domingo, 24 de julho de 2011

Agostinho recorda os pecados cometidos na infância

Agostinho recorda os pecados cometidos na infância


11. Ouvi-me, ó meu Deus! Ai dos pecados dos homens! É um homem que assim fala. Vós, Senhor, compadecei-Vos dele, porque sois o seu Criador e não o autor do seu pecado. Quem me poderá recordar o pecado da infância, já que ninguém há que diante de Vós esteja limpo, nem mesmo o recém-nascido, cuja vida sobre a terra é apenas um dia?

Quem me trará à memória? Será porventura algum menino, ainda pequerrucho, onde posso ver a imagem do que fui e de que me não resta lembrança? Em que podia pecar, nesse tempo? Em desejar ardentemente, chorando, os peitos de minha mãe? Se agora suspirasse com a mesma avidez não pelos seios maternos, mas pelo alimento que é próprio da minha idade, seria escarnecido e justamente censurado.

Sem dúvida, então o meu procedimento era repreensível. Mas como não podia perceber a reprimenda, o uso e a razão não permitiam que eu fosse repreendido. Com o crescer dos anos, porém, desarraigamos e lançamos fora esta sofreguidão do apetite. Sinal evidente de que é viciosa, pois nunca vi ninguém que, para cortar o mal, rejeitasse conscientemente o bem! Ou seria justo, mesmo para aquela idade, exigir com choros o que talvez prejudicialmente seria concedido, encolerizar-me com violência não contra pessoas a mim sujeitas, mas contra pessoas livres e respeitáveis pela idade? Estaria bem zangar-me até contra os pais, contra muitas outras pessoas mais sensatas, só por se não curvarem a um aceno do meu capricho, batendo-lhes e esforçando-me, quanto possível, por lhes fazer mal, porque não se sujeitavam às minhas exigências, com as quais seria pernicioso condescender?

Assim, a debilidade dos membros infantis é inocente, mas não a alma das crianças. Vi e observei uma, cheia de inveja, que ainda não falava e já olhava, pálida, de rosto colérico, para o irmãozito colaço. Quem não é testemunha do que eu afirmo? Disse até que as mães e as amas procuram esconjurar este defeito, não sei com que práticas supersticiosas. Mas, enfim, será inocente a criança quando não tolera junto de si, na mesma fonte fecunda do leite, o companheiro destituído de auxílio e só com esse alimento para sustentar a vida? Indulgentemente se permitem estas más inclinações, não porque sejam ninharias sem importância, mas porque hão de desaparecer com o andar dos anos. É este o único motivo, pois essas paixões não se podem de boa mente sofrer, quando se encontram numa pessoa mais idosa.

12. E Vós, Senhor e Deus meu, que destes à criança a vida e o corpo, assim como o vemos, provido dos sentidos, formado pelos membros e adornados pelos traços da sua configuração, de Vós que lhe inspirastes o instinto natural de defesa para assegurar a sua integridade e conservação ordenais-me que em todas estas obras "louve, confesse e exalte o vosso nome, ó Altíssimo"! Sois Deus onipotente e bom, ainda que só tivésseis criado estas coisas. Nenhum outro as pode fazer senão Vós, ó Unidade, origem de toda a variedade, ó Formosura infinita que tudo formais e ordenais, pela vossa lei.

Por isso, Senhor, envergonho-me de contar, na minha vida terrena, esta idade que não me lembro de ter vivido. Somente acredito nela pelo testemunho alheio e pelas conjeturas que formei ao observar as outras crianças, conjeturas estas aliás muito fidedignas. Tudo quanto se oculta nas trevas do meu esquecimento é para mim igual ao tempo que vivi no seio materno. E se "fui concebido em iniquidade" e se "em pecado me alimentou, no ventre, minha mãe", pergunto, Senhor e Deus meu, onde e quando esteve inocente este vosso servo? Passo em silêncio esta quadra da vida. Que tenho eu que ver com ela, se nem reminiscências conservo?

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Recesso para atualização

O Blog estará em recesso esta semana para fazer alguns reparos em sua estrutura, no Domingo (Dia do Senhor) estará de volta com suas atualizações. Até Domingo dia 24 de Julho de 2011.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Oh, como é bom e agradável para irmãos viverem juntos

Oh, como é bom e agradável para irmãos viverem juntos


Enquanto navegava e olhava alguns vídeos no site gloria.tv, encontrei este maravilhoso vídeo com um canto do século XVI.

O músico Fernando de las Infantas (Córdoba, 1534-1609) quis comemorar a união das forças católicas para enfrentar a expansão do poder otomano no Mediterrâneo sob o impulso do Papa São Pio V.
E compôs a partitura “Ecce quam bonum” – “Oh, como é bom, como é agradável para irmãos unidos viverem juntos”, Salmo 132 (133).

Letra:

1. Oh, como é bom, como é agradável para irmãos unidos viverem juntos.
2. É como um óleo suave derramado sobre a fronte, e que desce para a barba, a barba de Aarão, para correr em seguida até a orla de seu manto.
3. É como o orvalho do Hermon, que desce pela colina de Sião; pois ali derrama o Senhor, a vida e uma bênção eterna.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Os primeiros anos

Os primeiros anos


7. Permita, porém, que eu fale em presença de tua misericórdia, a mim, terra e cinza; deixa que eu fale, porque é à tua misericórdia que falo, e não ao homem, que de mim escarnece.

Talvez também tu te rias de mim, mas, voltado para mim, terás compaixão. E que pretendo dizer-te, Senhor, senão que ignoro de onde vim para aqui, para esta não sei se posso chamar vida mortal ou morte vital? Não o sei. Mas receberam-me os consolos de tuas misericórdias, conforme o que ouvi de meus pais carnais, de quem e em quem me formaste no tempo, pois eu de mim nada recordo. Receberam-me os consolos do leite humano, do qual nem minha mãe, nem minhas amas enchiam os seios; mas eras tu que, por meio delas, me davas aquele alimento da infância, de acordo com o seu desígnio, e segundo os tesouros dispostos por ti até no mais íntimo das coisas.

Também por tua causa é que eu não queria mais do que me davas; por tua causa é que minhas amas queriam dar-me o que tu lhes davas, pois elas, movidas de sadio afeto, queriam darme aquilo que abundavam graças a ti, já que era um bem para elas ou delas receber aquele bem, embora realmente não fosse delas, meros instrumentos, porque de ti procedem, com certeza, todos os bens, ó Deus, e de ti, Deus meu, depende toda minha salvação. Tudo isto vim a saber mais tarde, quando me falaste por meio dos mesmos bens que me concedias interior e exteriormente. Porque então as únicas coisas que fazia era sugar o leite, aquietar-me com os afagos e chorar as dores de minha carne.

8. Depois também comecei a rir, primeiro dormindo, depois acordado. Isto disseram de mim, e o creio, porque o mesmo acontece com outros meninos, pois eu não tenho a menor lembrança dessas coisas.

Pouco a pouco comecei a me dar conta de onde estava, e a querer dar a conhecer meus desejos a quem os podia satisfazer, embora realmente não o pudessem, porque meus desejos estavam dentro, e eles fora; e por nenhum sentido podiam entrar em minha alma. Assim, agitava os braços e dava gritos e sinais semelhantes a meus desejos, os poucos que podia e como podia, embora não fossem de fato sua expressão. Mas, se não era atendido, ou porque não me entendessem, ou porque o que desejava me fosse prejudicial, eu me indignava com os adultos, porque não me obedeciam, e sendo livres, por não quererem me servir; e deles me vingava chorando. Assim são as crianças que pude observar; e que eu também fosse assim, mais me ensinaram elas, sem o saber, do que os que me criaram, sabendo-o.

9. Minha infância morreu há muito tempo, mas eu continuo vivo. Mas, dize-me, Senhor, tu que sempre vives, e em quem nada falece – porque existias antes do começo dos séculos, e antes de tudo o que há de anterior, e és Deus e Senhor de todas as coisas; e esse encontram em ti as causas de tudo o que é instável, e em ti permanecem os princípios imutáveis de tudo o que se transforma, e vivem as razões eternas de tudo o que é transitório – dize-me a mim, eu suplico, ó meu Deus, diz-me, misericordioso, a mim que sou miserável, dize-me: porventura a minha infância sucedeu a outra idade minha, já morta? Será esta aquela que vivi no ventre de minha mãe? Porque também desta me revelaram algumas coisas, e eu mesmo já vi mulheres grávidas.

E antes desse tempo, minha doçura e meu Deus, que era eu? Fui alguém, ou era parte de alguma coisa? Dize-mo, porque não tenho quem me responda, nem meu pai, nem minha mãe, nem a experiência dos outros, nem minha memória. Acaso te ris de mim, porque desejo saber estas coisas, e me mandas que te louve e te confesse pelo que conheci de ti?

10. Eu te glorifico, Senhor dos céus e da terra, louvando-te por meus princípios e por minha infância, de que não tenho memória, mas que, por tua graça, o homem pode conjectura de si pelos outros, crendo em muitas coisas, ainda que confiado na autoridade de humildes mulheres. Então eu já existia, já vivia de verdade; e, já no fim da infância procurava sinais com que pudesse exprimir aos outros as coisas que sentia. Com efeito, de onde poderia vir semelhante criatura, senão de ti, Senhor? Acaso alguém pode ser artífice de si mesmo? Porventura existirá algum outro manancial por onde corra até nos o ser e a vida, diferente da que nos dais, Senhor, tu em quem ser e vida não são coisas distintas, porque és o Sumo Ser e a Suprema Vida?

Com efeito, és sumo, e não te mudas, nem caminha para ti o dia de hoje, apesar de caminhar por ti, apesar de estarem em ti com certeza todas estas coisas, que não teriam caminho por onde passar se não as contivesses. E porque teus anos não fenecem, teus anos são um perpétuo hoje. Oh! Quantos dias nossos e de nossos pais já passaram por este teu hoje, e dele receberam sua duração, e de alguma maneira existiram, e quantos passarão ainda, e receberão seu modo, e seu ser? Mas tu és sempre o mesmo, e todas as coisas de amanhã e do futuro, e todas as coisas de ontem e do passado, nesse hoje as fazes, nesse hoje as fizeste.

Que importa que alguém não entenda essas coisas? Que este alguém se ria, e diga: que é isto? Que se ria assim, e que prefira encontrar-te sem indagação do que, indagando, não te encontrar.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Desejo de Deus

Desejo de Deus


5. Quem me fará descansar em ti! Quem fará com que venhas ao meu coração e o inebries, para que eu me esqueça de minhas maldades e me abrace contigo, meu único bem! Que és para mim? Tem piedade de mim, para que eu possa falar. E que sou eu para ti, para que me ordenes amar-te e, se não o fizer, irar-te contra mim, ameaçando-me com terríveis castigos? Acaso é pequeno o castigo de não te amar? Ai de mim! Dize-me por tuas misericórdias, meu Senhor e meu Deus, que és para mim? Dize a minha alma: Eu sou a tua salvação. Que eu ouça e siga essa voz e te alcance. Não queiras esconder-me teu rosto. Morra eu para que possa vê-lo para não morrer eternamente.

6. Estreita é a casa de minha alma para que venhas até ela: que seja por ti dilatada. Está em ruínas; restaura-a. Há nela nódoas que ofendem o teu olhar: confesso-o, pois eu o sei; porém, quem haverá de purificá-la? A quem clamarei senão a ti? Livra-me, Senhor, dos pecados ocultos, e perdoa a teu servo os alheios! Creio, e por isso falo. Tu o sabes, Senhor. Acaso não confessei diante de ti meus delitos contra mim, ó meu Deus? E não me perdoaste a impiedade de meu coração? Não quero contender em juízos contigo, que és a verdade, e não quero enganar-me a mim mesmo, para que não se engane a si mesma minha iniquidade. Não quero contender em juízos contigo, porque, se dás atenção às iniquidades, Senhor, quem, Senhor, subsistirá?