sexta-feira, 7 de maio de 2010

Questão XXXIV - Do Verbo

QUESTÃO XXXIV. – DO VERBO


Em seguida, devemos tratar da Pessoa do Filho. Ora, atribuem-se três nomes ao Filho, a saber, Filho, Verbo e Imagem. Mas, a natureza do Filho fica tratada dependentemente da do Pai. Portanto, resta tratarmos do Verbo e da Imagem. Sobre o Verbo discutem-se três artigos:
  1. Se o Verbo se predica de Deus essencial ou pessoalmente;
  2. Se o Verbo é nome próprio do Filho;
  3. Se o nome de Verbo importa relação com as criaturas.

ART. I. – SE O VERBO, EM DEUS, É NOME DE PESSOA


(Ia. IIae., q. 93, a. 1. ad. 2; I Sent., dist. XXVII, q. 2, a. 2, qa. 1; De Pot., q. 9, a. 9, ad 7; De Verit., q. 4, a. 2; a. 4, ad 4)

O primeiro discute-se assim. – Parece que o Verbo, em Deus, não é nome de pessoa.
1. – Pois, os nomes pessoais em Deus se predicam em sentido próprio, como Pai e Filho. Ora, em Deus, o Verbo se predica metaforicamente, como diz Orígenes. Logo, o Verbo, em Deus, não é nome de pessoa.
2. Demais. – Segundo Agostinho, o verbo é o conhecimento com amor. E segundo Anselmo, para o Sumo Espírito – dizer – nada mais é do que a intuição cogitativa. Ora, o conhecimento, a cogitação e a intuição se predicam essencialmente, em Deus. Logo, o Verbo, em Deus, não significa nome de pessoa.
3. Demais. – Da natureza do Verbo é o ser dito. Ora, segundo Anselmo, assim como o Pai o Filho e o Espírito Santo são inteligentes, assim também são dicentes. E, semelhantemente, cada um deles é dito. Logo, o nome de Verbo se predica, em Deus, essencial e não pessoalmente.
4. Demais. – Nenhuma pessoa divina é feita. Ora, o Verbo de Deus é feito. Pois, diz a Escritura (Sl 128, 8): O fogo, o granizo, a neve, a geada, o espírito das tempestades, que executam a sua palavra. Logo, em Deus, o verbo não é nome de pessoa.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Assim como o Filho se refere ao Pai, assim o Verbo, ao ser ao qual pertence. Ora, Filho é nome de pessoa porque se predica relativamente. Logo, também o Verbo.
SOLUÇÃO. – O nome de Verbo, em Deus, em acepção própria, é nome de pessoa e de nenhum modo de essência. Para evidenciá-lo devemos saber, que o verbo, em nós, de tríplice modo se usa, em acepção própria; e, de um quarto modo, imprópria ou figuradamente. Ora, mais manifesta e comumente em nós se chama verbo o que é proferido pela palavra e que procede do interior, quanto a duas características que aparecem no verbo exterior, a saber, a palavra em si mesma e a sua significação. Ora, a palavra significa o conceito do intelecto, segundo o Filósofo; e como ainda diz o mesmo, ela procede da imaginação; ao passo que a palavra não significativa não se pode chamar de verbo. Pois, o verbo se chama palavra exterior por significar o conceito interior da mente. Assim, chama-se verbo, primária e principalmente, o conceito interior da mente; secundariamente, a palavra mesma significativa deste conceito; e em terceiro lugar, a imaginação mesma da palavra. E a esta tríplice modalidade do verbo se refere Damasceno, dizendo: Verbo se chama o movimento natural do intelecto, segundo o qual este se move, intelige e cogita, e é uma como luz e esplendor – quanto ao primeiro modo; em seguida, verbo é o que se não profere por palavra, mas se pronuncia no coração – quanto ao terceiro; e enfim, o verbo é anjo, i. é, o núncio, da inteligência – quanto ao segundo. – Porém, de um quarto modo e figuradamente, chama-se verbo o que significado ou feito pela palavra; e neste sentido costumamos dizer: Este é o verbo que te disse, ou, que o rei mandou, aludindo-se a algum fato significado pela palavra de quem simplesmente a enuncia ou manda.
Porém, em Deus propriamente se usa do vocábulo verbo para significar o conceito do intelecto. Por isso, diz Agostinho: Quem puder inteligir o verbo não somente antes da palavra soar, mas ainda,antes de serem apreendidas pela cogitação as imagens dos seus sons, já pode ver alguma semelhança daquele Verbo, do qual foi dito: No princípio era o Verbo. Mas, o conceito mental procede, por natureza, de outro, i. é, do conhecimento de quem o concebe. E, por isso, o Verbo, enquanto propriamente predicado de Deus, significa uma realidade procedente de outra; e isso pertence à essência dos nomes pessoais, em Deus, porque as pessoas divinas se distinguem pela origem, como se disse (q. 27; q. 32, a. 3). Donde, necessariamente vem, que o nome de Verbo predicado propriamente de Deus, não é tomado em acepção essencial, mas somente pessoal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os arianos, dos quais Orígenes é a fonte, ensinaram que o Filho é outro que não o Pai por diversidade de substância. Mas, como o Filho se chama Verbo de Deus, esforçaram-se por negar que seja esse um nome próprio dele; para não serem forçados a confessar, admitindo a idéia de Verbo procedente, que o Filho de Deus não é extra-substancial ao Pai, pois o verbo procede interiormente de quem o profere; de modo que lhe é imanente. – Mas é forçoso, desde que se admita o verbo de Deus, em sentido metafórico, admitir-se o verbo divino em sentido próprio. Pois nada, senão em virtude da manifestação, pode se chamar metaforicamente verbo, porque ou manifesta, como verbo, ou é pelo verbo manifestado. Ora, se for deste último modo, é necessário admitir-se o verbo pelo qual se manifeste. E se se chamar verbo, porque manifesta exteriormente, essas manifestações exteriores não se chamam verbos senão como significativas do conceito interior da mente, que manifestamos também por sinais exteriores. E assim, embota por vezes, em Deus, o verbo se predique metaforicamente, todavia é necessário nele admitirmos o Verbo propriamente dito, em sentido pessoal.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Nada do que concerne ao intelecto se predica pessoalmente de Deus, senão o Verbo; porque só este significa o que emana de outro; pois, o verbo é a concepção formada pelo intelecto. Ora, o intelecto, enquanto atualizado pela espécie inteligível é considerado de modo absoluto. E semelhantemente, o inteligir, que está para o intelecto em ato como a essência, para o ser em ato; pois, inteligir não significa ação que saia do intelecto, mas é imanente no ser que intelige. Portanto, quando dizemos que o Verbo é conhecimento, este conhecimento não significa o ato do intelecto conhecente, ou qualquer hábito dele, mas, aquilo que o intelecto concebe, quando conhece. Por isso diz Agostinho, que o Verbo é a sabedoria gerada, e que nada mais é senão a própria concepção do sábio a qual, de igual modo, também se pode chamar conhecimento gerado. E do mesmo modo podemos entender que, dizer, em Deus, é cogitar intuitivamente, i. é, enquanto que essa cogitação intuitiva divina leva à concepção do Verbo de Deus. Porém esse vocábulo – cogitação – não convém propriamente ao Verbo divino. Pois, diz Agostinho: Ao chamado Verbo não se pode denominar cogitação; para que se não creia haver em Deus algo de mutável que, depois de ter recebido a forma do verbo, possa vir a perdê-la sujeito a uma como informe transformação. Pois, a cogitação consiste propriamente em indagar a verdade, o que não pode ter lugar em Deus. Pois, quando o intelecto já atingiu a forma da verdade, não cogita, mas contempla perfeitamente. Por onde, Anselmo impropriamente toma a cogitação pela contemplação.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Assim como, propriamente falando, o Verbo se predica de Deus, pessoal e não essencialmente, assim também o dizer. Por onde, não sendo o Verbo comum ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, também não é verdade seja o Pai o Filho e o Espírito Santo um só dicente. Por isso Agostinho ensina: Em Deus não se entende como um só o que diz, por aquele Verbo coeterno. Mas, ser dito convém a qualquer das Pessoas, pois, é dito não só o Verbo, mas ainda as coisas por este inteligidas ou significadas. Assim, pois, a uma só das Pessoas divinas convém o ser dita, do modo pelo qual o verbo é dito; porém, a cada uma delas convém ser dita do modo pelo qual o é, pelo verbo, a coisa inteligida. Assim, o Pai concebe o Verbo inteligindo-se a si, ao Filho, ao Espírito Santo e a tudo o mais que a sua ciência contém; de maneira que toda a Trindade e mesmo toda criatura sejam ditas pelo Verbo, do mesmo modo que o intelecto humano diz, pelo verbo, ser pedra o que concebe como pedra. Porém, Anselmo toma impropriamente dizer por inteligir, que, contudo, diferem. Pois, inteligir só importa relação entre o inteligente e o objeto inteligido, na qual se não compreende nenhuma idéia de origem, mas só uma certa informação do nosso intelecto, como atualizado pela forma da coisa inteligida. Em Deus, porém, importa omnímoda identidade, em quem se identifica absolutamente o inteligente com o inteligido, como já vimos (q. 14, a. 2, 4). Ao passo que dizer importa principalmente relação com o verbo concebido, pois dizer nada é senão proferir o verbo. E, mediante o verbo, importa relação com o objeto inteligido, o qual pelo proferido se manifesta a quem intelige. Assim, só a Pessoa que profere o Verbo é, em Deus, dicente, embora cada uma das Pessoas singularmente seja inteligente e inteligida e, por conseguinte, dita pelo Verbo.
RESPOSTA À QUARTA. – Verbo, no lugar citado se toma em sentido figurado, enquanto o significado ou o efeito de verbo se chamam verbo. Assim, dizemos que as criaturas executam o verbo de Deus, por executarem algum efeito ao qual foram ordenados pelo Verbo concebido da divina sabedoria. Do mesmo modo dizemos, que alguém cumpre o verbo do Rei, quando executa a obra a qual é levada por esse verbo.

ART. II - SE VERBO É O NOME PRÓPRIO DO FILHO


(I Sent., dist. XXVII, q. 2, a. 2, qª 2; De Verit., q. 4. a. 3; Contra errors Graec., cap. XII. Ad Hebr., cap. 1, lect. II)

O segundo discute-se assim. – Parece que o Verbo não é o nome próprio do Filho.
1. – Pois, o filho é uma pessoa divina subsistente. Ora, o verbo não significa nenhuma realidade subsistente, como em nós o vemos. Logo, o Verbo não pode ser nome próprio da pessoa do Filho.
2. Demais. – O verbo procede de quem o diz, por uma certa prolação. Se pois o Filho é propriamente Verbo, não procede do Pai senão a modo de prolação; o que é a heresia de Valentino, como se vê em Agostinho.
3. Demais. – Todo nome próprio de pessoa significa alguma propriedade desta. Se, pois, o Verbo é nome próprio do Filho, significará alguma propriedade deste e assim haverá mais propriedades em Deus do que as supra enumeradas (q. 32, a. 3).
4. Demais. – Quem intelige, inteligindo, concebe o verbo. Ora, o Filho intelige. Logo, é um certo verbo e portanto não lhe é próprio ser o Verbo.
5. Demais. – Diz a Escritura, do Filho (Hb 1, 3): Sustentando tudo com a palavra da sua virtude; donde conclui Basílio que o Espírito Santo é o Verbo do Filho. Logo, não é próprio do Filho ser Verbo.
Mas, em contrário, Agostinho: Só o Filho é considerado como Verbo.
SOLUÇÃO. – O Verbo divino propriamente dito é considerado como pessoa, e é o nome próprio da pessoa do Filho. Pois significa uma certa emanação do intelecto. Ora, a pessoa divina que procede por emanação do intelecto se chama Filho, denominando-se tal processão geração, como se demonstrou (q. 27, a. 2). Por onde resulta que só o Filho propriamente pode chamar-se Verbo divino.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Em nós não se identifica o ser com o inteligir; por isso o que em nós é essência inteligível não pertence à nossa natureza. Ora, o ser de Deus se lhe identifica com o inteligir. Portanto, o Verbo de Deus não é nele um acidente ou algum efeito seu, mas lhe pertence à natureza mesma. Logo e necessariamente, deve ser uma realidade subsistente; pois, tudo o que existe em a natureza de Deus, subsiste. E por isso Damasceno diz, que o Verbo de Deus é substância e ente hipostático; ao passo que os outros verbos, i. é, os nossos, são virtudes da alma.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O erro de Valentino não foi condenado por ensinar que o Filho nasce por prolação, como o faziam os Arianos, segundo refere Hilário; mas, pelo modo diverso de prolação que admitia, como se vê em Agostinho.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O nome de Verbo importa a mesma propriedade que a do nome de Filho. E por isso diz Agostinho: Do modo porque se diz Verbo também se diz Filho. Pois, a natividade do Filho, que é propriedade pessoal sua, é significada por diversos nomes, que se lhe atribuem para lhe exprimirem diversamente a perfeição. Assim, para mostrarmos que é conatural com o Pai, lhe chamamos Filho; que é coeterno, Esplendor; que é absolutamente semelhante, Imagem; que é imaterialmente gerado, Verbo. E não é possível achar um só nome para designarmos tudo isso.
RESPOSTA À QUARTA. – Convém ao Filho ser inteligente do mesmo modo que lhe convém ser Deus, desde que, em Deus, inteligir é predicado essencial, como vimos (a. 1, ad 2, 3). Ora, o Filho é Deus gerado e não Deus gerador. Por onde, é por certo inteligente, não como produtor do Verbo, mas como Verbo procedente, i. é, enquanto em Deus o Verbo procedente não difere realmente do intelecto divino, mas só relativamente se distingue do princípio do Verbo.
RESPOSTA À QUINTA. – Quando a Escritura diz, do Filho: Sustentando tudo com a palavra da sua virtude – o verbo é tomado figuradamente pelo seu efeito. Por isso, a Glosa a esse lugar diz, que verbo significa império, i. é, enquanto pelo efeito da virtude do Verbo é que as coisas se conservam no ser, assim como pelo efeito da mesma virtude é que vem ao ser. Quando, porém, Basílio interpreta verbo por Espírito Santo, fala imprópria e figuradamente, no sentido em que se pode dizer que verbo de alguém é tudo aquilo que lhe é manifestativo do ser; podendo-se então dizer que o Espírito Santo é verbo do Filho porque o manifesta.

ART. III. – SE O NOME DE VERBO IMPORTA RELAÇÃO COM A CRIATURA


(Infra q. 37, a. 1, ad 3; I Sent., dist. XXVII, q. 2, a. 3; De Verit., q. 4, a. 5; Quodl. IV, q. 4, a. 1, ad 1)

O terceiro discute-se assim. – Parece que o nome de Verbo não importa relação com a criatura.
1. – Pois, todo nome, que designe um efeito na criatura, essencialmente se predica de Deus. Ora, o verbo não se predica essencial, mas, pessoalmente, como se disse (a. 1). Logo, não importa relação com a criatura.
2. Demais. – O que importa relação com as criaturas se predica de Deus temporalmente, como Senhor e Criador. Ora, o Verbo se predica de Deus abeterno. Logo, não importa relação com a criatura.
3. Demais. – O verbo importa relação com o ser donde procede. Se, portanto, importa relação com a criatura, segue-se que desta procede.
4. Demais. – As idéias são várias, conforme as diversas relações com as criaturas. Se, pois, o Verbo importa relação com as criaturas, segue-se que em Deus não há um só, mas vários verbos.
5. Demais. – Se o Verbo importa relação com a criatura, só pode ser enquanto estas são dele conhecidas. Ora, Deus, não somente conhece o ser, mas ainda o não-ser. Logo, o Verbo, importará relações com o não-ser, o que é falso.
Mas, em contrário, diz Agostinho, que o nome de Verbo implica, não somente relação com o Pai, mas ainda com as potências, que foram feitas operativas pelo Verbo.
SOLUÇÃO. – O Verbo importa relação com as criaturas. Pois, Deus, conhecendo-se, conhece a todas. Ora, o Verbo concebido na mente é representativo de tudo o que é inteligido em ato. Por isso, são tantos os nossos verbos quantas as coisas que inteligimos. Mas, como Deus, pelo mesmo ato, se intelige a si e a todas as coisas, o seu único Verbo é expressivo não só do Pai, mas também das criaturas. E assim a ciência de Deus é cognoscitiva, ao passo que a da criatura é cognoscitiva e factiva; assim, o Verbo de Deus é somente expressivo do que existe em Deus; o das criaturas, porém, é expressivo e operativo. Por isso diz a Escritura (Sl 32, 9): Ele disse e foram feitas as coisas, porque o Verbo implica a razão factiva das coisas que Deus faz.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O nome de pessoa inclui também indiretamente a natureza; pois, a pessoa é uma substância individual de natureza racional. Ora, o nome de pessoa divina, no concernente à relação pessoal, não implica relação com a criatura, mas o implica no que concerne a natureza. Nada porém impede, desde que a essência se inclui na significação de pessoa, que esta última importe relação com a criatura. Pois, assim como é próprio ao Filho ser Filho, assim também lhe é próprio ser Deus gerado ou Criador gerado. E deste modo, o nome de Verbo importa relação com a criatura.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Derivando as relações das ações, certos nomes importam relação de Deus com a criatura, resultante da ação de Deus transitiva para um efeito exterior, como criar e governar. E tais nomes se predicam de Deus temporalmente. Outros porém exprimem a relação resultante de ação não transitiva para um efeito exterior, mas imanente no sujeito, como, saber e querer; e tais nomes não se predicam de Deus temporalmente. Ora, é esta última relação com a criatura que importa o nome de Verbo. Nem é verdade que os nomes que importam relação de Deus com as criaturas se prediquem todos temporalmente; mas só aqueles, que importam relação resultante da ação divina transitiva para um efeito exterior, é que temporalmente se predicam.
RESPOSTA À TERCEIRA. – As criaturas não são conhecidas por Deus, de ciência que ele por meio delas obtivesse, mas pela sua essência. Por onde, não é necessário que o Verbo proceda das criaturas, embora seja delas expressivo.
RESPOSTA À QUARTA. – O nome de idéia, sendo principalmente imposto para significar relação com a criatura, predica-se de Deus no plural, e não é nome pessoal. Mas, o nome de Verbo principalmente é imposto para significar relação com quem o profere e, por consequência, com as criaturas, enquanto que Deus, inteligindo-se, intelige a todas. E por isso de Deus só há um Verbo pessoalmente predicado.
RESPOSTA À QUINTA. – Assim como a ciência de Deus se refere ao não ser, assim também o Verbo de Deus; pois, não há no Verbo de Deus nada menos do que na ciência de Deus, como diz Agostinho. Contudo, do ser, o Verbo é expressivo e factivo, ao passo que, do não ser, é expressivo e manifestativo.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Questão XXXIII - Da pessoa do Pai

QUESTÃO XXXIII. — DA PESSOA DO PAI


Em seguida, devemos tratar das Pessoas em especial. E primeiro da Pessoa do Pai, sobre a qual quatro artigos se discutem:
  1. Se compete ao Pai ser princípio;
  2. Se a Pessoa do Pai é propriamente significada pelo nome de Pai;
  3. Se em Deus a denominação Pai, na acepção pessoal, é anterior à tomada na acepção essencial;
  4. Se é próprio do Pai ser ingênito.

ART. I. — SE COMPETE AO PAI SER PRINCÍPIO DO FILHO, OU DO ESPÍRITO SANTO


(I Sent., dist. XII, a. 2, ad 1; dist. XXIX, a. 1; III, dist. XI, a. 1. ad 5; De Pot., q. 10, a. 1, ad 8 sqq.; Contra errores Graec., cap. 1)

O primeiro discute-se assim. — Parece que o Pai não pode ser princípio do Filho ou do Espírito Santo.
1. — Pois, princípio e causa se identificam, segundo o Filósofo. Ora, não dizemos que o Pai é causa do Filho. Logo, nem devemos dizer que é deste o princípio.
2. Demais. — Um princípio supõe um principiado. Se, pois, o Pai é o princípio do Filho, segue-se que este principiou e, por consequência, foi criado, o que é errôneo.
3. Demais. — O nome de princípio supõe prioridade. Ora, em Deus não há anterior nem posterior, como diz Atanásio. Logo, a ele não lhe devemos aplicar o nome de princípio.
Mas, em contrário, Agostinho: O pai é o princípio de toda divindade.
SOLUÇÃO. — O nome de princípio significa aquilo de que alguma coisa procede, pois damos tal nome a tudo aquilo de que alguma causa de qualquer modo procede, e inversamente. Donde, como do Pai procede outro, resulta que o Pai é princípio.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os Gregos aplicam a Deus, indiferentemente os nomes de coisa e de princípio, mas os Doutores latinos não usam do nome de causa, mas só do de princípio. E a razão é que princípio é mais que causa, como causa o é mais que elemento; assim, o primeiro termo ou mesmo a primeira parte de uma coisa se chama princípio e não, causa. Ora, quanto mais comum é um nome tanto mais convém a Deus, como dissemos (q. 13, a. 2), porque os nomes, quanto mais especiais tanto mais determinam o modo conveniente à criatura. Donde, o nome de causa importa diversidade de substância e dependência entre uma coisa e outra, o que não importa o nome de princípio. Pois, em todos os gêneros de causa, sempre existe diferença entre a causa e o efeito, relativamente a alguma perfeição ou virtude. Usamos do nome de princípio, porém, mesmo entre coisas que não diferem do modo por que acabamos de expor, mas somente segundo certa ordem; assim, quando dizemos que o ponto é o princípio da linha, ou ainda, que a primeira parte da linha é desta o princípio.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Os Gregos dizem, que o Filho e o Espírito Santo principiaram. Mas isto não usam dizer os nossos Doutores; pois, embora atribuamos ao Pai alguma autoridade, em razão de princípio, todavia não atribuímos, quer ao Filho, quer ao Espírito Santo, qualquer sujeição ou minoração, para evitar a ocasião de algum erro. E deste modo diz Hilário: O Pai é maior pela autoridade de doador; mas não é menor o Filho, ao qual um ser é dado.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora o nome de princípio, quanto à proveniência da sua significação, se considere como supondo a prioridade, todavia não significa a prioridade, mas a origem. Pois, o que o nome significa não é o mesmo que a razão da sua significação, como dissemos (q. 13, q. 2 ad 2; a. 8).

ART. II. — SE O NOME DE PAI É PROPRIAMENTE NOME DE PESSOA DIVINA


(Infra, q. 40, a. 2)

O segundo discute-se assim. — Parece que o nome de Pai não é propriamente nome de Pessoa divina.
1. — Pois, o nome de Pai significa uma relação. Ora, a pessoa é uma substância individual. Logo, o nome de Pai não é propriamente significativo de pessoa.
2. Demais. — Generante tem significação mais geral do que pai; pois, todo pai é generante, não porém inversamente. Ora, o nome de significação mais geral, mais propriamente se aplica a Deus, como se viu (a. 1). Logo, mais propriamente se aplica à Pessoa divina o nome de generante e o de genitor, que o de Pai.
3. Demais. — Nenhum nome metafórico pode ser aplicado em sentido próprio. Ora, o verbo, em nós, metaforicamente se chama genito, ou prole; e por consequência, aquele de quem o verbo procede metaforicamente se chama pai. Logo, em Deus, o princípio do Verbo não se pode propriamente chamar Pai.
4. Demais. — Tudo quanto propriamente se diz de Deus, dele e não das criaturas sé diz primariamente. Ora, a geração a título primário não se atribui a Deus, mas às criaturas, segundo parece; pois, mais verdadeiramente parece que há a geração onde um ser procede de outro, distinto este, daquele, não só relativa mas ainda essencialmente. Logo, o nome de pai, originado da geração, não é próprio a nenhuma das divinas pessoas. Mas, em contrário, a Escritura (Sl 88, 27): Ele me invocará dizendo: Tu és meu Pai.
SOLUÇÃO. — O nome próprio de uma pessoa significa aquilo pelo qual ela se distingue de todas as outras. Assim, pois, como da natureza do homem é o ter alma e corpo, assim da idéia de tal homem é tal alma e tal corpo, como diz o Filósofo; porquanto é dessa maneira que tal homem se distingue dos outros. Ora, o que distingue a pessoa do Pai de todas as outras é a paternidade. Logo, o nome próprio dessa pessoa é Pai, significativo da paternidade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Em nós, a relação não é uma pessoa subsistente. Por isso, o nome de pai, em nós, não significa a pessoa mas a sua relação. Ora, em Deus, não é assim, como alguns falsamente opinaram, porque a relação que significa o nome de Pai é uma pessoa subsistente. Por isso dissemos (q. 29, a. 4), que o nome de pessoa em Deus significa relação subsistente na divina natureza.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A denominação de um ser deve se tirar sobretudo da sua perfeição e do seu fim, como diz o Filósofo. Ora, a geração exprime o vir à ser; ao passo que a paternidade significa o complemento da geração. Por onde, mais próprio é da divina pessoa o nome de pai do que o de generante ou genitor.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Em a natureza humana, o verbo, não sendo nada de subsistente, não se pode propriamente chamar genito ou filho. Ao contrário, o Verbo divino é uma realidade subsistente em a natureza divina; por isso própria e não metaforicamente se chama Filho; e o seu princípio, Pai.
RESPOSTA À QUARTA. — Os nomes de geração, paternidade e outros que propriamente se atribuem a Deus, primeiro se predicam dele que das criaturas, quanto à realidade significada, embora não quanto ao modo de significar. Daí o dizer a Escritura (Ef 3, 14-15): Dobro eu os meus joelhos diante do Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda a paternidade toma o nome nos céus e na terra. E isto assim se explica. É manifesto que do seu termo — a forma do gerado — é que a geração recebe a sua espécie. E quanto mais tal forma estiver próxima da do generante, tanto mais verdadeira e perfeita será a geração; assim, a geração unívoca é mais perfeita que a não unívoca, por ser da natureza do generante o gerar o que lhe é semelhante pela forma. Donde, o fato mesmo de se identificarem numericamente, em Deus, as formas do generante e do genito, e de nas coisas criadas se não identificarem numérica, mas apenas especificamente, mostra que a geração, e por consequência a paternidade, primeiro se atribui a Deus que às criaturas. Logo, o haver em Deus distinção entre o genito e o generante, mas apenas quanto à relação, pertence à verdade da divina geração e paternidade.

ART. III. — SE O NOME DE PAI, TOMADO PESSOALMENTE, SE ATRIBUI PRIMARIAMENTE A DEUS


O terceiro discute-se assim. — Parece que o nome de pai, tomado pessoalmente, não se atribui primàriamente a Deus.
1. — Pois, o comum é intelectualmente anterior ao próprio. Ora, o nome de Pai, tomado pessoalmente, é próprio da Pessoa do Pai; tomado essencialmente, é comum a toda a Trindade, pois, a toda a Trindade chamamos Pai nosso. Logo, o nome de pai, tomado essencialmente, se atribui primeiro do que tomado pessoalmente.
2. Demais. — De coisas da mesma natureza nada se predica por anterioridade e posterioridade. Ora, a paternidade e a filiação predicam-se como constituindo uma só noção, por ser uma Pessoa divina Pai do Filho, e toda a Trindade Pai nosso ou da criatura; pois, segundo Basílio, receber é comum à criatura e ao Filho. Logo, a Deus a denominação de Pai, tomada essencialmente, não se atribui, antes, do que quando tomada pessoalmente.
3. Demais. — Não se comparam coisas que não correspondem a uma mesma noção. Ora, o Filho é comparável à criatura em razão da filiação ou da geração, segundo a Escritura (Cl 1, 15): Que é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criatura. Logo, em Deus, a paternidade, em sentido pessoal, não se atribui a Deus primeiro que em sentido essencial; mas, segundo a mesma noção.
Mas, em contrário, o eterno é anterior ao temporal. Ora, Deus é abeterno Pai do Filho, ao passo que é Pai temporal das criaturas. Logo, a paternidade, em Deus, relativamente ao Filho, se diz primeiro do que em relação à criatura.
SOLUÇÃO. — Um nome se atribui primeiro ao ser ao qual perfeitamente se aplica toda a sua noção, do que àquele ao qual a noção se aplica parcialmente; pois a este se atribui como por semelhança com aquele do qual perfeitamente se predica, porque todo o imperfeito deriva do perfeito. Assim, o nome de leão atribui-se primeiro ao animal ao qual convém a noção total do leão, e que é chamado propriamente tal, do que a um homem no qual se encontre algo da noção do leão, p. ex., a audácia, a força, ou qualquer outro atributo semelhante: pois, a esse homem se atribui por semelhança. Ora, é manifesto, pelo que já dissemos (q. 27, a. 2; q. 28, a. 4), que a noção perfeita de paternidade e de filiação existe em Deus Pai e em Deus Filho, pois, a mesma é a natureza e a glória do Pai e do Filho. Ao passo que na criatura existe a filiação, relativamente a Deus, não na sua noção perfeita, pois não é a mesma a natureza do Criador e a da criatura; mas, por certa semelhança. E esta, quanto mais perfeita, tanto mais se aproximará da verdadeira noção da filiação. Assim, de certas criaturas como as irracionais, se diz que Deus é Pai, só pela semelhança de vestígio, segundo a Escritura (Jó 38, 28): Quem é o pai da chuva? ou: Quem produziu as gotas de orvalho? De certas outras, porém, como as racionais, por semelhança de imagem, conforme a Escritura (Dt 32, 6): Não é ele teu pai, que te possuiu e te fez e te criou? Ainda de outras é Pai pela semelhança da graça, e estas também se chamam filhos adotivos, enquanto ordenadas à herança da glória eterna por um dom recebido da graça, segundo o Apóstolo (Rm 8, 16-17): porque o mesmo Espírito dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos de Deus, e se somos filhos, também herdeiros. De outras, enfim, pela semelhança da glória, enquanto desta já possuem a herança segundo o Apóstolo (Rm 5, 2): E nos gloriamos na esperança da glória dos filhos de Deus.
Donde resulta claro que, de Deus, a paternidade se predica primariamente enquanto importa relação de Pessoa com Pessoa, do que enquanto importa relação sua com as criaturas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os nomes comuns, empregados em sentido absoluto, têm prioridade sobre os próprios, quanto à ordem do nosso intelecto, pois se incluem no conceito destes; não porém inversamente. Assim, o conceito da Pessoa de Pai inclui o de Deus, se bem não ao inverso. Mas, os nomes comuns, que implicam relação com as criaturas, predicam-se posteriormente aos próprios, que incluem relações pessoais; porque, em Deus, a pessoa procedente procede como principio da produção das criaturas. Pois, assim como se entende que o verbo concebido pela mente do artífice procede deste antes de proceder o artificiado, o qual é produzido por semelhança com o verbo mentalmente concebido; assim, do Pai procede o Filho, antes da criatura, à qual se atribui o nome de filiação por participar algo da semelhança do Filho, como está claro na Escritura (Rm 8, 29): Os que Ele conheceu na sua presciência, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Diz-se que receber é comum à criatura e ao Filho, não por invocação, mas por certa semelhança remota, em razão da qual ele se chama primogênito da criatura. Por isso a autoridade citada acrescenta: Para ser ele o primogênito entre muitos irmãos — depois de haver dito: Certos se tornam conformes à imagem do Filho de Deus. Ora, o Filho de Deus tem naturalmente, sobre todos os seres uma certa singularidade, a saber, possuir por natureza o que recebe, como diz o mesmo Basílio. E é neste sentido que se chama unigênito, como se vê na Escritura (Jo 1, 18): O unigênito, que está no seio do Pai, esse é quem nos deu a conhecer. Donde resulta a RESPOSTA À TERCEIRA objeção.

ART. IV. — SE É PRÓPRIO DO PAI SER INGÊNITO


(I Sent., dist. XIII, a. 4; dist. XXVIII, q. 1, a. 1; Cont. Errores Graec., cap. VIII)

O quarto discute-se assim. — Parece que não é próprio do Pai ser ingênito.
1. — Pois, toda propriedade introduz alguma realidade no ente ao qual pertence. Ora, ingênito nada introduz no Pai, mas somente dele remove. Logo, não implica nenhuma propriedade sua.
2. Demais. — Ingênito é palavra que se emprega em sentido privativo ou negativo. Se negativo, então tudo o que não for genito pode se chamar ingênito. Ora, o Espírito, bem como a essência divina, não é genito. Por isso, também lhes convém o ser ingênito; o que não é, portanto, próprio do Pai. Se porém o sentido for privativo, como toda privação implica uma imperfeição no ser privado, segue-se que a pessoa do Pai é imperfeita; o que é impossível.
3. Demais. — Ingênito, por não se predicar de Deus relativamente, não significa relação. Logo, significa substância. Portanto ingênito e genito substancialmente diferem. Ora, o Filho, que é genito, não difere substancialmente do Pai. Logo, este se não deve chamar ingênito.
4. Demais. — É próprio o que a um só convém. Ora, como em Deus há vários procedentes de outro, nada impede haver também vários não existentes por outro. Logo, não é próprio do Pai ser ingênito.
5. Demais. — Sendo o Pai princípio da pessoa genita, sê-lo-á também da procedente. Se portanto, pela contrariedade que tem com a pessoa genita, é próprio do Pai ser ingênito, também dele deve se admitir como próprio não poder ser procedente.
Mas, em contrário, diz Hilário: Um vem de outro, isto é, do ingênito o genito, pela propriedade de cada um, a saber, a inascibilidade e a origem.
SOLUÇÃO. — Como as criaturas têm um princípio primeiro e outro, segundo, assim as Pessoas divinas, nas quais não há prioridade e posterioridade, têm um princípio sem princípio, que é o Pai, e um princípio com princípio, que é o Filho. Ora, nas criaturas um princípio primeiro de dois modos se nos manifesta: como tendo relação com o que de si provém, e como não procedente de outro. Assim, pois, o Pai se nos manifesta pela paternidade e pela espiração comum, quanto às pessoas dele procedentes; porém, como princípio sem princípio, manifestasse-nos por não proceder de outro, o que constitui a propriedade de inascibilidade, significada pelo nome ingênita.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Alguns dizem que a inascibilidade, significa da pelo nome ingênito, como propriedade do Pai, não se aplica só negativamente, mas importa ao mesmo tempo, em o Pai, de ninguém proceder e ser princípio de outros; ou importa uma autoridade universal; ou ainda plenitude primária. — Mas isto não é verdade, porque então a inascibilidade não seria propriedade distinta da paternidade e da espiração, mas as incluiria, como o comum inclui o próprio; pois as palavras — primário e autoridade — não significam em Deus senão o princípio da origem. — E portanto devemos dizer, segundo Agostinho, que ingênito importa a negação da geração passiva, pois, diz, tanto vale dizer ingênita como dizer não Filho. Mas, daí não se segue que se não deva considerar ingênito como noção própria do Pai, pois, conhecemos o primário e o simples por meio de negações; assim dizemos que ponto é o que não tem parte.
REPOSTA À SEGUNDA. — As vezes ingênito se toma só em acepção negativa, e é assim que Jerônimo diz, que o Espírito Santo é ingênito, i. é, não genito. — Outras vezes se emprega ingênito em sentido, de certo modo, privativo, sem que, contudo, importe qualquer imperfeição; pois, múltiplo é o sentido da palavra privação. Ora, significa que um ser não tem o que lhe seria natural ter, de outro, embora não seja da natureza de tal ser possuir tal atributo; como se chamássemos à pedra coisa morta por não ter a vida, que certos seres naturalmente têm. Ora, significa que um ser não tem o que lhe seria natural ter, como recebido de outro ser congênere; assim, se chamássemos à toupeira cega. E de um terceiro modo significa, que um ser não tem o que naturalmente deveria ter, e então importa imperfeição. Assim, pois, ingênito diz-se do Pai, não privativamente, mas sim do segundo modo, i. é, enquanto um suposto da natureza divina não é genito, e outro o é. — Mas, a esta luz, também ao Espírito Santo se pode chamar ingênito. Por onde, para que seja próprio só do Pai, é necessário incluir-se ulterior-mente, em o nome de ingênito, a conveniência a uma das Pessoas divinas, como sendo princípio de outra, e assim importando a negação, no gênero do princípio, aplicado a Deus em sentido pessoal. Ou ainda, devemos entender por ingênita o que de nenhum modo procede de outro, e não sàmente o que não procede pela geração. Assim pois, ao Espírito Santo. procedente de outro por processão, como pessoa subsistente, não convém ser ingênito; e nem também à divina essência da qual se pode dizer que, no Filho e no Espírito Santo, procede de outro, a saber do Pai.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Segundo Damasceno, ingênito, de um modo, significa o mesmo que incriado, no sentido substancial; pois, por aí difere a substância criada da incriada. De outro modo, significa o que não é genito, e é em sentido relativo, da mesma maneira que a negação se reduz ao gênero da afirmação; assim não-homem se reduz ao gênero da substância, e não-branco, ao da qualidade. Donde, genito, em Deus, importando relação, ingênito também a esta se reduz. E daí se não segue, que o Pai ingênito se distinga substancialmente do Filho genito, senão só relativamente, enquanto se nega do Pai a relação do Filho.
RESPOSTA À QUARTA. — Assim como na ordem dos gêneros é preciso admitir-se um que é o primeiro, assim em a natureza divina é necessário admitir-se um princípio chamado ingênito, não proveniente de outro. Logo, admitir dois inascíveis é admitir dois deuses e duas naturezas divinas. Por isso diz Hilário: sendo Deus um só não podem ser dois os inascíveis. E isto precipuamente porque, se estes fossem dois, um deles não procederia do outro e assim, não se distinguindo por oposição relativa, necessàriamente se distinguiriam por diversidade de natureza.
RESPOSTA À QUINTA. — A propriedade do Pai, de não proceder de outro, antes é significada pela remoção da natividade do Filho, do que pela da processão do Espírito Santo. Tanto porque esta última não tem nome especial, como já vimos (q. 27, a. 4 ad 3), como porque, mesmo na ordem da natureza, pressupõe a geração do Filho. Por onde, removido do Pai o não ser genito, como todavia é princípio de geração, resulta consequentemente, que não é procedente pela processão do Espírito santo, pois este não é princípio de geração, mas procedente do genito.