sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Questão XII - Como Deus é conhecido por nós

QUESTÃO XII — COMO DEUS É CONHECIDO POR NÓS


Tendo, no que fica dito, tratado de como Deus é, em si mesmo, resta tratarmos como é, em relação ao nosso conhecimento, i. é, como é conhecido pelas criaturas.
E nesta questão, discutem-se treze artigos:
  1. Se algum intelecto criado pode ver a essência de Deus;
  2. Se a essência de Deus é vista pelo intelecto, por meio de alguma espécie criada;
  3. Se a essência de Deus pode ser vista com os olhos do corpo;
  4. Se alguma substância intelectual criada é capaz de, pelas suas faculdades naturais, ver a essência de Deus;
  5. Se o intelecto criado, para ver a essência de Deus, precisa da luz criada;
  6. Se dos que vêem a essência de Deus, um é mais perfeito que outro;
  7. Se algum intelecto criado pode compreender a essência de Deus;
  8. Se o intelecto criado, vendo a essência de Deus, conhece nele todas as coisas;
  9. Se por meio de certas semelhanças é que as conhece;
  10. Se conhece simultaneamente tudo o que vê em Deus;
  11. Se no estado da vida presente, alguém pode ver a Deus em essência;
  12. Se podemos conhecer a Deus, nesta vida, pela razão natural;
  13. Se além do conhecimento natural da razão, há nesta vida algum conhecimento de Deus pela graça.

ART. I — SE ALGUM INTELECTO CRIADO PODE VER A DEUS EM ESSÊNCIA


(Infra., a. 4, ad 3; Ia Iae., q. 3, a. 8, et q. 5, a. 1; IV Sent., dist. XLIX, q. 2, a. 1; III Cont. Gent., cap. LI, LIV, LVII; De Verit., q. 8, a. 1; Quodl., X, q. 8; Compend. Theol., cap. CIV, et part. II cap. XI, X; in Matt., cap. V; in Ioan., cap. I, lect. XI)

O primeiro discute-se assim. — Parece que nenhum intelecto criado pode ver a Deus em essência.

1. — Pois, Crisóstomo, expondo aquilo do Evangelho (Jo 1, 18): Ninguém jamais viu a Deus, diz: o que Deus é, em si mesmo, não somente os profetas mas, nem os anjos e os arcanjos o viram. Pois, que criatura poderá ver, como é, o incriado? E também Dionísio, falando de Deus: os sentidos não o alcançam, nem a fantasia, nem a opinião, nem a razão, nem a ciência.

2. Demais. — O infinito, como tal, é, em si mesmo, inconhecível. Ora, Deus é infinito, como se demonstrou (q. 7, a. 1). Logo é, como tal, inconhecível.

3. Demais. — O intelecto criado só pode conhecer o que existe, pois o que primeiramente cai sob a apreensão do sentido é o ente. Ora, Deus, não é um existente, mas está acima de toda a existência, como diz Dionísio.

4. Demais. — Sendo o objeto conhecido a perfeição do ser que conhece, deve haver proporção entre um e outro. Ora, o intelecto criado, distando infinitamente de Deus, não há nenhuma proporção entre eles. Logo, nenhum intelecto criado pode ver a Deus em essência.

Mas, em contrário, diz a Escritura (1 Jo 3, 2): Nós outros o veremos bem como ele é.

SOLUÇÃO. — Como um ser é conhecível enquanto atual, Deus, ato puro, sem nenhuma potência, é, em si mesmo, soberanamente conhecível. Mas, o que é, em si mesmo, soberanamente conhecível pode não o ser a um determinado intelecto, pelo próprio excesso de sua inteligibilidade; assim, o sol, soberanamente visível, não pode ser visto pelo morcego, por causa do excesso da sua luz. — levando isto em consideração, certos disseram que nenhum intelecto criado pode ver a Deus, em essência. — Mas, esta opinião é errônea. Pois, consistindo a felicidade última do homem, na sua altíssima operação, que é a do intelecto, se o intelecto criado não pudesse nunca ver a essência de Deus, ou não alcançaria nunca a beatitude, ou esta haveria de consistir em outro ser que não Deus, o que é contrário à fé. Pois, a perfeição última da criatura racional está no que é o princípio da sua existência, e um ser é perfeito na medida em que atinge o seu princípio. Além disso, tal opinião é também contrária à razão, pois é ínsito no homem o desejo natural de conhecer a causa, depois de conhecido o efeito, nascendo daqui a admiração. Se, portanto, a inteligência da criatura racional não pudesse atingir a causa primeira das coisas, seria vão o desejo da natureza. — Por onde, devemos admitir, pura e simplesmente, que os bem-aventurados vêem a essência de Deus.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Um e outro passo referem-se à visão da compreensão e, por isso, antes, Dionísio tinha dito: De todos ele é universalmente incompreensível e os sentidos etc. E Crisóstomo, logo depois das palavras citadas, acrescenta: Visão, aqui, significa a contemplação e a compreensão certíssima do Pai, tal como o Pai mesmo a tem do Filho.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O infinito próprio à matéria, não delimitada pela forma, é, em si mesmo, inconhecível, porque todo o conhecimento se realiza por meio da forma. Más, o infinito da forma não delimitada pela matéria é, em si mesmo, soberanamente conhecível. Ora, é deste último modo, e não do primeiro, que Deus é infinito, como do sobredito resulta (q. 7, a. 1).

RESPOSTA À TERCEIRA. — Não se diz que Deus é um inexistente porque de nenhum modo exista, mas, por estar acima de tudo o que existe, sendo o seu próprio ser. Donde se segue, não que seja absolutamente inconhecível, mas, que excede todo conhecimento, isto é, não pode ser compreendido.

RESPOSTA À QUARTA. — Proporção tem duplo sentido. Num, significa relação certa entre duas quantidades; assim, duplo, triplo, igual são espécies de proporção. Noutro, significa qualquer proporção entre dois termos; e assim, pode haver proporção entre a criatura e Deus, enquanto aquele se lhe refere como o efeito à causa, e a potência ao ato. E neste sentido o intelecto criado pode ser proporcionado ao conhecimento de Deus.

ART. II — SE A ESSÊNCIA DE DEUS É VISTA PELO INTELECTO CRIADO MEDIANTE ALGUMA IMAGEM INTERIOR


(III Sent., dist. XIV, a. 1, q. 3; IV, dist. XLIX, q. 2, a. 1; De Verit., q. 8, a. 1; q. 10, a. 2; III Cont. Gent., cap. XLIX, LI; IV, cap. VII; Quodl., VII, q. 1, a. 1; Compend. Theol., cap. CV, et part II, cap. IX; in Ioan., cap. I, lect. XI; cap. XIV, lect. II; in I Cor., cap. XIII, lect. IV; De div. Nom., cap. I, lect. I; in Boet., De Trin., q. 1, a. 2)

O segundo discute-se assim. — Parece que a essência de Deus é vista pelo intelecto criado mediante uma imagem interior.

1. — Pois, diz a Escritura (1 Jo 3, 2): Sabemos que, quando ele aparecer, seremos semelhantes a ele; porquanto, nós outros o veremos bem como ele é.

2. Demais.— Agostinho diz: Quando conhecemos a Deus, forma-se em nós uma imagem dele.

3. Demais. — A inteligência em ato é idêntica ao inteligível em ato, como o sentido em ato o é ao sensível em ato. Ora, tal, não se dá senão em quanto o sentido é informado pela imagem da coisa sensível, e o intelecto pela da coisa inteligida. Logo, se Deus for visto em ato pelo intelecto criado, necessariamente há de sê-lo por alguma imagem.

Mas, em contrário, Agostinho, explicando o passo do Apóstolo — vemos agora como num espelho em enigma. — diz: As palavras espelho e enigma podem-se entender como significando quaisquer imagens acomodadas ao nosso conhecimento de Deus. Ora, ver a Deus em essência, não é vê-lo enigmaticamente, nem através de um espelho; antes, é vê-lo de modo oposto a este último. Logo, a divina essência não é vista por meio de imagens.

SOLUÇÃO. — Tanto para a visão sensível, como para a intelectual, duas condições se requerem: a virtude visiva e a união da coisa vista com a potência que vê; pois, a visão atualiza-se só porque a coisa vista está, de certo modo, em quem vê. Ora, é claro que as coisas corpóreas vistas não podem estar em essência, em quem as vê, mas só em imagem; assim como está nos olhos, não a substância, mas, a imagem da pedra, pela qual a visão se atualiza. Do contrário, se a coisa vista fosse também o princípio da virtude visiva, necessariamente, quem a visse dela receberia tanto a virtude da visão como a forma pela qual a vê. Ora, é manifesto que Deus é, de um lado, o autor da faculdade intelectiva e, de outro lado pode ser visto pela inteligência. E como a virtude intelectiva da criatura não é a essência de Deus, conclui-se que é uma imagem participada dela, que é a inteligência primeira.

Por onde, a virtude intelectual da criatura é chamada um certo lume inteligível, quase derivado da luz primeira, quer isto se entenda da virtude natural, ou de alguma perfeição acrescentada, na ordem da graça ou da glória. Logo, para ver a Deus, é necessária uma certa imagem dele, na potência visiva, pela qual a inteligência se torna capaz de vê-lo. Mas, quanto à coisa vista, que, necessariamente há de unir-se, de algum modo, ao sujeito que vê, a essência de Deus não pode ser vista por nenhuma imagem criada.

Primeiro, porque, como diz Dionísio, por meio de imagens de coisas de ordem inferior, de nenhum modo podem ser conhecidas coisas superiores; assim pela imagem de um corpo, não pode ser conhecida a essência de um ser incorpóreo; e, com maioria de razão, a essência de Deus não pode ser vista por nenhuma espécie criada.

Segundo, porque a essência de Deus é o seu próprio ser, como já se demonstrou (q. 3, a. 4), o que não se dá com nenhuma forma criada, que, logo, não pode ser imagem que represente, ao sujeito que vê, a sobredita essência

Terceiro, porque a divina essência é algo de incircunscrito, contendo em si de modo sobre-eminente tudo o que pode ser expresso ou inteligido pelo intelecto criado; e, portanto, de nenhum modo pode ser representada por qualquer espécie que seja, porque toda forma criada é determinada por alguma noção, como a sabedoria, ou a potência, ou a existência mesma, ou algo de semelhante. Por onde, dizer que Deus pode ser visto por meio de alguma imagem, é dizer que a essência divina não pode ser vista, o que é errôneo. Logo, devemos dizer que para vermos a essência de Deus, é necessário alguma semelhança por parte da potência visiva, a saber, o lume da glória divina, ajudando o intelecto para que veja a Deus, como está na Escritura (Sl 35, 10): E no teu lume veremos o lume. Logo, a essência de Deus não pode ser vista por nenhuma imagem criada, que a represente tal como ela em si mesma é.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O passo aduzido se refere à imagem que participa do lume da glória.

RESPOSTA À SEGUNDA. — No lugar citado, Agostinho refere-se ao conhecimento de Deus, que temos nesta vida.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A divina essência é o seu ser mesmo. Por onde, assim como as outras formas inteligíveis, que não são o próprio ser, unem-se ao intelecto por um certo ser, pelo qual o informam e atualizam, assim, a essência divina une-se ao intelecto, criado, como inteligência em ato que já é, atualizando o intelecto, por si mesma.

ART. III — SE A ESSÊNCIA DE DEUS PODE SER VISTA COM OS OLHOS DO CORPO


(Infra., a. 4, ad 3; IIa IIae, q. 175, a. 4; IV Sent., dist. XLIV, q. 2, a. 2; in Matt., cap. V.)

O terceiro discute-se assim. — Parece que a essência de Deus pode ser vista com os olhos do corpo.

1. — Pois, diz a Escritura (Jó 19, 26): E na minha carne verei a Deus, etc.; e ainda (42, 5): Eu te ouvi por ouvido da orelha, mas agora te vê o meu olho.

2. Demais. — Agostinho diz: A virtude dos olhos deles (dos bem-aventurados) será, pois, mais poderosa; não que vejam mais penetrantemente do que dizem que as serpentes ou as águias vêem; porquanto, por maior que seja a intensidade da vista desses animais, não podem ver mais que os corpos; mas, porque verão os seres incorpóreos. Ora, quem pode ver o incorpóreo pode elevar-se até à visão de Deus. Logo, os olhos glorificados podem ver a Deus.

3. Demais. — Deus pode ser visto, em visão imaginária, pelo homem, pois diz a Escritura (Is 6, 1): Vi o Senhor assentado sobre um alto e elevado sólio, etc. Ora, sendo a fantasia um movimento produzido pelo sentido, em ato, a visão imaginária origina-se do sentido, como ensina Aristóteles: Logo, Deus pode ser visto por visão sensível.

Mas, em contrário, diz Agostinho: A Deus nunca ninguém viu, nem nesta vida, tal como ele é, nem na vida dos anjos, de modo porque são vistos os seres materiais, por visão corpórea.

SOLUÇÃO. — É impossível que Deus seja visto, quer pelo sentido da vista, quer por algum outro sentido ou potência da parte sensitiva. Pois, toda potência desse gênero é ato de um órgão corpóreo, como a seguir se dirá (a. 4; q. 78, a. 1). Ora, o ato é proporcionado à potência a que pertence. Logo, nenhuma potência sensível pode ir além dos seres corpóreos. Ora, sendo Deus incorpóreo, como já demonstramos (q. 3, a. 1), não pode ser visto pelo sentido, nem pela imaginação, mas só pelo intelecto.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEÍRA OBJEÇÃO. — A expressão — na minha carne verei a Deus, meu salvador — não significa que Deus haja de ser visto com os olhos da carne. Assim também o passo — mas agora te vê o meu olho se refere à visão mental, no sentido do Apóstolo (Ef 1, 17): Deus vos dê o espírito de sabedoria e de luz, para o conhecerdes, os olhos iluminados do vosso coração.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Agostinho emprega, no passo aduzido, linguagem dubitativa e condicional, o que é claro pelo que diz antes: Pois eles teriam uma potência toda diferente (i. é, os olhos dos glorificados) se por eles fossem vistas as naturezas incorpóreas. E, logo depois, vem a solução: É muito crível que, então, veremos os corpos que formam os novos céus e as terras novas, de modo que vejamos, com claríssima evidência, Deus presente em toda parte e governando todas as coisas, mesmo as corpóreas; não como agora, apreendendo com inteligência as coisas invisíveis de Deus, por meio das suas criaturas; mas, como no meio de homens vivos, e exercendo os movimentos da vida, logo que os vemos, não cremos apenas que vivem, mas os vemos realmente, como tais.

Donde é claro, que ele quer dizer, que os olhos glorificados. hão-de ver a Deus como agora os nossos olhos vêem a vida de um homem. Ora, esta não é vista pelos olhos corpóreos, como algo de visível em si mesma, mas como um sensível acidental, que não é conhecido pelo sentido, mas conjuntamente com este, por alguma outra potência cognoscitiva. Porém, em virtude da perspicácia do intelecto e da refulgência da claridade divina, num mundo renovado, pode-se dar que, da visão dos corpos, imediatamente conheçamos intelectualmente a divina presença;

RESPOSTA À TERCEIRA. — Na visão imaginária não se vê a essência de Deus, mas realiza-se uma forma na imaginação, representativa de Deus, segundo uma certa semelhança, no gênero daquelas de que se serve a Escritura divina, quando descreve metaforicamente as coisas sensíveis.

ART. IV — SE O INTELECTO CRIADO PODE, PELAS SUAS POTÊNCIAS NATURAIS, VER A ESSÊNCIA DIVINA


(Infra., q. 64, a. 1, ad 2; Ia IIae., q. 5, ª 5; II Sent., dist. IV a. 1; dist. XXIII, q.2, a. 1; IV, dist. XLIX, q. 2, a. 6; I Cont. Gent., cap. III; III, cap. XLIX, LII; De Verit., q. 8, art. 3; De Anima, a. 17, ad 10; in I Tim., cap. VI, lect. III)

O quarto discute-se assim. — Parece que o intelecto criado pode, pelas suas potências naturais, ver a essência divina.

1. — Pois, diz Dionísio: O anjo é um espírito puro, claríssimo, recebendo em si, por assim dizer, toda a beleza de Deus. Ora, um ser é visto quando é visto o seu espelho. Logo, como o anjo se intelige a si mesmo, pelas suas faculdades naturais, há-de inteligir também, do mesmo modo, a essência divina.

2. Demais. — O que é sumamente visível torna-se-nos menos visível por defeito da possa vista corpórea ou intelectual. Ora, o intelecto angélico não padece nenhum defeito. Logo, sendo Deus sumamente inteligível, há-de sê-lo para o anjo, e, portanto, este pode, pelas suas potências naturais, apreender outros inteligíveis, e, com maior razão, inteligir a Deus.

3. Demais. — O sentido do corpo não pode elevar-se até inteligir a substância incorpórea, que lhe está acima da natureza. Se, pois, ver a Deus em essência excede a natureza de qualquer intelecto criado, conclui-se que nenhuma pode chegar a ver a essência de Deus, o que é errôneo, como do sobredito resulta (a. 1). Logo, é natural ao intelecto criado ver a essência de Deus.

Mas, em contrário, a Escritura (Rm 6, 23): A graça de Deus é a vida eterna. Ora, esta consiste na visão da essência divina, conforme aquilo do Evangelho (Jo 17, 3): Esta é a vida eterna em que eles conheçam por um só verdadeiro Deus a ti, etc. Logo, ver a essência de Deus convém ao intelecto criado, por graça e não por natureza.

SOLUÇÃO. — É impossível ao intelecto criado ver a essência de Deus, pelas suas faculdades naturais. Pois, o conhecimento opera-se pela presença do objeto no sujeito, Ora, aquele está no segundo, conforme ao modo deste. Logo, o conhecimento de qualquer sujeito conhecente há-de ser conforme ao modo da natureza deste. Se, portanto, o modo de ser do objeto conhecido exceder o modo da natureza do sujeito, que conhece, o conhecimento desse objeto há-de, necessariamente, exceder a natureza do sujeito. Ora, é múltiplo o modo de existir das coisas. Umas, por natureza, não têm o ser senão numa certa matéria individual, e tais são todos os seres corpóreos. Outras, e tais as substâncias incorpóreas a que chamamos anjos, são por natureza subsistentes por si mesmos, sem nenhuma matéria; contudo, não são o próprio ser mas o possuem pois, só de Deus é próprio o modo de existir, pelo qual é o seu mesmo ser subsistente.

Ora, sendo a nossa alma, pela qual conhecemos, a forma de uma determinada matéria, é-nos conatural conhecer as coisas que têm o ser só na matéria individual. A nossa alma, porém, encerra virtudes cognoscitivas de duas espécies, uma é ato de órgão corpóreo e a esta é conatural conhecer as coisas que têm o ser na matéria individual; e, por isso, os sentidos não podem conhecer senão o singular. Outra, porém, é a virtude cognoscitiva do intelecto... que não é ato de nenhum órgão corpóreo; e por isso é-nos conatural conhecer, por meio dele as naturezas que têm o ser numa determinada matéria individual, mas não como tais, senão enquanto abstrai dessa matéria pela consideração da inteligência. Por onde, pela inteligência, podemos conhecer tais coisas universalmente, o que sobrepuja a capacidade do sentido. Ao intelecto angélico, por seu lado, é conatural conhecer as naturezas, que não existem na matéria, o que sobreleva a faculdade natural do intelecto, no estado da vida presente, em que está unida ao corpo.

Ora, de tudo isto se conclui, que conhecer o ser mesmo subsistente é conatural só ao intelecto divino e sobre-excede a faculdade natural de qualquer intelecto criado, porque nenhuma criatura é o seu próprio ser, mas o tem participadamente. — Logo, o intelecto criado não pode ver a Deus, por essência, a menos que Deus, por graça, se lhe una e se lhe torne inteligível.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — É conatural ao anjo o modo de conhecer a Deus consistente em ter o próprio anjo, em si, uma refulgente semelhança de Deus. Ora, conhecer a Deus por qualquer semelhança criada não é conhecer a essência de Deus, como acima ficou dito (a. 1). Logo, não se conclui que o anjo possa, pelas suas potências naturais, conhecer a essência de Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A inteligência do anjo não tem defeito, entendendo-se esta palavra privativamente, i. é, de modo que ao anjo falte algo do que deve ter. Tomada, porém, em sentido negativo, não há criatura que não seja deficiente comparada com Deus, pois não tem aquela excelência própria de Deus.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A vista, sendo absolutamente material, de nenhum modo pode elevar-se ao que quer que seja de imaterial. Porém o nosso intelecto, como o angélico, elevado, de certo modo e por natureza, acima da matéria, pode ascender, pela graça, a algo de mais alto que lhe sobrepassa a natureza. E a prova é que a vista de modo nenhum conhece por abstração o que conhece concretamente; assim, de nenhum modo pode perceber uma natureza senão como individual. Porém, o nosso intelecto pode considerar abstratamente o que conhece de maneira concreta. Assim, embora conheça coisas que têm a forma realizada na matéria, contudo, decompõe o composto nas suas duas componentes e considera a forma em si mesma. Semelhantemente, o intelecto angélico, embora lhe seja conatural conhecer o ente concreto em uma natureza particular, pode contudo separá-lo pelo intelecto, conhecendo que uma coisa é ele e outra, o ser que tem. Por onde, o intelecto criado sendo capaz, por natureza, de apreender uma forma concreta e um ser concreto, abstratamente, por uma como análise resolutiva, pode também, pela graça, ser elevado, de modo que conheça a substância separada e o ser separado subsistente.

ART. V. — SE O INTELECTO CRIADO PRECISA, PARA VER A ESSÊNCIA DE DEUS, DE ALGUM LUME CRIADO


(II Sent., dist. XIV, a. 1, q. 3; IV, dist., XLIX, q. 2, a. 6; III Cont. Gent., cap. LIII, LIV; De Verit., q. 8, a. 3; q. 18, a. 1, ad 1; q. 20, a. 2; Quodl., VII, q. 1, a. 1; Compend. Theol., cap. CV)

O quinto discute-se assim. — Parece que o intelecto criado não precisa de nenhum lume criado para ver a essência de Deus.

1. — Pois, as coisas sensíveis, por si mesmas lúcidas, não precisam de nenhum outro lume para serem vistas. Logo, nem as inteligíveis. Ora, como Deus é inteligível, não é visto por nenhum lume criado.

2. Demais. — Se Deus é visto por um intermediário não o é em essência. Ora, tal se dá se é visto por meio de um lume criado. Logo, não é visto em essência.

3. Demais. — Nada impede que o que é criado seja natural a uma criatura. Se, pois, a essência de Deus é vista por meio de algum lume criado, este lume poderá ser natural a alguma criatura que, então, não precisaria de nenhum outro lume para ver a Deus, o que é impossível. Logo, não é necessário a toda criatura acrescentar-se um lume, para ver a essência de Deus.

Mas, em contrário, a Escritura (Sl 35, 10): No teu lume veremos o lume.

SOLUÇÃO. — Tudo o que é elevado acima da natureza própria é necessário que tenha uma disposição, que lhe seja superior; assim, se o ar tiver que receber a forma do fogo, é necessário que receba alguma disposição para tal forma. Ora, quando um intelecto criado vê a Deus em essência, esta torna-se-lhe a forma inteligível. Por onde, é necessário lhe seja acrescentada alguma disposição sobrenatural, para que se eleve a tanta sublimidade. Ora, como a virtude natural do intelecto criado não lhe basta para que veja a essência de Deus, como já demonstramos (a. 4), necessário é lhe seja aumentada pela divina graça a virtude intelectual, e este aumento chama-se iluminação do intelecto, assim como o próprio inteligível é chamado luz ou lume, do qual diz a Escritura (Ap 21, 23): A claridade de Deus a alumiou, i. é, a sociedade dos bem-aventurados que vêem a Deus. E este lume os torna deiformes, i. é, semelhantes a Deus, conforme aquilo do Evangelho (1 Jo 3, 2): Quando ele aparecer, seremos semelhantes a ele e o veremos bem como ele é.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O lume criado é necessário para ver a essência de Deus; não que torne essa essência inteligível, que, em si mesma, é incompreensível, mas porque dá ao intelecto a capacidade de inteligir, do modo pelo qual o hábito dá a uma potência capacidade de operar. Semelhantemente, o lume corpóreo é necessário para a visão exterior, tornando, atualmente, o meio transparente, de maneira que possa a cor afetá-lo.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Não é preciso que o lume em questão, necessário para vermos a essência de Deus, seja uma imagem na qual vejamos essa essência, mas, sim uma quase perfeição do intelecto, que o fortifica para que possa ver a Deus. Por onde, pode-se dizer, que não é um intermediário no qual, mas antes, pelo qual Deus é visto. Ora, isto não tolhe a visão de Deus.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A disposição para a forma do fogo não pode ser natural, senão para o que já tem essa forma. Por onde, o lume da glória só poderia ser natural à criatura se esta fosse de natureza divina, o que é impossível. Mas, por este lume, a criatura racional torna-se deiforme, como dissemos.

ART. VI — SE OS QUE VÊEM A ESSÊNCIA DE DEUS, UNS A VÊEM MAIS PERFEITAMENTE QUE OUTROS


(Infra, q. 62, a. 9; IV Sent., dist. XLIX, q. 2, a. 4; III Cont. Gent., cap. LVIII)

O sexto discute-se assim. Parece que, dos que vêem a essência de Deus, uns não a vêem mais perfeitamente que outros.

1. — Pois, diz a Escritura (1 Jo 3, 2): Nós outros o veremos bem como ele é. Ora, Deus só tem um modo de ser. Logo, será visto por todos do mesmo modo e, portanto, não mais perfeitamente por uns do que por outros.

2. Demais. — Agostinho diz que uma mesma coisa não pode ser inteligida mais por um do que por outro. Ora, todos os que vêem a Deus em essência a inteligem; pois, Deus é visto pelo intelecto e não pelo sentido, como já se estabeleceu (a. 3). Logo, dos que vêem a essência de Deus, uns não a vêem mais claramente que outros.

3. Demais. — Por duas razões pode uma coisa ser vista mais perfeitamente por uns do que por outros: por causa do objeto visível, ou por causa da potência visual de quem vê. No primeiro caso, é porque o objeto é recebido por quem vê mais perfeitamente, i. é, por semelhança mais perfeita. Ora, isto não se dá no caso vertente, pois Deus está presente ao intelecto, que lhe contempla a essência, não por qualquer semelhança, mas pela essência mesma. Donde se conclui, que só por diferença da potência intelectiva é que uns a vêem mais perfeitamente que outros e, portanto, quem tiver a potência. intelectiva naturalmente mais sublime, mais claramente a verá. Ora, isto é inadmissível, porque foi prometida aos homens uma beatitude igual à dos anjos.

Mas, em contrário, a vida eterna consiste na Visão de Deus, conforme aquilo da Escritura (Jo 17, 3): A vida eterna porém consiste em que eles conheçam por um só verdadeiro Deus, etc. Logo, se todos vêem igualmente a essência de Deus, na vida eterna, todos serão iguais. Ora, o Apóstolo diz o contrário (1 Cor 15, 41): Há diferença de estrela a estrela na claridade.

SOLUÇÃO. — Dos que vêem a essência de Deus, uns a vêem mais perfeitamente que outros, o que não se dá, porque haja em uns semelhança de Deus mais perfeita que em outros; pois, essa visão não se há-de realizar por nenhuma semelhança, como demonstramos; mas, sim, porque o intelecto de uns terá maior virtude ou faculdade para ver a Deus, que o de outros. Ora, a faculdade de ver a Deus não é própria ao intelecto criado, pela sua natureza mesma, mas, pelo lume da glória, que o constitui numa como deiformidade, conforme resulta do que já foi visto (a. 5). Por onde, o intelecto que mais participar do lume da glória mais perfeitamente verá a Deus. Ora, desse lume mais participa quem mais caridade tem, porque onde há maior caridade há mais desejo e este torna, de certo modo, quem deseja, apto e preparado para receber o desejado. Logo, quem mais caridade tiver mais perfeitamente verá a Deus e mais feliz será.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÃO. — Na expressão — nós outros o veremos bem como ele é — o advérbio como determina o modo da visão relativamente à coisa vista, sendo o sentido: nós o veremos bem como ele é, porque lhe veremos o ser mesmo que se lhe identifica com a essência. Mas, não determina o modo da visão relativamente a quem vê, como se significasse que o modo de ver será perfeito, como perfeito é, em Deus o modo de ser.

Donde se deduz clara a resposta à segunda objeção. — Pois, quando se diz que uns não inteligem a mesma coisa mais que outros, isto é verdade se se refere ao modo de ser inteligido, pois quem o inteligir diferentemente do que é não o intelige verdadeiramente; não é verdade, porém, se se referir ao modo de quem intelige, pois o inteligir de uns é mais perfeito que o de outros.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A diversidade da visão não será por causa do objeto, porque o mesmo objeto — a essência de Deus — será apresentado a todos; nem por causa da participação diversa do objeto, por meio de semelhanças diferentes; mas, por causa da capacidade diversa dos intelectos, não natural, mas gloriosa, como dissemos.

ART. VII — SE OS QUE VÊEM A DEUS EM ESSÊNCIA O COMPREENDEM


(III Sent., dist. XIV, a. 2, q. 1; dist. XXVII, q. 3, a. 2; IV, dist. XLIX q. 2, a. 3; III Cont. Gent., cap. LV; Qq disp., De Verit., q. 2, a. 1, ad 3; q. 8, a. 2; q. 20, a. 5; De Virtut., q. 2, a. 10, ad 5; Comp. Theol., cap. CVI; in Ioan., cap. I, lect. XI; Eph., cap. V, lect. III)

O sétimo discute-se assim — Parece que os que vêem a Deus em essência o compreendem.

1. — Pois, diz o Apóstolo (Fp 3, 12): Mas eu prossigo, para ver se de algum modo poderei compreender. Ora, não prosseguia em vão, como ele próprio o diz (1 Cor 9, 26): Pois eu assim corro, não como a coisa incerta. Logo, compreende. E, pela mesma razão os outros, que ele para tal convida, dizendo (1 Cor 9, 24): correi de tal maneira que o alcanceis.

2. Demais. — Como diz Agostinho, é compreendido o que é totalmente visto, de modo que nada escape a quem vê. Ora, se Deus é visto em essência, há-de sê-lo totalmente e de modo que nada escape a quem o vê, pois Deus é simples. Logo, quem o vê em essência o compreende.

3. Demais. — E nem vale dizer que é visto todo, mas não totalmente. — Totalmente exprime o modo de quem vê, ou o modo de ser visto. Ora, quem vê a Deus em essência o vê totalmente, se nos referirmos ao modo do ser visto, pois o vê como ele é, conforme se disse. Semelhantemente, vê-o totalmente, se nos referirmos ao modo de quem vê, pois o intelecto de quem vê a essência de Deus a vê com toda virtude de que é capaz. Logo, quem vê a Deus em essência vê-o totalmente. Logo, compreende-o.

Mas, em contrário, a Escritura (Jr 32, 18): Ó fortíssimo, grande e poderoso, o Senhor dos exércitos é o teu nome. Grande conselho e incompreensível no pensamento. Logo, não pode ser compreendido.

SOLUÇÃO. — Nenhum intelecto criado pode compreender a Deus; porém, atingi-lo, de qualquer modo, pela mente, é grande beatitude, diz Agostinho. E isto se evidencia considerando que compreendemos o que perfeitamente conhecemos. Ora, é perfeitamente conhecido o que o é em toda a sua cognoscibilidade. Por onde, não é compreendido aquilo que, sendo cognoscível por ciência demonstrativa, é admitido por opinião fundada em alguma razão provável. Assim, compreende que um triângulo tem os três ângulos iguais a dois retos quem aceitar essa verdade em virtude de uma demonstração; quem a aceitar, porém, por uma opinião provável, porque é uma proposição expressa pelos sábios ou por muitos outros, não a compreende, porque não alcança o perfeito modo do conhecimento pelo qual essa verdade é cognoscível.

Ora, nenhum intelecto criado pode alcançar aquele perfeito modo de conhecimento pelo qual a essência divina é cognoscível, o que assim se demonstra. Um ser é cognoscível na medida em que é atual. — Ora, Deus, cujo ser é infinito, como já demonstramos (q. 7, a. 1), é infinitamente cognoscível; mas, nenhum intelecto criado pode conhecê-lo infinitamente, porque cada qual conhece a divina essência mais ou menos perfeitamente, conforme é inundado de maior ou de menor lume da glória. Ora, como o lume criado da glória, recebido por qualquer intelecto criado, não pode ser infinito, é impossível que qualquer intelecto dessa natureza conheça infinitamente a Deus. Logo, não pode compreendê-lo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A palavra compreensão tem duplo sentido. Um estrito e próprio, segundo o qual um objeto se inclui no sujeito que compreende; e, neste sentido, Deus não pode, de nenhum modo, ser compreendido pelo intelecto, nem por nenhuma outra potência, porque, sendo infinito, não pode ser incluído no finito, de maneira que algum ser finito possa compreendê-lo tal como infinitamente é. Ora, é dessa compreensão que agora se trata. Mas, a compreensão, em sentido, mais amplo, opõe-se à pesquisa; assim, diz-se que compreende aquele que possui a quem procurava. E neste sentido, Deus é compreendido pelos bem-aventurados, conforme aquilo da Escritura (Ct 3, 4): Aferrei dele nem o largarei; sentido no qual se entendem os lugares do Apóstolo sobre a compreensão.

Neste sentido, a compreensão é um dos três dotes da alma correspondente à esperança, como a visão à fé, e a fruição à caridade. Nós, porém, não temos ou possuímos tudo o que vemos, pois vemos às vezes, o que está distante ou o que escapa ao nosso poder. Nem tão pouco, fruímos de tudo o que temos, quer porque não nos deleitamos com tais causas, quer porque não são o fim último do nosso desejo, que não satisfazem nem acalmam. Ora, estas três coisas os eleitos as possuem em Deus: vêem-no e, por isso, têm-no sempre presente e podem vê-lo sempre; e, por fim, possuindo-o, fruem-no como fim último, que satisfaz o desejo.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Deus é incompreensível, não porque haja uma parte dele que é vista e outra não; mas, porque não é visto tão perfeitamente como é visível. Assim, uma proposição demonstrável não é conhecida total e perfeitamente, como é cognoscível, quando conhecida por uma razão provável, embora desse tudo, tudo dela se conheça — sujeito, predicado e composição. Por isso Agostinho, definindo a compreensão, diz: Compreendemos o todo quando o vemos de modo tal que nada dele nos escape, ou quando os seus limites podem ser vistos pelo olhar.

Ora, vemos os limites de um objeto quando chegamos ao fim, no modo de conhece-lo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A palavra — totalmente — significa o modo de ser do objeto; não que o modo total de ser do objeto não seja apreendido pelo conhecimento mas, porque não é o modo de ser do conhecimento. Por onde, quem vê a Deus em essência vê, nele, que existe infinitamente e é infinitamente cognoscível; mas, esse modo infinito não lhe pertence, de maneira que conheça infinitamente; assim, podemos saber provavelmente que uma proposição é demonstrável, embora não a conheçamos demonstrativamente.

ART. VIII — SE OS QUE VÊEM A DEUS EM ESSÊNCIA VÊEM TUDO EM DEUS


(Infra., q. 57, a. 5; q. 106, a. 1, ad 1; III q. 10, a. 2; II Sent., dist. XI, a. 2; III, dist. XIV, a. 2, q. 2; IV, dist. XLV, q. 3, a. 1; dist. XLIX, q. 2, a. 5; III Cont. Gent., cap. LVI LIX; De Verit., q. 8, a. 4; q. 20, a. 4, 5)

O oitavo discute-se assim. — Parece que os que vêem a Deus em essência vêem tudo em Deus.

1. Pois, diz Gregório: O que não verão os que vêem a quem tudo vê? Ora, Deus vê tudo. Logo, tudo vêem os que vêem a Deus.

2. Demais. — Quem vê um espelho vê tudo o que nele reflete. Ora, todos os seres feitos por Deus, ou os que ele pode fazer, nele se refletem como num espelho; pois Deus conhece, em si mesmo, todas as coisas. Logo, quem vê a Deus vê tudo o que existe ou pode existir.

3. Demais. — Quem intelige o mais intelige o menos, como diz Aristóteles. Ora, tudo o que Deus faz ou pode fazer é menos que a sua essência. Logo, quem intelige a Deus intelige tudo que Deus faz ou pode fazer.

4. Demais. — A criatura racional deseja naturalmente saber tudo. Se, pois, vendo a Deus, não souber tudo, não acalma o seu desejo natural e, então, vendo a Deus, não será feliz, o que é inadmissível. Logo, vendo a Deus sabe tudo.

Mas, em contrário, os anjos vêem a Deus por essência e, entretanto, não sabem tudo. Pois os inferiores são purificados da ignorância, pelos superiores, como diz Dionísio. E, além disso, eles não conhecem os futuros contingentes e as cogitações dos corações, que só a Deus pertencem. Logo, os que vêem a essência de Deus nem por isso vêem tudo.

SOLUÇÃO. — O intelecto criado, vendo a essência divina, não vê nela, por isso, tudo o que Deus faz ou pode fazer. Pois, é manifesto que as coisas são vistas em Deus segundo nele estão. Ora, todas as coisas estão em Deus como os efeitos estão virtualmente na causa. Por onde, são vistas em Deus como aqueles, nestas. Mas, é manifesto que, quanto mais perfeitamente uma coisa for vista, tanto mais efeitos nela poderão ser descobertos. Assim, quem tem um intelecto eminente deduz imediatamente, de um principio demonstrativo proposto, o conhecimento de muitas conclusões, o que não pode fazer quem, dotado de intelecto mais fraco, precisa de receber de outrem a explicação de cada uma dessas conclusões.

Por onde, o intelecto que compreende totalmente a causa, pode conhecer, nela, todos os efeitos com as suas razões. Ora, nenhum intelecto criado pode compreender totalmente a Deus, como já demonstramos (a. 7). Logo, nenhum, vendo a Deus, pode saber tudo o que ele faz ou pode fazer, o que seria compreender-lhe o poder. Mas o intelecto que mais perfeitamente vir a Deus, tanto mais poderá conhecer o que ele faz ou pode fazer.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Gregório refere-se à suficiência do objeto, i. é, Deus que, em si mesmo, contém suficientemente todas as cousas e as manifesta. Mas daí não se segue que, quem o vê tudo conheça, porque ninguém o compreende perfeitamente.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Quem vê um espelho não vê necessariamente tudo o que ele reflete, a menos que, com o olhar, o abranja perfeitamente.

RESPOSTA À TERCEIRA — Embora seja mais ver a Deus, que todo o resto, contudo, é mais vê-lo de modo tal a conhecer nele todas as coisas, que de modo a nele conhecer não todas, mas poucas ou muitas. Pois, como já se demonstrou, a multidão das causas conhecidas em Deus depende do modo mais ou menos perfeito de o ver.

RESPOSTA À QUARTA. — O desejo natural da criatura racional é conhecer tudo o que lhe pertence à perfeição do intelecto, a saber, as espécies, os gêneros e as razões das coisas, que verá em Deus quem lhe vir a essência. Porém, conhecer seres singulares ou os seus pensamentos e atos não é da perfeição do intelecto criado, nem é essa a tendência do seu desejo, bem como não lhe pertence conhecer o que Deus não fez, mas pode fazer. Aliás, se só Deus fosse visto, fonte e princípio de todo ser e de toda verdade, ele satisfaria o desejo natural de saber, de modo tal, que nada mais buscaríamos e seríamos felizes. Por isso, diz Agostinho: (Ó Deus), como o homem é infeliz! Conhece tudo, menos a ti! Feliz, contudo, de quem te conhecer, ignorando tudo o mais! Quem te conhecer, porém, a ti e a todas as coisas, não por elas será mais feliz, mas, por ti só, bem-aventurado.

ART. IX — SE OS QUE VÊEM A DIVINA ESSÊNCIA NELA VÊEM AS COISAS POR MEIO DE CERTAS IMAGENS


(III Sent., dist. XIV, a. 1, q. 4, 5; De Verit., q. 8, a. 5)

O nono discute-se assim. — Parece que os que vêem a divina essência nela vêem as coisas por meio de certas imagens.

1. — Pois, todo conhecimento se dá por uma assimilação entre o conhecente e o conhecido. Assim, se o intelecto, em ato de conhecimento, se torna, no objeto inteligido, em ato de inteligibilidade, é por ser informado pela semelhança do que deve conhecer; do mesmo modo que, se a visão em ato se torna no sensível em ato, é porque a pupila é informada pela semelhança da cor. Por onde, o intelecto que vê a Deus em essência, para ver nele algumas criaturas há-de ser informado pelas semelhanças delas.

2. Demais. — Conservamos na memória as coisas que vimos primeiro. Ora, São Paulo, vendo num rapto a essência de Deus, como diz Agostinho, recordava-se, depois de acabada a visão, de muitas coisas que nela vira; e, por isso, ele mesmo diz (2 Cor 12, 4) que ouviu lá palavras secretas que não é permitido a um homem referir. Logo, é forçoso admitir que no seu intelecto permaneceram certas semelhanças das coisas de que se recordava. E, pela mesma razão, quando contemplava presencialmente a essência de Deus, tinha certas semelhanças ou espécies das coisas que nela via.

Mas, em contrário, pela mesma espécie vemos o espelho e as coisas que ele reflete. Ora, todas as coisas são vistas em Deus, que é um como espelho inteligível. Logo, se Deus mesmo não é visto por meio de nenhuma semelhança, mas pela sua essência, também as coisas nela vistas não são vistas por nenhumas semelhanças ou espécies.

SOLUÇÃO. — Os que contemplam a Deus em essência não vêem por nenhumas espécies as coisas que nela vêem, mas, por essa essência divina mesma, que lhes está unida ao intelecto. Assim, conhecemos uma coisa quando temos uma imagem dela, o que de dois modos se pode dar. Pois, como duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si; de dois modos a potência cognoscitiva pode assimilar-se a um objeto cognoscível. Ou em si, quando é diretamente informada pela imagem do objeto, e então o conhece em si mesmo; ou quando informada pela espécie de outro objeto semelhante ao primeiro, e então este não é conhecido em si mesmo mas, por meio do que lhe é semelhante.

Assim, um é o conhecimento que temos de um homem, em si mesmo, e outro, o que dele temos por meio de uma imagem. Por onde, conhecer as coisas pelas semelhanças delas em nós existentes é conhecê-las em si mesmas ou nas suas naturezas próprias; mas, conhecê-las por meio das imagens delas preexistentes em Deus, é vê-las em Deus. E estes dois modos de conhecimento diferem. Por isso, o conhecimento que têm das coisas os que as vêem em Deus mesmo, cuja essência contemplam, não é um conhecimento mediante outras imagens, mas mediante a só essência divina presente ao intelecto, pela qual também Deus é visto.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O intelecto criado de quem vê a Deus se assimila às coisas vistas enquanto ele está unido com a divina essência, na qual preexistem as imagens de todas as coisas.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Há certas potências cognoscitivas, que, das espécies primeiramente concebidas, podem formar outras; assim, a imaginação forma, das espécies pré-concebidas de monte e de ouro, a espécie de monte áureo; e o intelecto, das espécies pré-concebidas de gênero e de diferença, a diferença específica. E, igualmente, da semelhança de imagem podemos formar, em nós, a semelhança do ser ao qual ela pertence. E assim, Paulo, ou qualquer outro, vendo a Deus, pela visão mesma da essência divina, pode formar em si semelhanças das coisas vistas na divina essência; e essas permaneceram em Paulo mesmo depois que deixou de contemplar a essência de Deus. Esta visão, porém, pela qual são vistas as coisas, por meio de tais espécies assim concebidas, é diferente da visão pela qual as coisas são vistas em Deus.

ART. X — SE OS QUE VÊEM A DEUS EM ESSÊNCIA VÊEM SIMULTANEAMENTE TUDO O QUE NELE VÊEM


(Infra., q. 58, a. 2; II Sent., dis. III, q. 2, a. 4; III dist. XIV, a. 2, q. 4; III Cont. Gent., cap. LX; De Verit., q. 8, a. 14; Quodl., VII, q. 1, a. 2)

O décimo discute-se assim. — Parece que os que vêem a Deus em essência não vêem simultaneamente tudo o que nele vêem.

1. — Pois, segundo o Filósofo, podemos saber muitas coisas; mas, inteligir só uma. Ora, como Deus é visto pelo intelecto, inteligimos o que nele vemos. Logo, os que vêem a Deus não podem ver muitas coisas simultaneamente.

2. Demais. — Agostinho diz que Deus move a criatura espiritual no tempo, i. é, pela inteligência e pelo afeto. Ora, a criatura espiritual é o anjo, que vê a Deus. Logo, os que vêem a Deus inteligem e amam sucessivamente, pois o tempo implica a sucessão.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Nossos pensamentos não serão volúveis, indo e vindo de um objeto para outro, mas, simultaneamente e de um só olhar veremos toda a nossa ciência.

SOLUÇÃO. — As coisas vistas no Verbo sê-lo-ão simultânea e não, sucessivamente. Isto se prova considerando que não podemos inteligir muitas coisas simultaneamente, porque as inteligimos por espécies diversas. Ora, por espécies diversas, o intelecto de um mesmo homem não pode ser simultaneamente informado, para, por meio delas, inteligir, assim como um mesmo corpo não pode ter simultaneamente diversas figuras. Por onde, as coisas que podem ser inteligidas por meio de uma só espécie, podem ser simultaneamente inteligidas. Assim, as diversas partes de um todo são inteligidas sucessiva, e não, simultaneamente, se cada uma delas for inteligida por meio da sua espécie própria; serão inteligidas, ao contrário, simultaneamente, se todas o forem pela espécie do todo. Ora, como já demonstramos, as coisas vistas em Deus não são vistas cada uma pela sua representação, mas, todas, pela essência una de Deus. Por onde, são vistas simultânea e não, sucessivamente.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Por meio de uma só espécie inteligimos um só objeto; mas, as coisas inteligidas por meio de uma mesma espécie são inteligidas simultaneamente; assim, pela espécie de homem inteligimos o que é animal e o que é racional e, pela espécie de casa, a parede e o teto.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os anjos não conhecem simultaneamente todas as coisas, pelo conhecimento que lhes é natural, em virtude do qual conhecem as coisas por espécies diversas infusas: e, portanto, quanto à inteligência, são movidos no tempo. Mas, as coisas que vêem em Deus eles as vêem simultaneamente.

ART. XI — SE NESTA VIDA PODEMOS VER A DEUS EM ESSÊNCIA


(IIa. IIae., q. 180, a. 5; III Sent., dist. XXVII, q. 3, art. 1; dist. XXXV, q. 2, a. 2, q. 2; IV, dist. XLIX, q. 2, a. 7; III Con. Gent., cap. XLVII; De Verit., q. 10, a. 2; Quodl. I, q. 1; II Cor., cap. II, lect. 1)

O undécimo discute-se assim. — Parece que nesta vida podemos ver a Deus em essência.

1. — Pois, diz a Escritura (Gn 32, 30): Eu vi a Deus face a face. Ora, ver Deus face a face é vê-lo em essência, como diz o Apóstolo (1 Cor 13, 12): Nós agora vemos a Deus como por um espelho, em enigmas; mas então face a face. Logo, nesta vida podemos ver a Deus em essência.

2. Demais. — O Senhor diz de Moisés (Nm 12, 8): Porque eu lhe falo cara a cara, e ele vê o Senhor claramente, e não debaixo de enigmas ou figuras. Ora, isto é ver a Deus em essência.

3. Demais. — Aquilo pelo que conhecemos e julgamos tudo o mais deve-nos ser conhecido em si mesmo. Ora, já nesta vida, conhecemos tudo em Deus, pois diz Agostinho: Se ambos vemos que é verdade o que dizes e o que digo, onde, pergunto, o vemos? Nem em ti nem em mim, mas ambos, nessa verdade mesma incomunicável superior às nossas mentes. E o mesmo, noutro lugar, diz que julgamos de tudo segundo a verdade divina. E ainda, noutro: É próprio da razão julgar das coisas corpóreas por meio de razões incorpóreas e sempiternas que, se não fossem superiores à nossa mente, não seriam por certo incomutáveis. Logo, já nesta vida vemos a Deus em si mesmo.

4. Demais. — Segundo Agostinho, tudo o que está na alma em essência é visto por uma visão intelectual. Ora, esta atinge as coisas inteligíveis, não por semelhanças, mas pelas essências mesmas delas, como diz ainda esse autor, no mesmo passo. Ora, como Deus está em essência em a nossa alma, por essa essência nós o vemos.

Mas, em contrário, a Escritura (Ex 33, 20): Nenhum homem me verá e depois, viverá. O que comenta a Glosa: Nesta vida mortal podemos ver a Deus por certas imagens, não porém pela espécie mesma da sua natureza.

SOLUÇÃO. — Um homem puramente homem não pode ver a Deus, em essência, senão separado desta vida mortal. E a razão é que, como já dissemos (a. 4), o modo de conhecer depende da natureza do sujeito conhecente. Ora, nesta vida, a nossa alma tem o ser na matéria corpórea. Logo, não conhece naturalmente senão o que tem a forma na matéria, ou que, por meio desta, pode ser conhecido. Ora, é manifesto, que a divina essência não pode ser conhecida pelas naturezas das coisas materiais.

Pois, como já demonstramos (a. 2), o conhecimento de Deus, por meio de qualquer semelhança criada, não é a visão da sua essência. Por onde, é impossível à alma do homem, nesta vida, ver a essência de Deus. E a prova está em que a nossa alma, quanto mais abstrata das coisas corpóreas, tanto mais capaz se torna dos inteligíveis abstratos; e, por isso, no sonho e no alheamento dos sentidos do corpo, são melhor percebidas as revelações divinas e as previsões dos futuros. Logo, ser a alma elevada até ao supremo inteligível, que é a essência divina, não lhe é possível enquanto viver esta vida mortal.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Segundo Dionísio, quando a Escritura diz que certos viram a Deus, refere-se a certas figuras formadas, sensíveis ou imaginárias, e que representam algo de divino, por meio de alguma semelhança. E o dito de Jacó — Eu vi a Deus face a face — refere-se, não à essência divina, mas, à figura que representava a Deus. E o fato mesmo de ver a Deus falando, embora em visão imaginária, implica um caso eminente de profecia, como a seguir se dirá (IIa. IIae, q. 174, a. 3), quando se tratar dos graus da profecia. Ou quer designar uma certa eminência da contemplação inteligível, superior ao estado comum.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Assim como Deus opera miraculosa e sobrenaturalmente sobre as coisas corpóreas, assim também, sobrenaturalmente e fora da ordem comum, elevou até à visão da sua essência certos espíritos que, embora vivendo na carne, não lhe usavam os sentidos. É o que diz Agostinho de Moisés, o doutor dos Judeus; e de Paulo, doutor dos gentios. E disto mais abundantemente trataremos, quando estudarmos o rapto do Apóstolo (IIa. IIae., q. 175, a. 3).

RESPOSTA À TERCEIRA. — Quando dizemos que vemos tudo em Deus e de conformidade com ele julgamos de tudo, queremos significar que tudo conhecemos e julgamos por uma participação da sua luz; pois, o mesmo lume natural da razão é uma certa participação do divino lume; e assim também dizemos que vemos e julgamos todos os sentidos no sol, i. é, por meio da luz do sol. Por isso, diz Agostinho: Os objetos das ciências formam uma paisagem, que não pode ser vista senão iluminada pelo seu sol, i. é, por Deus. Assim, pois, como para vermos o sensível não necessitamos ver a substância do sol, assim, para vermos o inteligível não necessitamos ver a essência de Deus.

RESPOSTA À QUARTA. — A visão intelectual apreende o que está na alma em essência, como objetos inteligíveis no intelecto. E é assim, que Deus está na alma dos bem-aventurados; não, porém, em a nossa, na qual está pela presença, pela essência e pela potência.

ART. XII — SE PELA RAZÃO NATURAL PODEMOS CONHECER A DEUS NESTA VIDA


(Infra., q. 32, a. 1; q. 86, a. 2, ad 1; I Sent., dist. III, q. 1, a. 1; III, dist. XXVII, q. 3, a. 1; IV Cont. Gent., cap. I; in Boet. De Trinit., q. 1, a. 2; I Rom., cap. I, lect. VI)

O duodécimo discute-se assim. — Parece que pela razão natural não podemos conhecer a Deus nesta vida.

1. — Pois, diz Boécio, que a razão não apreende uma forma simples. Ora, Deus é a forma simples por excelência, como já se demonstrou. Logo, a razão natural não pode chegar ao conhecimento dele.

2. Demais. — A alma nada intelige pela razão natural sem fantasma, como diz Aristóteles. Ora, de Deus, que é incorpóreo, não podemos ter em nós um fantasma. Logo, não podemos dele ter conhecimento natural.

3. Demais. — O conhecimento da razão natural é comum aos bons e aos maus, como lhes é comum a natureza. Ora, o conhecimento de Deus é próprio só dos bons; pois, diz Agostinho, que a fraca penetração do intelecto humano não pode chegar a uma luz tão excelente sem ser purificada pela santidade da fé. Logo, Deus não pode ser conhecido pela razão natural.

Mas, em contrário, o Apóstolo (Rm 1, 19): O que se pode conhecer de Deus lhes é manifesto a eles, i. é., Deus é conhecível pela razão natural.

SOLUÇÃO. — O nosso conhecimento natural tem o seu princípio nos sentidos. Por onde, podemos entender até onde pudermos chegar mediante os sensíveis. Ora, mediante eles, o nosso intelecto não pode chegar a ver a divina essência. Pois, as criaturas sensíveis, sendo efeitos de Deus, não adequadas à virtude da causa, partindo do conhecimento sensível, não podem chegar a conhecer a virtude total de Deus; e por conseqüência, não lhe podem ver a essência. Mas, como os efeitos são dependentes da causa, podemos por eles chegar ao conhecimento da existência de Deus e dos atributos que lhe convém necessariamente, como causa primeira de todos os seres, que sobrepassa todos os seus efeitos. E assim conhecemos a sua relação com as criaturas de todas as quais é causa; e como estas diferem dele por que não é nenhuma das que criou; e enfim, sabemos que o que dele removemos não é por deficiência sua, mas, por sobre-excelência.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A razão não pode atingir uma forma simples de modo a lhe conhecer a quididade; pode, contudo, conhecer-lhe a existência.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Deus é conhecido pelos fantasmas que, dos seus efeitos, apreende o conhecimento natural.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O conhecimento da essência de Deus, sendo efeito da graça, só os bons o podem ter; mas, o conhecimento de Deus pela razão natural podem-no ter tanto os bons como os maus.

Por isso, diz Agostinho: Não aprovo o que disse nesta oração: Deus, que só aos puros permitiste saberem a verdade — pois poderiam responder que muitos, embora não puros conhecem muitas verdades, i. é, pela razão natural.

ART. XIII — SE PELA GRAÇA ALCANÇAMOS UM CONHECIMENTO MAIS ELEVADO DE DEUS, QUE PELA RAZÃO NATURAL


O décimo terceiro discute-se assim. — Parece que pela graça não alcançamos um conhecimento mais elevado de Deus, que pela razão natural.

1. — Pois, diz Dionísio, que quem se unir a Deus nesta vida une-se-lhe como ao que é absolutamente desconhecido. E diz o mesmo de Moisés, que contudo foi elevado a uma certa excelência, no conhecimento da graça. Ora, também pela razão natural podemo-nos unir a Deus, ignorando o que ele é. Logo, pela graça, não conhecemos a Deus mais plenamente, que pela razão natural.

2. Demais. — Pela razão natural não podemos chegar ao conhecimento das coisas divinas sem nos servirmos dos fantasmas. Logo, o mesmo se dará com o conhecimento pela graça. Pois, diz Dionísio, que o divino raio não pode luzir para nós senão coado através da variedade dos sagrados véus. Logo, pela graça não conhecemos mais plenamente a Deus, do que pela razão natural.

3. Demais. — O nosso intelecto adere, pela graça, à fé em Deus. Ora, parece que a fé não é um conhecimento, pois como diz Gregório, as coisas que se não vêem são o objeto da fé e não, do conhecimento. Logo, a graça não nos acrescenta nenhum conhecimento mais excelente de Deus.

Mas, em contrário, o Apóstolo (1 Cor 2, 10): Deus nos revelou pelo seu espírito, a saber, aquilo que nenhum dos príncipes deste século conhece; i. é, nenhum filósofo, como expõe a Glosa.

SOLUÇÃO. — Pela graça, alcançamos de Deus um conhecimento mais perfeito que pela razão natural, o que assim se demonstra. O conhecimento que temos, pela razão natural, exige duas condições: os fantasmas recebidos dos sentidos e o lume natural inteligível, em virtude do qual abstraímos dos fantasmas as concepções inteligíveis. Ora, quanto a estas duas condições, o conhecimento humano é ajudado pela revelação da graça. Pois, o lume natural do intelecto é reforçado pela infusão da luz da graça. E, por vezes, os fantasmas se formam, na imaginação do homem, por influência divina e exprimem melhor as coisas divinas, que os recebidos naturalmente dos sentidos, como se dá com as visões proféticas. E, também, às vezes, certas coisas sensíveis ou mesmo, palavras, são formadas divinamente, para exprimirem algo de divino. Assim, no batismo de Cristo, o Espírito Santo foi visto em forma de pomba e ouviu-se a voz do Pai, dizendo (Mt 3, 17): Este é meu Filho amado.

RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora pela revelação da graça não conheçamos, nesta vida, o que Deus é, e, assim, a ele nos unamos como a um desconhecido, contudo, conhecemo-lo mais plenamente enquanto se nos revelam efeitos seus, em maior número e excelência, e enquanto, por divina revelação, lhe atribuímos certas perfeições que a razão natural não pode alcançar, como p. ex, que é uno e trino.

RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO. — Por meio dos fantasmas recebidos dos sentidos pela razão natural, ou formados na imaginação por influência divina, alcançamos um conhecimento intelectual tanto mais excelente quanto mais forte for o nosso lume inteligível. E, assim, pela revelação, o conhecimento derivado dos fantasmas é mais perfeito, ajudado como é pela infusão do divino lume.

RESPOSTA À TERCEIRA OBJEÇÃO. — A fé é um certo conhecimento, enquanto que, por ela, o intelecto é determinado a algo de cognoscível. Mas, esta determinação a um objeto procede, não da visão do crente, mas, da visão daquele no qual se crê. E, assim, por essa falta de evidência, o conhecimento da fé é inferior ao conhecimento científico; pois, a ciência determina o intelecto a um objeto, pela visão e pela inteligência dos primeiros princípios.

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