão ideal das coisas, própria ao Filho, pela qual Deus as criou a todas. — E embora conhecessem as propriedades das três Pessoas, diz-se contudo que erraram no terceiro sinal, i. é, no conhecimento da terceira Pessoa, transviando-se quanto à bondade, própria do Espírito Santo, pois, conhecendo-o como Deus, não o glorificaram como Deus, segundo diz o Apóstolo (Rm 1, 21). Ou porque, admitindo os Platônicos um ser primeiro, a que chamavam o pai de toda a universalidade das coisas, consequentemente admitiam outra substância inferior a ele, a que denominavam mente ou intelecto paterno, que encerrava as razões de todas as coisas, como o expõe Macróbio no Sonho de Cipião. Mas não admitiam nenhuma terceira substância separada correspondente ao Espírito Santo. Assim também nós não admitimos o Pai e o Filho, diferentes pela substância, erro de Orígenes e de Ário, discípulos neste ponto dos Platônicos. — Quanto ao dito de Trimegisto — A mónada gerou a mónada e em si refletiu o seu ardor, não devemos referi-lo à geração do Filho nem à processão do Espírito Santo, mas à produção do mundo; pois, um só Deus produziu um mundo, por amor de si mesmo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — De duplo modo podemos dar a razão de uma coisa. De um modo, para lhe provar suficientemente o fundamento; assim, nas ciências da natureza damos a razão suficiente para provar que o movimento do céu é sempre de velocidade, uniforme. De outro modo, damos, não a razão que lhe prove suficientemente o fundamento, mas a explicativa da congruência desse fundamento já estabelecido, com os efeitos dele resultantes. Assim, a astrologia dá a razão dos excêntricos e dos epiciclos, mostrando que, admitido esse fundamento, podem-se explicar as aparências sensíveis dos movimentos celestes, sem ser contudo essa razão suficientemente probante; pois talvez, admitida outra opinião, as referidas aparências se pudessem explicar. Por onde, do primeiro modo, podemos dar a razão para provar a unidade de Deus e outros semelhantes atributos. Mas, ao segundo modo pertencem as razões dadas para manifestar a Trindade; a saber, que esta admitida, são tais razões congruentes, embora não provem suficientemente a Trindade das Pessoas. E isto mesmo se evidencia, em particular. — Assim, a bondade infinita de Deus se manifesta também na produção das criaturas; porque só um poder infinito é capaz de produzir do nada; mas necessário não é, de comunicar-se Deus com infinita bondade, que dele proceda um ser infinito, senão que cada ser deve receber a divina bondade segundo o seu modo. E semelhantemente, o dito — sem a coparticipação de outrem não pode ser agradável a posse de nenhum bem — se aplica a uma pessoa que, não possuindo a bondade perfeita, precisa, para ter a plena bondade do prazer, do bem de outro ser que lhe esteja unido. Quanto à semelhança do nosso intelecto, ela nada prova, suficientemente, de Deus, pois o intelecto não existe univocamente em Deus e em nós. — Donde vem o dizer Agostinho, que pela fé chegamos ao conhecimento, mas não inversamente.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O conhecimento das divinas Pessoas nos é necessário duplamente. — Primeiro, para pensarmos retamente da criação das coisas; pois, dizendo que todas as fez Deus pelo seu Verbo, excluímos o erro dos que ensinam que Deus as produziu por necessidade de natureza. Introduzindo a processão do Amor, mostramos que Deus não produziu as criaturas por precisar delas ou por qualquer outra causa extrínseca, mas pelo amor da sua bondade. Por isso Moisés, depois de ter dito — No princípio criou Deus o céu e a terra — acrescenta — Disse Deus: Faça-se a luz — para manifestar o Verbo divino; e em seguida: — E viu Deus que a luz era boa — para mostrar a aprovação do divino Amor; e semelhantemente nas outras obras. — Segundo e mais principalmente, para pensarmos retamente sobre a salvação do gênero humano, levada a cabo pelo Filho encarnado e pelo dom do Espírito Santo.

ART. II. — SE DEVEMOS INTRODUZIR NOÇÕES EM DEUS


(I Sent., dist. XXXIII, a. 2)

O segundo discute-se assim. — Parece que não devemos introduzir noções em Deus.
1. — Pois, Dionísio diz: Não devemos ousar afirmar de Deus nada mais do que o que nos foi expresso pelas Sagradas Letras. Ora, a Sagrada Escritura nenhuma menção faz das noções. Logo, não devemos admitir noções em Deus.
2. Demais. — Tudo quanto dizemos de Deus concerne à unidade da essência ou à Trindade das Pessoas. Ora, nem a esta nem àquela concernem as noções. Pois, das noções nada se predica essencialmente; assim, não dizemos que a paternidade seja sábia ou crie; nem lhes atribuímos propriedades da pessoa, pois não dizemos que a paternidade gere e a filiação seja gerada. Logo, em Deus se não devem introduzir noções.
3. Demais. — Nos seres simples não devemos introduzir noções abstratas, que sejam princípios de conhecimento; pois, os seres simples a si mesmos se conhecem. Ora, as Pessoas divinas são simplicíssimas. Logo, nelas não devemos introduzir noções.
Mas, em contrário, diz João Damasceno: Reconhecemos a diferença das hipóstases, i. é, das Pessoas, por três propriedades, a saber, a paternal, a filial e a processional. Logo, devemos introduzir em Deus, propriedades e noções.
SOLUÇÃO. — Prepositivo, atendendo à simplicidade das Pessoas, disse que se não devem introduzir em Deus propriedades e noções; e quando as encontra, expõe o abstrato pelo concreto. E assim como costumamos dizer — Rogo à tua benignidade — i. é, — a ti benigno — assim, quando se fala da paternidade em Deus, entende-se o Deus Pai. Mas, como já ficou demonstrado (q. 3, a. 3, ad 1; q. 13, q. 1, ad 2), não prejudica a divina simplicidade aplicarmos a Deus nomes concretos e abstratos, porque, como inteligimos assim nomeamos. Porque o nosso intelecto, não podendo atingir a simplicidade divina, em si mesma considerada, por isso apreende e nomeia as realidades divinas ao seu modo, i. é, segundo o que descobre nas coisas sensíveis, das quais tira o conhecimento. Ora, para significar as formas simples destas, usamos de nomes abstratos; e para significar as coisas subsistentes, de nomes concretos. E por isso, como já dissemos (Ibid), exprimimos as realidades divinas, pelo concernente à simplicidade, com nomes abstratos; e pelo concernente à subsistência e ao complemento, com nomes concretos. Ora, é necessário exprimir, abstrata e concretamente, não só os nomes essenciais, como quando dizemos divindade e Deus, sabedoria e sábio; mas também os pessoais, como quando dizemos paternidade e pai. E a isto sobretudo nos obrigam duas razões. A primeira é a instância dos heréticos. Pois, se nos perguntassem, ao confessarmos que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são um só Deus em três Pessoas, pelo que são um só Deus e pelo que são três Pessoas, do mesmo modo que responderíamos serem um Deus pela essência e pela divindade, assim também devem existir certos nomes abstratos pelos quais possamos responder que as Pessoas se distinguem. E tais são as propriedades ou noções expressas em abstrato, como paternidade e filiação. E assim, em Deus, a essência significa o que é, a Pessoa, quem é, e a propriedade, enfim, pelo que é. A segunda é que, em Deus, uma Pessoa se refere a duas, a saber, a Pessoa do Pai à do Filho e à do Espírito Santo. Não porém pela mesma relação; porque daí resultaria referirem-se também o Filho e o Espírito Santo ao Pai por uma e mesma relação; e assim como em Deus só a relação multiplica a Trindade, seguir-se-ia não serem duas Pessoas o Filho e o Espírito Santo. Nem se pode dizer, como queria prepositivo, que assim como Deus de um só modo se refere às criaturas, embora estas diversamente se lhe refiram a ele, assim também o Pai, por uma só relação, se refere ao Filho e ao Espírito Santo, se bem estes se lhe refiram a ele por duas relações. Porque, consistindo a razão específica do relativo em referir-se a outro, necessário é dizer-se, que duas relações não são especificamente diversas se lhes corresponde, por contrariedade, uma só relação; e por isso necessariamente são diversas as relações entre senhor e pai, segundo a diversidade entre filiação e escravidão. Ora, todas as criaturas de Deus se lhe referem por uma só espécie de relação. Porém o Filho e o Espírito Santo não se referem ao Pai pelas relações da mesma natureza; e portanto, o caso não é o mesmo. Além disso, Deus não tem necessariamente uma relação real com as criaturas, como já dissemos (q. 28, a. 1 ad 3). E de outro lado, não há inconveniente em se multiplicarem nele as relações de razão. Mas no Pai é necessário haver uma relação real que o refira ao Filho e ao Espírito Santo; e daí, segundo a dupla relação do Filho e do Espírito Santo com o Pai, o ser forçoso admitir neste duas relações, que o refiram ao Filho e ao Espírito Santo. Por onde, sendo a Pessoa do pai uma só, é necessário separadamente exprimir as relações em abstrato, chamadas propriedades e noções.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora a Sagrada Escritura não mencione as noções, menciona contudo as Pessoas, nas quais aquelas se compreendem, como abstrato, no concreto.
RESPOSTA À SEGUNDA. — As noções, em Deus, não significam realidades, mas umas certas razões, pelas quais se conhecem as Pessoas, embora essas noções ou razões nele existam realmente, como já dissemos (q. 28, a. 1). Por onde, tudo o que se referir a um ato essencial ou pessoal não se pode predicar das noções, porque isto lhes repugna ao modo da significação. Assim, não podemos dizer que a paternidade gere ou crie, seja sábia ou inteligente. Porém, o que for essencial e não se referir a nenhum ato, mas remover de Deus as condições da criatura, pode-se predicar das noções; e assim pode dizer, que a paternidade é eterna ou imensa, ou predicações semelhantes. Semelhantemente, pela sua identidade real, podem os substantivos pessoais e essenciais ser predicados das noções; e assim podemos dizer: A paternidade é Deus e a paternidade é Pai.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora as Pessoas sejam simples, contudo, sem prejuízo da simplicidade, podem ser expressas em abstrato as razões próprias delas, como dissemos.

ART. III. — SE HÁ CINCO NOÇÕES


(I Sent., dist. XXVI, q. 2, a. 3; dist. XXVIII, q. 1, a. 1; De Pot., q. 3, a. 9, ad 21, 27; q. 10, a. 5, ad 12; Compend Theol., cap. LVII sqq)

O terceiro discute-se assim. — Parece que não há cinco noções.
1. — Pois, as noções próprias das Pessoas são as relações pelas quais se distinguem. Ora, em Deus, como se disse (q. 28, a. 4), não há senão quatro relações. Logo, só há também quatro noções.
2. — Demais. — Por ter uma só essência, diz-se que Deus é uno; mas, por serem três as Pessoas, que é trino. Se portanto, há nele cinco noções, há de se chamar quino, o que é inconveniente.
3. — Demais. — Se, por existirem em Deus três Pessoas, existem cinco noções, é necessário que em alguma das pessoas haja certas noções, duas ou mais, assim como na Pessoa do Pai existe a inascibilidade, a paternidade e a expiração comum. Ora, ou estas três noções diferem realmente, ou não. Se diferem, segue-se que a Pessoa do Pai é composta de várias realidades. Se, porém, só racionalmente diferem, segue-se que uma delas pode predicar-se da outra, podendo então dizer-se, que assim como a bondade de Deus é a sua sabedoria, por não haver entre elas diferença real, assim a expiração comum é a paternidade o que se não concede. Logo, não há cinco noções. Mas, em contrário, parece sejam mais as noções. Pois, assim como o Pai, de ninguém procedendo, dá origem à noção da inascibilidade, assim do Espírito Santo não procede outra pessoa. E, portanto, será necessário admitir-se uma sexta noção. Demais. — Sendo comum ao Pai e ao Filho o proceder deles o Espírito Santo, assim é comum ao Filho e ao Espírito Santo o procederem do Pai. Logo, assim como há uma noção comum ao Pai e ao Filho, assim deve haver outra comum ao Filho e ao Espírito Santo.
SOLUÇÃO. — Chama-se noção à razão própria pela qual se conhece a Pessoa divina. Ora, as Pessoas, divinas se multiplicam pela origem; e como esta implica a proveniência de outro ser e o ser proveniente doutro, por estes dois modos podemos conhecer a pessoa. Por onde, não pode a Pessoa do Pai ser conhecida como provinda de outro, mas como a que ninguém provém; cabendo-lhe então deste modo a noção da inascibilidade. Mas, enquanto alguém dele provém de duplo modo pode o Pai ser conhecido pela noção de paternidade; e enquanto dele provém, o Espírito Santo, o é pela noção de espiração comum. O Filho, por seu lado, pode ser conhecido como proveniente de outro por nascimento; e assim, é conhecido pela filiação; e porque dele procede outra Pessoa, a saber, o Espírito Santo, é conhecido ainda pelo mesmo modo porque o Pai o é, a saber, pela espiração comum. Quanto ao Espírito Santo, pode ser conhecido enquanto procedente de outro ou de outros, e assim o é pela processão; não o é, porém, por dele proceder outro, pois, nenhuma pessoa divina dele procede. Logo, há cinco noções em Deus, a saber: a inascibilidade, a paternidade, a filiação, a espiração comum, e a processão. Mas delas só quatro são relações, pois a inascibilidade só por uma redução é relação, como depois se dirá (q. 33, a. 4 ad 3). Enquanto às outras quatro, elas são somente propriedades, pois, a espiração comum, convindo a duas pessoas, não é uma propriedade. E três são as noções pessoais, i. é, constitutivas das Pessoas, a saber, a paternidade, a filiação e a processão; pois, a espiração comum e a inascibilidade se chamam noções de Pessoas, não porém pessoais, como a seguir (q. 40, a. 1, ad 1) mais claro ficará.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Além das quatro relações é necessário introduzir outra noção, como se disse.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A essência em Deus é entendida como significativa de uma certa realidade; e, semelhantemente, como certas realidades, são entendidas as Pessoas. Mas as noções consideram-se como razões notificativas das Pessoas. Por onde, embora Deus seja denominado uno pela unidade de essência, e trino, pela Trindade das Pessoas, todavia não lhe chamamos quino, por causa das cinco noções.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como só a oposição relativa faz a pluralidade real em Deus, às varias propriedades de uma Pessoa, não se opondo relativamente entre si, realmente não diferem. Mas nem por isso se predicam umas das outras, pois se consideram como significativas das diversas razões das Pessoas; assim como também não dizemos, que o atributo da potência é o atributo da ciência, embora digamos que a ciência é uma potência.
RESPOSTA À QUARTA. — A pessoa, importando dignidade, como já se disse (q. 29, a.3 ad 2), nenhuma noção pode ser admitida, no Espírito Santo, por não provir dele nenhuma Pessoa. Pois, isto não lhe pertence à dignidade, como pertence a autoridade do Pai não provir ninguém.
RESPOSTA À QUINTA. — O Filho e o Espírito Santo não convém em se originarem do Pai de um modo especial, como o Pai e o Filho convém em produzirem o Espírito Santo de um modo especial. Ora é necessário que o princípio de conhecimento seja algo de especial. Portanto, não há semelhança.

ART. IV. — SE É LÍCITO OPINAR CONTRARIAMENTE SOBRE AS NOÇÕES


(I Sent., dist. XXXIII, a. 5)

O quarto discute-se assim. — Parece que não é lícito opinar contrariamente sobre as noções.
1. — Pois, Agostinho diz em matéria nenhuma se erra mais perigosamente do que na da Trindade, à qual é certo pertencerem as noções. Ora, opiniões contrárias não vão sem erro. Logo, não é lícito opinar contrariamente sobre as noções.
2. Demais. — Pelas noções se conhecem as Pessoas, como se disse (a. 2, 3). Ora, destas não é lícito opinar contrariamente. Logo, nem daquelas.
Mas, em contrário, os artigos da fé não concernem às noções. Logo, destas se pode opinar de tal maneira ou de tal outra.
SOLUÇÃO. — Duplamente pode uma verdade ser de fé. — De um modo direto; e assim aquelas que principalmente nos foram por Deus transmitidas, como o ser ele trino e uno, o ter-se encarnado o seu Filho e semelhantes. E opinar falsamente sobre tais coisas é ao mesmo tempo incidir em heresia, sobretudo se isso for acompanhado de pertinácia. — Porém, de modo indireto pertencem à fé as afirmações das quais resulta algo de contrário a ela; assim, de se dizer que Samuel não foi filho de Elcana seguir-se-ia a falsidade da Escritura Divina. Donde, no tocante a tais assuntos, alguém pode opinar falsamente, sem perigo de heresia, antes de ser considerado determinado que daí se segue algo contrário a fé; e sobretudo se não aderir pertinazmente. Mas, depois de ser manifesto e sobretudo se for determinado pela Igreja, que daí segue algo contrário a fé, já não pode então errar sem heresia. Donde vem o se reputarem hoje heresia muitas opiniões que outrora se não reputavam tais, por ser hoje mais manifesto o que delas se segue. Assim, pois, devemos dizer que sobre as noções, alguns opinaram contrariamente sem perigo de heresia, não entendendo sustentar nada de contrário a fé. Mas quem opinasse falsamente sobre as noções, considerando que daí se seguiria algo de contrário a fé, incidiria em heresia. Donde se deduzem claras as respostas às objeções.

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