sexta-feira, 28 de maio de 2010

Questão XXXVIII - O Dom como nome do Espírito Santo

QUESTÃO XXXVIII. – O DOM COMO NOME DO ESPÍRITO SANTO


Em seguida vamos tratar do dom, sobre o qual discutem-se dois artigos:
  1. Se o dom pode ser nome pessoal;
  2. Se é nome próprio do Espírito Santo.

ART. I – SE O DOM É NOME PESSOAL


(I Sent., dist. XVIII, a. 1)

O primeiro discute-se assim. – Parece que o dom não é um nome pessoal.
1. – Pois, todo nome pessoal importa alguma distinção em Deus. Ora, o nome de dom não importa nenhuma distinção em Deus; assim, como diz Agostinho, o Espírito Santo é dado, como dom de Deus, de modo que se dá a si mesmo como Deus. Logo, dom não é nome pessoal.
2. Demais. – Nenhum nome pessoal convém à essência divina. Ora, esta é um dom, que o Pai faz ao Filho, como diz Hilário. Logo, dom não é nome pessoal.
3. Demais. – Nenhuma das divinas Pessoas, segundo Damasceno, é sujeita ou dependente. Ora, o dom importa uma certa sujeição a quem e àquele por quem é dado. Logo, não é nome pessoal.
4. Demais. – O dom, importando relação com a criatura, há-se de atribuir a Deus temporalmente. Ora, os nomes pessoais se atribuem de Deus abeterno, como Pai e Filho. Logo, dom não é nome pessoal.
Mas, em contrário, Agostinho: Assim como o corpo carnal não passa de carne, assim o dom do Espírito Santo é o Espírito Santo mesmo. Logo, o Espírito Santo, sendo nome pessoal, é também dom.
SOLUÇÃO. – O nome de dom importa aptidão para ser dado. Ora, o que é dado tem relação com quem dá e com aquele a quem é dado; pois não o daria quem não o possuísse e a alguém é dado para que possua. Ora, dizemos que uma Pessoa divina é de alguém, ou pela origem, e assim o Filho é do Pai; ou porque é possuída de alguém. E como possuímos o que podemos usar e gozar como queremos, deste modo a divina Pessoa não pode ser possuída senão pela criatura racional unida a Deus. Certamente as outras criaturas podem ser movidas por uma Pessoa divina; não está porém no poder delas gozar dessa Pessoa e usar-lhe do efeito. O que às vezes alcança a criatura racional; p. ex., tornando-se participante do Verbo divino e do Amor procedente, de modo a poder verdadeira e livremente conhecer a Deus e amá-lo retamente. Por onde, só a criatura racional pode possuir uma Pessoa divina. Mas não o pode por virtude própria: é necessário que do alto lho seja dado. Ora, dizemos que uma coisa nos é dada quando a temos de outrem. E assim, à divina Pessoa convém o ser dada e ser Dom.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O nome de dom importa distinção pessoal no sentido em que se diz ser originariamente de alguém. E, contudo, o Espírito Santo se dá a si mesmo, como a si mesmo se pertencendo e de si mesmo podendo usar, ou antes, gozar, assim como chamamos livre ao homem que a si mesmo se pertence. E é o que diz Agostinho: Que mais é teu que tu? – Ou se deverá melhor dizer, que o dom deve ser, de certo modo, de quem o dá. Ora, em muitos sentidos dizemos que uma coisa é de alguém. Num sentido, a modo de identidade, como o faz Agostinho; e, então, dom, não se distinguindo do doador, mas de quem o recebe, dizemos, que o Espírito Santo se dá. Outras vezes, dizemos que uma coisa é de alguém como uma possessão ou uma servidão; e, então, o dom necessária e essencialmente distinguindo-se de quem o dá, o dom de Deus é algo de criado. Em terceiro sentido se diz que uma coisa é de alguém somente pela origem; e assim o Filho é do Pai e o Espírito Santo, de ambos. Ora, neste sentido dizemos, que o dom é doador, do qual então se distingue pessoalmente e é nome pessoal.
RESPOSTA À SEGUNDA. – No primeiro sentido é que se diz, que a essência é dom do Pai, pois é a essência, por identidade.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como nome pessoal, o dom não importa sujeição ao doador, mas somente origem dele. Importa porém livre uso ou fruição por parte do doado, como se disse.
RESPOSTA À QUARTA. – Dom não se chama ao que é atualmente dado, mas ao que é de natureza a ser dado; e por isso a Pessoa divina abeterno se chama Dom, embora temporalmente dada. E nem por importar relações com a criatura é necessário que seja essencial; mas é necessário inclua no seu conceito algo de essencial, como a essência se inclui no conceito de Pessoa, segundo dissemos (q. 34, a.3 ad 1).

ART. II – SE O DOM É NOME PRÓPRIO DO ESPÍRITO SANTO


(I Sent., dist. XVIII, a. 2)

O segundo discute-se assim. – Parece que Dom não é um nome próprio de Espírito Santo.
1. – Pois, chama-se dom o que é dado. Ora, diz a Escritura (Is 9, 6): Um filho nos foi dado a nós. Logo, ser Dom tanto convém ao Filho como ao Espírito Santo.
2. Demais. – Todo nome próprio de uma pessoa significa-lhe alguma propriedade. Ora, o nome de Dom não significa nenhuma propriedade do Espírito Santo. Logo, não é nome próprio dele.
3. Demais. – Espírito Santo pode ser o espírito de qualquer homem, como se disse (q. 36, a. 1 arg 3). Não pode, porém, ser o dom atribuído a qualquer homem, mas só a Deus. Logo, Dom não é nome próprio do Espírito Santo. Mas, em contrário, Agostinho: Assim como ser nascido consiste em o Filho provir do Pai, assim, ser Dom de Deus consiste, para o Espírito Santo, em proceder do Pai e do Filho. Ora, o Espírito Santo recebe o seu nome próprio de proceder do Pai e do Filho. Logo, Dom é o nome próprio do Espírito Santo.
SOLUÇÃO. – Dom, pessoalmente considerado, em Deus, é o nome próprio do Espírito Santo. Para evidenciá-lo, devemos saber que dom, propriamente, é uma doação irretribuível, segundo o Filósofo; i. é, dado sem intenção de retribuição, e portanto é, por natureza, gratuita. Ora, a razão da doação gratuita é o amor; pois, a quem damos uma coisa gratuitamente a esse lhe queremos bem; e, portanto, a primeira coisa que lhe damos é esse amor pelo qual lhe queremos bem. Por onde, é manifesto que o amor é por essência um dom do primeiro, pelo qual todos os outros se dão gratuitamente. Logo, procedendo o Espírito Santo como Amor, consoante já se disse (q. 27, a. 4; q. 37, a. 1), procede em razão de dom primeiro. Por isso Agostinho diz, que pelo dom, que é o Espírito Santo, muitos dons próprios se dividem pelos membros de Cristo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Assim como o Filho, por proceder como Verbo, cuja essência é ser semelhança do seu princípio, se chama propriamente Imagem, embora também o Espírito Santo seja semelhante ao Pai; assim também o Espírito Santo, por proceder do Pai, como Amor, se chama propriamente Dom, embora também o Filho seja dado. Pois o mesmo ser dado o Filho provém do amor do Pai, segundo a Escritura (Jo 3, 16): Assim amou Deus ao mundo, que lhe deu o seu Filho unigênito.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O nome de dom importa em ser do doador por origem. E assim importa a propriedade da origem do Espírito Santo, que é a processão.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O dom, antes de ser dado, é só do doador; mas depois de ser dado, é do doado. Como pois o Dom não importa doação em ato, não se pode dizer, que seja dom do homem, mas, de Deus doador. Porém quando já tiver sido doado, então, é o espírito ou o dom do homem.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Capítulo I

CAPÍTULO I


Caríssimo Paulino, meu irmão no Episcopado: há muito devo-te uma resposta... Devo-a desde que me enviaste uma carta - através dos familiares da nossa piedosíssima irmã, Flora - onde me perguntavas se o cristão lucra algo para si se for sepultado próximo à sepultura de algum santo. Essa questão fora-te feita pela própria viúva que acabo de citar, em razão do seu falecido filho, enterrado em alguma parte da sua capela. Para a consolar, disseste que tal voto já havia se concretizado para o seu jovem filho, Cinérgio, em razão do carinho que a mãe nutre para com seu filho, pois fora ele sepultado na Basílica do bem-aventurado Félix, confessor da fé.

Tendo os mensageiros trazido a carta de resposta a Flora, aproveitaste para me interrogar por escrito sobre tal prática, pedindo o meu parecer sem esconder o que sentes.

Como me dizes, achais que não é coisa vã o sentimento que leva pessoas fiéis e religiosas a tomarem tal cuidados com os seus falecidos. Adiantas, ainda, que não é sem motivo que a Igreja universal mantém o costume de orar pelos mortos. Assim, pode-se concluir que é útil para o homem, após sua morte, ter uma sepultura desse gênero, providenciada pela piedade [de seus familiares], onde possa contar a proteção dos santos.

Caro Paulino: consideras que, caso a opinião que diz ser útil sepultar os entes queridos junto à sepulturas de santos seja verdadeira, então existe uma controvérsia com relação às palavras do Apóstolo que diz: "Todos nós certamente nos apresentaremos diante do tribunal de Cristo, para recebermos a retribuição de acordo com aquilo que fizemos durante nossa vida corporal, seja para o bem ou para o mal"

De fato, a sentença do Apóstolo exorta-nos que é antes da morte que podemos fazer o que seja útil para depois dela e não depois que ela ocorre, quando recolhemos os frutos que praticamos durante a vida.

A questão então é resolvida da seguinte maneira: enquanto vivemos neste corpo mortal, há uma certa forma de viver que permite, após a morte, obter certo alívio através das obras pias feitas em seu sufrágio. Porém, tal ajuda será proporcional ao bem que cada um de nós fizemos durante a vida.

Para alguns, tais auxílios são totalmente inúteis, pois a conduta destes durante a vida foi tão má que simplesmente se tornaram indignos de os aproveitarem. Também existem outros que viveram de forma tão irrepreensível que não têm necessidade desses socorros. Assim, é através do modo de vida que cada um levou durante a existência corpórea, que se determina a utilidade ou inutilidade desses auxílios que lhes são piedosamente dedicados após a morte. Se o mérito da proveitosidade foi nula durante a vida, permanecerá estéril também após a morte.

Contudo, isso não significa que a Igreja e os fiéis perdem seu tempo, ao inspirar, pela religião, o piedoso cuidado aos defuntos - ainda que seja verdade que cada um receberá de acordo com o que praticou de bom ou de mau durante a sua vida, já que o Senhor retribui a cada um conforme as suas obras; logo, para que o cuidado tomado em relação a um ente querido seja-lhe útil após sua morte, é necessário que essa pessoa tenha adquirido a faculdade de torná-lo útil ainda durante o tempo em que viveu no seu corpo.

Esta resposta seria suficiente para a pergunta que me fizeste, mas creio que ela acaba gerando outras questões que preciso também abordar. Peço-te, assim, atenção! Lemos, no livro dos Macabeus, que foi oferecido um sacrifício pelos mortos. Ainda que não encontremos em qualquer outra parte do Antigo Testamento uma outra referência a esse respeito, não podemos substimar a autoridade da Igreja universal, que manifesta esse costume, pois, nas preces que o sacerdote dirige ao Senhor Deus junto ao altar, existe espaço especialmente reservado para a encomendação dos falecidos.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Questão XXXVII - Do Amor, nome do Espírito Santo

QUESTÃO XXXVII. – DO AMOR, NOME DO ESPÍRITO SANTO


Em seguida, vamos tratar do nome de Amor. E nesta questão discutem-se dois artigos:
  1. Se é o próprio nome do Espírito Santo;
  2. Se o Pai e o Filho se amam pelo Espírito Santo.

ART. I – SE AMOR É O NOME PRÓPRIO DO ESPÍRITO SANTO


(I Sent., dist. X, a. 1, ad 4; dist. XXVII, q. 2, a. 2, qª 2)

O primeiro discute-se assim. – Parece não é Amor o nome próprio do Espírito Santo.
1. – Pois, Agostinho diz: Não sei porque, assim como o Pai, o Filho e o Espírito Santo se chamam sabedoria, constituindo simultaneamente, não três, mas uma só sabedoria, assim Pai, o Filho, o Espírito Santo, constituindo todos simultaneamente uma caridade só. Ora, nenhum nome, que se predique de cada Pessoa e de todas, em comum, singularmente, é nome próprio de qualquer das Pessoas. Logo, o nome do Amor não é o próprio do Espírito Santo.
2. Demais. – O Espírito Santo é uma pessoa subsistente. Ora, Amor não significa uma pessoa subsistente, mas uma ação transeunte do amante para o amado. Logo, Amor não é o nome próprio do Espírito Santo.
3. Demais. – O amor é o nexo dos amantes; pois, segundo Dionísio, é uma força unitiva. Mas, o nexo é o meio, entre as coisas conexas, e não algo delas procedente. Ora, o Espírito Santo procedendo do Pai e do Filho, como já se demonstrou (q. 36, a. 2), parece que não seja amor nem nexo entre o Pai e o Filho.
4. Demais. – Todo amante tem algum amor. Ora, o Espírito Santo é amante. Logo, tem algum amor. Se pois o Espírito Santo é amor, amor será do amor e espírito, do espírito, o que é inadmissível.
Mas, em contrário, diz Gregório: O próprio Espírito Santo é Amor.
SOLUÇÃO. – O nome de amor, em Deus, pode ser tomado em sentido essencial e pessoalmente. Pessoalmente, é o nome próprio do Espírito Santo, como o Verbo é o do filho. Para evidenciá-lo, devemos considerar o seguinte. Em Deus, como já se demonstrou (q. 27, a. 1, 3, 5), há duas processões, uma intelectual, que é a do Verbo; outra, pela vontade, que é a do amor. Como porém a primeira nos é mais conhecida, encontraram-se nomes mais apropriados para exprimir os conceitos a ela referentes, o que não se dá com a processão da vontade. Daí o usarmos de certos circunlóquios para significar a Pessoa assim procedente. E o darmos também os nomes de processão e espiração, como já dissemos (q. 28, a. 4), às relações derivadas desta processão; significando porém esses nomes, quanto a propriedade, mais a origem que a relação. E contudo ambas essas processões podem ser consideradas do mesmo modo. Pois assim como em quem intelige está uma certa concepção intelectual da coisa intelegida, que se chama verbo; assim também, quem ama alguma coisa recebe, no seu afeto, uma por assim dizer impressão da coisa amada, que nos leva a dizer que ela está no amante como a coisa inteligida, no inteligente. De modo que quem se intelige e se ama a si mesmo está, não só por identidade de ser, mas ainda como o inteligido, no inteligente e o amado, no amante.
Mas, quanto ao intelecto, há vocábulos apropriados a significar a relação do inteligente com a coisa inteligida, como é claro quando digo inteligir. E também outros vocábulos significam o processo da concepção intelectual, como, dizer e verbo. Por onde, de Deus, o inteligir se predica só essencialmente, por não importar relação com o verbo procedente. Verbo, porém, significando o que procede, dele se predica pessoalmente; e, enfim, dizer, importando relação do princípio do Verbo com o Verbo mesmo, se predica nocionalmente. Quanto à vontade, porém, além das expressões – ter dileção e amar, que importam relação do amante com a coisa amada, não há outras, que exprimam a relação entre a impressão mesma ou o afeto da coisa amada – que nasce no amante, quando ama – e o seu princípio, ou inversamente. E assim, por inópia de vocábulos, exprimimos essas relações pelas palavras – amor e dileção, como se denominássemos o Verbo – inteligência concebida, ou sabedoria gerada. Portanto, o amor ou a dileção, enquanto só implicam relação entre o amante e a coisa amada, predicam-se essencialmente, como inteligência e inteligir. Se usarmos porém desses vocábulos para exprimirmos a relação entre o que procede por amor e o seu princípio, e inversamente, de maneira que, por amor, entendamos espirar o amor procedente; nesse caso, Amor é nome de Pessoa; e – ter dileção ou amar – é verbo nocional, como – dizer ou gerar.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Agostinho fala da caridade, entendida de Deus essencialmente, como se disse.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Embora, inteligir, querer e amar exprimam ações transeuntes para um objeto, todavia são ações imanentes no agente, como dissemos (q. 14, a. 2; q. 18, a. 3 ad 1); mas de modo que importam, no próprio agente, certa relação com o objeto. Por onde, o amor, mesmo em nós, é algo de imanente, e é verbo mental imanente em quem o diz; mas relativo à coisa verbalmente expressa, ou amada. Mas em Deus, no qual não há acidente algum, há algo maior, porque tanto o Verbo como o Amor são subsistentes. Quando pois dizemos, que o Espírito Santo é o amor do Pai para com o Filho ou para com qualquer outro ser, não dizemos que seja algo de transeunte para outro, mas assim exprimimos somente a relação do amor com a coisa amada, assim como, no Verbo, exprimimos a sua relação com a realidade que ele exprime.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O Espírito Santo se chama nexo entre o Pai e o Filho, enquanto amor; pois o amor do Pai por si mesmo e pelo Filho, sendo uma única dileção, e inversamente, implica em ser o Espírito Santo, como Amor, uma relação recíproca entre o Pai e o Filho, que une quem ama a quem é amado. Ora, pelo fato de que o Pai e o Filho mutuamente se amam, é necessário que de ambos proceda o Espírito Santo, que é o mútuo Amor. Segundo pois a sua origem, o Espírito Santo não é o meio, mas a terceira pessoa da Trindade; mas segundo o estado predito, é o nexo médio das duas de que procede.
RESPOSTA À QUARTA. – Ao Filho, embora intelija, não lhe cabe produzir o Verbo, porque inteligir lhe convém como Verbo procedente. Assim, também embora o Espírito Santo ame, essencialmente falando, todavia não lhe cabe espirar o amor, o que seria amar em sentido nocional; pois, ama essencialmente como Amor procedente, e não como princípio donde procede o amor.

ART. II – SE O PAI E O FILHO AMAM-SE PELO ESPÍRITO SANTO


(I Sent., dist. XXXII, q. 1; De Pot., q. 9, a. 9 ad 13)

O segundo discute-se assim. – Parece que o Pai e o Filho não se amam pelo Espírito Santo.
1. – Pois, Agostinho prova que o Pai não é sábio por sabedoria gerada. Ora, como o Filho é sabedoria gerada, assim o Espírito Santo é Amor procedente, como já se disse (a. 1). Logo, o Pai e o Filho não se amam pelo Amor procedente, que é o Espírito Santo.
2. Demais. – Quando se diz – o Pai e o Filho se amam pelo Espírito Santo – o verbo amar é tomado em sentido essencial ou nocional. Ora, tal proposição não pode ser verdadeira se for o verbo tomado essencialmente, porque então, por idêntica razão, poderíamos dizer, que – o Pai intelige pelo Filho. Nem se for tomado nocionalmente pois, ainda pela mesma razão, poderíamos dizer, que – o Pai e o Filho espiram pelo Espírito Santo – ou que – o Pai gera pelo Filho. Logo, de nenhum modo esta proposição é verdadeira – o Pai e o Filho amam-se pelo Espírito Santo.
3. Demais. – Pelo mesmo amor o Pai ama ao Filho, a si e a nós. Ora, ele não se ama pelo Espírito Santo, pois nenhum ato nocional se reflete sobre o princípio desse ato; assim não se pode dizer, que o Pai se gera ou se espira. Logo, também não se pode dizer que se ama pelo Espírito Santo, tomado amar em sentido nocional. Demais, o amor com o qual nos ama não é o Espírito Santo, porque, importando relação com a criatura, pertence à essência. Logo, também é falsa a proposição – o Pai ama ao Filho pelo Espírito Santo.
Mas, em contrário, diz Agostinho, que pelo Espírito Santo é que o Gerado é amado do Gerador, e ama ao seu Gerador.
SOLUÇÃO. – Quando se diz – o Pai ama ao Filho pelo Espírito Santo – causa dificuldade o emprego do ablativo causal, parecendo que o Espírito Santo é o princípio de se amarem o Pai e o Filho, o que é absolutamente impossível. Por isso certos consideram falsa a proposição – o Pai e o Filho amam-se pelo Espírito Santo. E dizem, que Agostinho a retratou quando retratou a sua semelhante – o Pai é sábio por sabedoria gerada. – Outros porém a consideram como proposição imprópria e dizem que deve ser entendida: o Pai ama o Filho pelo Espírito Santo, i. é, pelo amor essencial, próprio do Espírito Santo. – Outros ainda disseram que o ablativo, no caso vertente, exprime um sinal, sendo o sentido – o Espírito Santo é sinal de que o Pai ama o Filho – deste procedendo aquele como Amor. – Ainda outros consideraram o ablativo como significando causa formal; pois, o Espírito Santo é o amor pelo qual o Pai e o Filho formalmente entre si se amam. – E outros, enfim, consideraram o ablativo como exprimindo um efeito formal. E estes são os que mais se aproximaram da verdade.
Ora, para evidenciar a questão devemos saber que, denominando-se as coisas comumente pelas sua formas – p. ex., o branco, pela brancura, o homem, pela humanidade – tudo aquilo que for causa da denominação de uma coisa está para com ela na relação de causa formal. Assim, dizendo – tal pessoa está vestida pela sua vestimenta, este ablativo, embora não seja formal, exerce a função de causa formal. Ora, uma coisa pode ser denominada pelo que dela procede; não só como o agente, pela ação, mais ainda pelo termo mesmo da ação, que é o efeito, quando este se inclui no conceito da ação. Assim dizemos que o fogo aquece pela calefação, embora esta não seja calor, que é forma do fogo, mas ação procedente do fogo; e dizemos que a árvore está florida pelas flores, embora estas não sejam a forma daquela, mas efeitos procedentes. E por isso devemos dizer, que amar, em Deus, tendo duas acepções, a essencial e a nocional, na essencial o Pai e o Filho não se amam pelo Espírito Santo, mas, pela sua essência. Donde o dizer Agostinho: Quem ousará afirmar que o Pai não se ama a si mesmo, ao Filho e ao Espírito Santo, sem ser pelo Espírito Santo? E neste sentido são procedentes as primeiras opiniões. Porém, nocionalmente falando, amar não é senão espirar o amor, como dizer é produzir o verbo, e florir, produzir flores. Pois, assim como dizemos que a árvore está florida, pelas flores, também dizemos que o Pai é dicente de si e da criatura, pelo Verbo ou pelo Filho; e que o Pai e o Filho se amam a si e a nós pelo Espírito Santo ou pelo Amor procedente.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Dizemos que Deus é sábio ou inteligente só em sentido essencial; e por isso não podemos dizer que o Pai é sábio ou inteligente, pelo Filho. Mas amar dele predicamos não só essencial, mais ainda nocionalmente. E, então podemos afirmar que o Pai e o Filho se amam pelo Espírito Santo, como dissemos.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Quando o conceito de uma ação importa um efeito determinado, o princípio da ação pode receber a sua denominação da ação e do efeito; assim, podemos dizer que a árvore está florida pelo florescimento e pelas flores. Mas, quando não importa um efeito determinado, então o princípio da ação não pode ser denominado pelo efeito, mas só por ela; assim, não dizemos que a árvore produz a flor pela flor, mas, pela produção da flor. Ora, quando digo espira ou gera isso importa somente um ato nocional; e daí o não podermos dizer que o Pai espira pelo Espírito Santo, ou gera pelo Filho. Mas podemos afirmar que o Pai diz pelo Verbo, como por Pessoa procedente, e diz por dicção, como por ato nocional, porque dizer importa uma determinada pessoa procedente, pois, é produzir o verbo. E semelhantemente, amar, em sentido nocional, é produzir o amor. Portanto, podemos dizer que o Pai ama ao Filho pelo Espírito Santo, como por Pessoa procedente; e pela própria dileção, como por ato nocional.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O Pai ama pelo Espírito Santo não só o Filho mas também a si mesmo e a nós. Pois, como acaba de ser dito (a. 1), amar, nocionalmente, não só importa produção de Pessoa divina, mas ainda, a Pessoa produzida pelo amor, a qual tem relação com a coisa dileta. Por onde, assim como o Pai se diz a si e a toda criatura; assim, ama-se a si e a toda criatura, pelo Verbo que gerou, enquanto o Verbo gerado suficientemente representa o Pai e toda criatura; assim, ama-se a si e a toda criatura pelo Espírito Santo, enquanto este procede, como amor, da bondade primeira, pela qual o Pai ama a si e a toda criatura. E assim também é claro, que o Verbo e o Amor procedente importam relação com a criatura, como secundariamente, enquanto a verdade e a bondade divina é princípio de inteligir e de amar toda criatura.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Introdução

Introdução


O tratado "De Cura pro Mortuis Gerenda" (O Cuidado Devido aos Mortos) foi escrito por Santo Agostinho em 421, como resposta a uma consulta feita pelo bispo Paulino de Nola. A questão que origina o opúsculo é se os fiéis tiram algum proveito de ter seu corpo inumado junto ao túmulo de algum santo, responde que sacrifícios e orações pelos mortos só fazem sentido se os defuntos viveram de modo a merecer tirar proveito de tais atos.
Além de responder a estas questões, o bispo de Hipona trata de outras questões relacionadas à morte, como a aparição dos mortos.
Embora a pergunta fosse, de certa forma, simples, Santo Agostinho aborda uma série de fatos importantes e interessantes a respeito dos mortos, que até hoje são conservados e respeitados pela Igreja. Entre outras coisas, fala da utilidade da oração pelos mortos (antiquíssimo testemunho do Purgatório, ainda que tal palavra não apareça), a possibilidade da aparição dos mortos aos vivos (através do ministério dos anjos ou por permissão direta de Deus), a oração dos santos falecidos a nosso favor, o dia que a Igreja dedica a todos os falecidos (Dia de Finados), etc.
É obrigatória a leitura desta obra por todos os cristãos de boa vontade; podemos crer que, se Lutero e Calvino - grandes admiradores de Santo Agostinho - tivessem lido este tratado com o cuidado que merece (se é que tiveram acesso a ele), certamente o protestantismo não teria se afastado tanto da belíssima doutrina da Comunhão dos Santos, verdade bíblica conservada desde o princípio pela Igreja de Cristo. Contudo, podemos louvar a Deus pelo fato de algumas igrejas cristãs - principalmente entre os luteranos, anglicanos e reformados - estarem, aos poucos, resgatando essa verdade, como podemos depreender das recentes declarações conjuntas a respeito da Virgem Maria e a Comunhão dos Santos.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Questão XXXVI - Da pessoa do Espírito Santo

QUESTÃO. XXXVI. – DA PESSOA DO ESPÍRITO SANTO


Em seguida devemos tratar do que se refere à pessoa do Espírito Santo; o qual, não somente assim se chama, mas também, Amor e Dom de Deus. Assim sobre o Espírito Santo, discutem-se quatro artigos:
  1. Se o nome de Espírito Santo é próprio de alguma das Pessoas divinas;
  2. Se a Pessoa divina chamada Espírito Santo procede do Pai e do Filho;
  3. Se procede do Pai, pelo Filho;
  4. Se o Pai e o Filho são um mesmo princípio do Espírito Santo.

ART. I. – SE O NOME DE ESPÍRITO SANTO É NOME PRÓPRIO DE ALGUMA DAS PESSOAS DIVINAS


(I Sent., dist. X, a. 4; I Cont. Gent., cap. XIX; Compend. Theol., cap. XLVI, XLVII)

O primeiro discute-se assim. – Parece que o nome de Espírito Santo não é nome próprio de nenhuma das Pessoas divinas.
1. – Pois, nenhum nome comum às três Pessoas é próprio de qualquer delas. Ora, o nome Espírito Santo é comum às três Pessoas. Assim, Hilário mostra que o Espírito Santo de Deus, umas vezes, significa o Pai, como quando diz a Escritura (Is 61, 1): O Espírito do Senhor repousou sobre mim, outras, o Filho, como quando diz (Mt 12, 28): Lanço fora os demônios pela virtude do Espírito de Deus, mostrando que expulsa os demônios pelo poder da sua natureza; outras ainda, o Espírito Santo, como neste lugar (Jl 2, 28): Eu derramarei o meu espírito sobre toda a carne. Logo, o nome de Espírito Santo não é próprio de nenhuma das Pessoas divinas.
2. Demais. – Os nomes das Pessoas divinas predicam-se relativamente, como afirma Boécio. Ora, o nome de Espírito Santo não se predica relativamente. Logo, não é próprio de Pessoa divina.
3. Demais. – Por ser nome de uma das Pessoas divinas, o Filho não se pode predicar de qualquer. Ora, diz-se espírito deste ou daquele homem, como se vê pela Escritura (Nm 11, 17): Disse o Senhor a Moisés: Tirarei do teu espírito e lho darei a eles; e noutro lugar (IV Reis 2, 15): O espírito d’Elias repousou sobre Eliseu. Logo, Espírito Santo não parece ser nome próprio de nenhuma das Pessoas divinas.
Mas, em contrário, a Escritura (1 Jo 5, 7): São três os que dão testemunho no céu: O Pai, o Verbo e o Espírito Santo. Pois, como diz Agostinho, quando se pergunta – Que três? – a resposta é – As três Pessoas. Logo, Espírito Santo é nome de Pessoa divina.
SOLUÇÃO. – Havendo em Deus duas processões, a que é ao modo do amor não tem nome próprio, como dissemos (q. 27, a. 4 ad 3). Por onde, as relações fundadas nessa processão são inominadas, como também dissemos (q. 28, a. 4). E por isso, o nome da Pessoa procedente desse modo não tem nome próprio, pela mesma razão. Mas, isso como o falar usual aplicou certos nomes para significar as referidas relações, quando lhes chamamos processão e espiração, que, na sua significação própria, mais exprimem atos nocionais, que relações; assim também, para exprimir a Pessoa divina procedente por amor, o uso da Escritura aplicou o nome de Espírito Santo.
E da razão desse modo de falar podemos dar dupla explicação. – A primeira é a própria comunidade da pessoa chamada Espírito Santo; pois, como diz Agostinho, sendo o Espírito Santo comum às duas outras Pessoas, o que destas duas se diz comumente, dele se diz propriamente. Pois, o Pai, é espírito, e também o Filho; o Pai é santo e também o Filho. – A segunda é a sua significação própria. Pois, o nome de espírito, nas coisas corpóreas, significa certo impulso e certa moção; assim chamamos espírito ao sopro e ao vento. Ora, é próprio do amor mover e impelir a vontade do amante para o amado. E quanto à santidade, ela se atribui à coisas ordenadas para Deus. E como a Pessoa divina procede pelo amor por que Deus é amado, convenientemente ela se chama Espírito Santo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O que chamamos Espírito Santo, levando em conta a força das duas expressões, é comum a toda a Trindade. Pois, o nome de espírito significa a imaterialidade da substância divina, porque o espírito corpóreo é invisível e pouco material; por isso, a todas as substâncias imateriais e invisíveis damos o nome de espírito. E quando dizemos santo, queremos significar a pureza da divina bondade. Se porém tomarmos as duas palavras – Espírito Santo – como uma só expressão, nesse caso, pelo uso da Igreja, Espírito Santo é empregado para significar uma das três Pessoas, i. é, a procedente por amor, pela razão já dada.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Embora o ao que chamo Espírito Santo não se predique relativamente, todavia é tomado como nome relativo, quando usado para significar a Pessoa distinta das outras só pela relação. Contudo, pode-se também compreender nesse nome alguma relação, significando então Espírito o que é por assim dizer espirado.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Pelo nome de Filho se entende só a relação do que vem de um princípio, com esse princípio; mas pelo nome de Pai se entende a relação do princípio e, semelhantemente, pelo de Espírito, enquanto importa uma certa força motora. Ora, a nenhuma criatura convém ser princípio em relação a qualquer das Pessoas divinas: mas, ao inverso. Por onde, podemos dizer Pai nosso e Espírito nosso, não porém, Filho nosso.

ART. II. – SE O ESPÍRITO SANTO PROCEDE DO FILHO


(I Sent., dist. XI, a. 1; IV Cont. Gent., cap. XXIV, XXV; De port., q. 10, a. 4, 5; Contra errores Graec., parte II, cap. XXVII usque ad XXXII; Compend. Theol., cap. XLIX; Contra Graecos, Armenos, etc., cap. IV; in Ioan., cap. XV, lect. VI; cap. XVI, lect IV)

O segundo discute-se assim. – Parece que o Espírito Santo não procede do Filho.
1. – Pois, segundo Dionísio, não devemos ousar dizer nada da divindade substancial, além do que nos foi devidamente expresso nas Sagradas Letras. Ora, a Sagrada Escritura não diz que o Espírito Santo procede do Filho, mas só, que procede do Pai (Jo 15, 26): O espírito de verdade que procede do Pai. Logo, o Espírito Santo não procede do Filho.
2. Demais. – No símbolo do Sínodo Constantinopolitano lê-se: Cremos no Espírito Santo, Senhor e vivificador, procedente do Pai, e que deve ser com o Pai e o Filho adorado e glorificado. Logo, de nenhum modo se devia acrescentar, em o nosso símbolo, que o Espírito Santo procede do Filho; mas devem se considerar réus de anátema os que o fizeram.
3. Demais. – Damasceno diz: dizemos que o Espírito Santo procede do Pai e lhe chamamos Espírito do Pai; porém não dizemos que procede do Filho, embora lhe chamemos Espírito do Filho. Logo, o Espírito Santo não procede do Filho.
4. Demais. – Nada procede do ser em que repousa. Ora, o Espírito Santo repousa no Filho, pois diz a legenda de Santo André: A paz convosco e com todos os que crêem em um Deus Pai, e num só seu Filho, único Senhor Jesus Cristo, e em um Espírito Santo procedente do Pai e que permanece no Filho. Logo, o Espírito Santo não procede do Filho.
5. Demais. – O Filho procede como Verbo. Ora, o nosso espírito parece que não procede, em nós, do nosso verbo. Logo, nem o Espírito Santo procede do Verbo.
6. Demais. – O Espírito Santo procede perfeitamente do Pai. Logo, é supérfluo dizer que procede do Filho.
7. Demais. – No que é perfeito não difere o ser, do poder, como diz o Filósofo; e, muito menos em Deus. Ora, o Espírito Santo pode se distinguir do Filho, mesmo se deste não procede; pois, diz Anselmo: O Filho e o Espírito Santo têm certamente o ser do Pai, mas de diverso modo; um nascendo, o outro, procedendo, de maneira que ambos entre si se distinguem. E depois acrescenta: Pois, se por outra razão não se diversificassem o Filho e o Espírito Santo, só por aí se diversificariam. Logo, o Espírito Santo, não existindo pelo Filho, deste se distingue.
Mas, em contrário, diz Atanásio: O Espírito Santo não é feito, nem criado, nem gerado pelo Pai e pelo Filho, mas é deles procedente.
SOLUÇÃO. – É necessário admitir-se que o Espírito Santo procede do Filho. Pois, se deste não procedesse, dele não poderia de modo nenhum pessoalmente distinguir-se, o que resulta claro do que já dissemos (q. 28, a. 3; q. 30, a. 2). Nem é possível dizer-se que as Pessoas divinas se distingam entre si, absolutamente falando, pois, daí seguir-se-ia não ser uma a essência das três, porquanto tudo o que de Deus absolutamente se predica pertence à unidade de essência. Donde se conclui, que só pelas relações se distinguem, entre si as Pessoas divinas. Ora, as relações só como opostas é que podem distinguir as Pessoas, o que assim se demonstra: tem o Pai duas relações; uma referente ao Filho e outra, ao Espírito Santo; as quais todavia, por não serem opostas, não constituem duas pessoas, mas pertencem unicamente à só pessoa do Pai. Se, portanto, no Filho e no Espírito Santo só houvesse duas relações, pelas quais um e outro se referissem ao Pai, elas não seriam opostas entre si, como não o são as duas pelas quais o Pai a eles se refere. Por onde, como a pessoa do Pai é una, seguir-se-ia também ser una a pessoa do Filho com a do Espírito Santo, tendo duas relações opostas às duas do Pai. Ora, isto é herético porque destrói a fé na Trindade. Logo, é necessário refiram-se entre si o Filho e o Espírito Santo por opostas relações senão as de origem, como já provamos (q. 28, a. 4). Mas as relações opostas de origem se fundam no princípio e no que provém do princípio. Logo, e necessariamente, ou o Filho procede do Espírito Santo, o que ninguém diz, ou o Espírito Santo procede do Filho, como nós confessamos. Com o que também está de acordo a razão da processão de um e outro. Pois, já dissemos (q. 27, a. 2, 4; q. 28, a. 4) que o Filho, como Verbo, procede a modo de intelecto; porém, o Espírito Santo a modo de vontade, como Amor. Ora, necessariamente, do verbo procede o amor. Pois não amamos senão a quem apreendemos pela concepção mental. Por onde, desta maneira, é manifesto que o Espírito Santo procede do Filho. Mas também a própria ordem das coisas assim o ensina. Pois, nunca vemos de um ser procederem desordenadamente outros, salvo quando diferem só materialmente; assim, um ferreiro faz muito cutelos materialmente distintos entre si, sem nenhuma ordem mútua. Porém as coisas, que se distinguem não só pela distinção material, sempre mantém uma certa ordem entre si. Por isso, também a ordem das criaturas manifesta o esplendor da divina sabedoria. Se pois de uma mesma pessoa, a do Pai, procedem duas outras, o Filho e o Espírito Santo, é necessário tenham elas entre si uma certa ordem, e esta não pode ser outra senão a de natureza, por cuja ordem um procede do outro. Logo, não é possível dizer-se, que o Filho e o Espírito Santo procedem do Pai de modo tal que nenhum deles proceda do outro; a menos que introduzamos entre eles uma distinção material, o que é impossível.
Por isso, também os próprios Gregos admitem certa ordem relativa ao Filho, na processão do Espírito Santo; pois concedem que o Espírito Santo é Espírito do Filho e que procede do Pai pelo Filho. E diz-se que alguns deles concedem, que o Espírito Santo vem do Filho, ou dele promana; não, porém, que proceda. O que provém da ignorância ou da petulância. Pois quem refletir atentamente verá que é generalíssimo o vocábulo processão, dentre todos os que exprimem uma origem qualquer. Assim, dele usamos para designar qualquer origem, dizendo, p. ex., que a linha procede do ponto; o raio, do sol; o rio, da fonte, e em outros casos semelhantes. Por onde, de tudo o que se refere à origem podemos concluir, que o Espírito Santo procede do Filho.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Não devemos dizer de Deus o que não se acha na Sagrada Escritura textualmente ou pelo sentido. Embora pois nela não leiamos textualmente, que o Espírito Santo procede do Filho, encontramo-lo todavia, quanto ao sentido e precipuamente onde diz o Filho, falando do Espírito Santo (Jo 16, 14): Ele me clarificará porque há de receber do que é meu. E também de ordinário devemos entender na Sagrada Escritura, como necessariamente dito, do Filho, o que diz do Pai, mesmo quando acrescentar a locução exclusiva, exceto quando o Pai e o Filho se distinguem segundo relações opostas. Assim, as palavras do Senhor (Mt 11, 27): Ninguém conhece o Filho senão o Pai – não impedem o Filho de se conhecer a si mesmo. Logo, quando se diz que o Espírito Santo procede do Pai, mesmo acrescentando que só do Pai procede, isso não exclui o Filho; pois, como princípio do Espírito Santo, não se opõem Pai e Filho, senão somente enquanto um é Pai e outro Filho.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Cada Concílio instituiu algum símbolo, por causa de algum erro que condenava. Por isso, o Concílio seguinte não constituía símbolo diferente do primeiro, mas apenas o explanava, contra os heréticos insurgentes, desenvolvendo o que já implicitamente continha o primeiro. Assim, o Sínodo Calcedonense determinou que os membros do Concílio Constantinopolitano transmitiriam a doutrina do Espírito Santo, não inferindo ser insuficiente o que estabeleceu o Concílio anterior, reunido em Nicéia, mas declarando-lhe o sentido, contra os heréticos. Pois, como no tempo dos antigos Concílios ainda não era nascido o erro dos que dizem não proceder o Espírito Santo, do Filho, não foi necessária referência explicita a este erro. Mas, quando ele mais tarde apareceu, foi expresso em certo Concílio reunido no ocidente por autoridade do Romano Pontífice, por cuja autoridade também foram reunidos e confirmados os antigos Concílios. – Ora, que o Espírito Santo procede do Filho já estava implícito no dizer-se que procede do Pai.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Foram os Nestorianos os primeiros a ensinarem que o Espírito Santo não procede do Filho, como se vê por um símbolo deles, condenado no Sínodo Efesino. E tal erro foi seguido por Teodoreto Nestoriano e vários depois deles, entre os quais também Damasceno; razão pela qual a opinião deste não a devemos seguir, nesta matéria. Embora certos digam que Damasceno, se não confessa que o Espírito Santo procede do Filho, também não o nega, pelas palavras citadas.
RESPOSTA À QUARTA. – O dizer-se que o Espírito Santo repousa ou permanece no Filho, não exclui que dele proceda; pois, também dizemos que o Filho permanece no Pai, e todavia dele procede. E também dizemos que o Espírito Santo repousa no Filho, ou como o amor do amante, no amado, ou considerando a natureza humana de Cristo, em virtude do que diz a Escritura (Jo 1, 33): Aquele sobre que tu vires descer o Espírito e repousar sobre ele, esse é o que batiza no Espírito Santo.
RESPOSTA À QUINTA. – O Verbo divino não é comparável ao verbo vocal, do qual não procede o espírito; porque então o Verbo divino teria sentido metafórico. Mas é comparável ao verbo mental, do qual procede o amor.
RESPOSTA À SEXTA. – Por proceder perfeitamente do Pai, não somente não é supérfluo dizer-se que o Espírito Santo procede do Filho, mas antes, é absolutamente necessário. Pois sendo uma mesma a virtude do Pai e do Filho, tudo quanto procede do Pai há de necessariamente proceder do Filho, salvo o que repugnar à propriedade da filiação. Assim o Filho não procede de si mesmo, embora proceda do Pai.
RESPOSTA À SÉTIMA. – O Espírito Santo distingue-se pessoalmente do Filho porque a origem de um se distingue da do outro. Mas a diferença mesma da origem consiste em proceder o Filho só do Pai, ao passo que o Espírito Santo, do Pai e do Filho. E nem de outro modo se distinguiriam as processões, como já ficou antes demonstrado.

ART. III. – SE O ESPÍRITO SANTO PROCEDE DO PAI, PELO FILHO


(I Sent., dist. XII, a. 3; Contra errores Graec., parte II, cap. IX)

O terceiro discute-se assim. – Parece que o Espírito Santo não procede do Pai, pelo Filho.
1. – Pois quem procede de outrem por meio de um terceiro não procede imediatamente. Logo, se o Espírito Santo procede do Pai, pelo Filho, não procede imediatamente, o que parece inadmissível.
2. Demais. – Se o Espírito Santo procede do Pai, pelo Filho, deste procede por causa do Pai. Ora, o que faz com que uma coisa seja o que é mais essa coisa do que ela própria o é. Logo, procede o Espírito Santo mais do Pai do que do Filho.
3. Demais. – O Filho tem o ser por geração. Se pois o Espírito Santo procede do Pai, pelo Filho, segue-se que, primeiro, é gerado o Filho e, depois, procede o Espírito Santo. E assim, não é eterna esta processão, o que é herético.
4. Demais. – Quando se diz que alguém obra por meio de outrem, pode-se também dizer o inverso. Assim, dizendo-se que o rei obra por meio do súdito pode-se também dizer que o súdito obra por meio do rei. Ora, de modo nenhum se pode dizer que o Filho espira o Espírito Santo, pelo Pai. Logo, de nenhum modo se pode dizer que o Pai espira o Espírito Santo, pelo Filho.
Mas, em contrário, diz Hilário: Suplico-te conserves a religião da minha fé, para que sempre te obtenha a ti, ó Pai; e adore juntamente contigo o teu Filho; e mereça o teu Espírito Santo, que vem de ti, pelo teu Unigênito.
SOLUÇÃO. – Em todas as locuções onde se diz, que alguém obra por outro, a preposição por designa, na causal, alguma causa ou princípio desse ato. Mas, como o ato é uma mediania entre o autor e a sua obra, algumas vezes a locução causal, à qual se adjunge a preposição por, é causa do ato como partindo do agente. E, então é a causa de o agente agir, quer seja causa final, formal, efetiva ou motora. Final, quando, p. ex., dizemos que o artífice obra por cobiça do lucro; formal, se dissermos que obra pela sua arte; motora, se dissermos, que obra por ordem de outro. Outras vezes porém a locução causal, à qual se adjunge a preposição por, é causa do ato enquanto este termina no seu resultado; como se dissermos: O artífice obra pelo martelo. Pois isto não significa que o martelo seja a causa de agir o artífice, mas sim, a de proceder, deste, o artificiado; e que isto mesmo o martelo recebe do artífice. E tal é o que certos ensinam, dizendo que a preposição por, ora designa o autor, diretamente, como quando se diz – o rei obra pelo súdito; ora indiretamente, como na frase – o súdito obra pelo rei. Ora, como o Filho recebe do Pai a razão de proceder de si o Espírito Santo, podemos dizer que o Pai, pelo Filho, espira o Espírito Santo, ou que este procede do Pai, pelo Filho, o que é o mesmo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Em qualquer ação duas coisas se devem considerar: o suposto agente e a virtude pela qual age; assim o fogo aquece pelo calor. Considerando-se pois no Pai e no Filho a virtude pela qual espiram o Espírito Santo, não há aí lugar para nenhuma mediania, por ser essa uma mesma virtude. Considerando-se porém as próprias Pessoas espirantes, então de proceder o Espírito Santo comumente do Pai e do Filho, resulta proceder imediatamente do Pai, por vir deste; e, mediatamente, por vir do Filho; e daí o dizer-se que procede do Pai, pelo Filho. Assim como Abel procedeu imediatamente de Adão, como pai; e mediatamente, por proceder a sua mãe, Eva, de Adão; embora tal exemplo de processão material seja impróprio para exprimir a processão imaterial das Pessoas divinas.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Se o Filho recebesse do Pai outra virtude numericamente diversa, para espirar o Espírito Santo, resultaria ser o Filho uma como causa segunda e instrumental; e, então, mais procederia o Espírito Santo do Pai, que do Filho. Mas uma mesma virtude espirativa, numericamente, existe no Pai e no Filho; logo, igualmente de um e outro procede o Espírito Santo. Embora por vezes se diga que este, principal ou propriamente, procede do Pai, por ter o Filho, do Pai, tal virtude.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Assim como a geração do Filho é coeterna com quem o gera e, por isso, o Pai não existia anteriormente à geração do Filho, assim, a processão do Espírito Santo é coeterna com o seu princípio. Por onde, o Filho não foi gênito antes de proceder o Espírito Santo, mas ambos são eternos.
RESPOSTA À QUARTA. – Quando se diz que alguém obra por meio de outro, nem sempre essa preposição é conversível; assim, não dizemos que o martelo obra por meio do ferreiro.
Mas dizemos que o súdito obra por meio do rei, porque age como senhor do seu ato; ao passo que o martelo, não agindo, mas sendo usado, só é designado como instrumento. E dizemos, que o súdito obra por meio do rei, embora a preposição por designe meio; porque quanto mais primário for o suposto, no agir, tanto mais a sua virtude se manifestará imediata, no efeito. Pois, a virtude da causa primaria prende ao seu efeito a causa segunda; e por isso os primeiros princípios, nas ciências demonstrativas, se chamam imediatos. Assim pois, sendo o súdito um meio, na ordem dos supostos agentes, dizemos, que por ele obra o rei; mas na ordem das virtudes, dizemos que o súdito obra pelo rei, porque a virtude deste faz com que a ação daquele atinja o seu efeito. Ora, entre o Pai e o Filho não se considera a ordem, quanto à virtude, mas somente, quanto aos supostos; e por isso dizemos, que o Pai espira pelo Filho e não, inversamente.

ART. IV. – SE O PAI E O FILHO SÃO UM MESMO PRINCÍPIO DO ESPÍRITO SANTO


(I Sent., dist. XI, a. 2, 4; dist. XXIX, a. 4; IV Cont. Gent., cap. XXV)

O quarto discute-se assim. – Parece que o Pai e o Filho não são um mesmo princípio do Espírito Santo.
1. – Pois, o Espírito Santo não procede do Pai e do Filho, enquanto são um mesmo princípio: nem quanto à natureza, porque então procederia de si mesmo, por ter com eles unidade de natureza; nem quanto a alguma propriedade, porque dois supostos não podem ter uma mesma propriedade, como se sabe. Logo, o Espírito Santo procede do Pai e do Filho como de vários, e portanto estes não são um mesmo princípio do Espírito Santo.
2. Demais. – Quando se diz que o Pai e o Filho são um mesmo princípio do Espírito Santo, não se quer assim designar a unidade pessoal, porque então o Pai e o Filho seriam uma só pessoa. Nem tampouco a unidade de propriedade, porque se, por uma propriedade, o Pai e o Filho são um mesmo princípio do Espírito Santo, pela mesma razão, por duas propriedades, o Pai seria um duplo princípio do Filho e do Espírito Santo, o que é inadmissível. Logo, o Pai e o Filho não são um mesmo princípio do Espírito Santo.
3. Demais. – O Filho não convém mais com o Pai do que o Espírito Santo. Ora, o Espírito Santo e o Pai não são um mesmo princípio, em relação a nenhuma pessoa divina. Logo, nem o Pai e o Filho.
4. Demais. – Se o Pai e o Filho são um mesmo princípio do Espírito Santo, esse princípio único ou é o Pai ou o que não o é. Ora, nenhuma destas duas hipóteses é possível, pois se o princípio único for o Pai, resulta que o Filho é Pai; e se for o que não é Pai, resulta que o Pai não é Pai. Logo, não se deve dizer, que Pai e o Filho sejam um mesmo princípio do Espírito Santo.
5. Demais. – Se o Pai são um mesmo princípio do Espírito Santo, pode-se dizer, inversamente, que um princípio do Espírito Santo são o Pai e o Filho. Ora, esta proposição é falsa; pois, o a que chamo princípio necessariamente é suposto à pessoa do Pai ou à do Filho e, de ambos os modos, a proposição é falsa. Logo, também esta o é: o Pai e o Filho são um mesmo princípio do Espírito Santo.
6. Demais. – A unidade substancial produz a identidade. Se, pois, o Pai e o Filho são um mesmo princípio do Espírito Santo, segue-se que constituem um mesmo princípio. Ora, isto é negado por muitos. Logo, não se deve conceder que o Pai e o Filho sejam um mesmo princípio do Espírito Santo.
7. Demais. – O Pai, o Filho e o Espírito Santo, por serem um mesmo princípio da criatura, são considerados um só Criador. Ora, o Pai e o Filho não são um só espirador, mas, dois espiradores, como muitos dizem e é consoante à opinião de Hilário, de acordo com a qual devemos confessar ter o Espírito Santo por autores o Pai e o Filho. Logo, estes não são um mesmo princípio do Espírito Santo.
Mas em contrário, diz Agostinho, que o Pai e o Filho não são os dois princípios, mas um mesmo princípio do Espírito Santo.
SOLUÇÃO. – O Pai e o Filho não são um só, em tudo o que a oposição de relação não os distingue entre si. Ora, o serem o princípio do Espírito Santo não os opõe relativamente. Donde se segue, que o Pai e o Filho são um mesmo princípio do Espírito Santo. Certos, porém, consideram impróprio dizer – o Pai e o Filho são um mesmo princípio do Espírito Santo. Pois, o nome de princípio em sentido particular, não significando a pessoa, mas, a propriedade, é tomado, dizem, adjetivamente. E como o adjetivo não se determina pelo adjetivo, não se pode afirmar convenientemente que o Pai e o Filho sejam um mesmo princípio do Espírito Santo, a menos que se não entenda – um mesmo – adverbialmente, sendo então o significado: são um mesmo princípio, i. é, de um modo. Mas, por semelhante razão, poderíamos dizer, que o Pai é duplo princípio do Filho e do Espírito Santo, i. é, de dois modos. Logo, devemos dizer, que embora o nome de princípio signifique propriedade, todavia significa-a a modo de substantivo, como o nome de pai ou de filho, mesmo aplicado às criaturas. Por isso, é susceptível de número, pela forma significada, como se dá com os outros substantivos. Assim, pois, como o Pai e o Filho são um só Deus, por causa da unidade da forma, significada pelo nome Deus, assim também são um mesmo princípio do Espírito Santo, por causa da unidade de propriedade significada pelo nome de princípio.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Atendendo-se à virtude espirativa, o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, enquanto essa virtude lhes dá unidade, significando, de certo modo, a natureza com propriedade, como depois demonstraremos (q. 41, a. 5). Nem é inconveniente ter uma propriedade dois supostos, que tem a mesma natureza. Se porém considerarmos os supostos da espiração, então o Espírito Santo procede do Pai e do Filho como vários; pois deles procede como amor unitivo de ambos.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Quando dizemos: O Pai e o Filho são um mesmo princípio do Espírito Santo - queremos designar uma propriedade, que é a forma significada pelo nome. Não se segue porém daí que, por serem várias as propriedades, possamos dizer que o Pai são vários princípios, o que implicaria pluralidade de supostos.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Não pelas propriedades relativas, mas pela essência é que há em Deus semelhança e díssemelhança. Donde, como o Pai não é mais semelhante a si do que ao Filho, assim, nem o Filho o é mais ao Pai do que o Espírito Santo.
RESPOSTA À QUARTA. – Estas duas proposições – o Pai e o Filho são um mesmo princípio, que é o Pai – ou – um mesmo princípio, que não é o Pai – não são opostas contraditoriamente; e, portanto não é necessário conceder-se uma, com exclusão da outra. Pois, quando dizemos – o Pai e o Filho são um mesmo princípio – o que chamamos princípio não tem suposição determinada, mas antes, confusa e aplicada simultaneamente às duas pessoas. Por onde, a objeção se funda no sofisma de Figura de Dicção, passando da suposição confusa para a determinada.
RESPOSTA À QUINTA. – Também esta proposição é verdadeira – Um mesmo princípio do Espírito Santo é o Pai e o Filho. Pois, o a que chamamos princípio não é aplicado a uma pessoa somente, mas indistintamente, às duas, como foi dito (q. 36, a. 4 ad 4).
RESPOSTA À SEXTA. – Podemos dizer, convenientemente, que o Pai e o Filho, são um mesmo princípio, aplicando a palavra princípio confusa, indistinta e simultaneamente às duas pessoas.
RESPOSTA À SÉTIMA. – Alguns dizem, que o Pai e o Filho, embora sejam um mesmo princípio do Espírito Santo, são todavia dois espiradores, por causa da distinção dos supostos, como também dois espirantes, porque os atos se referem aos supostos. Não é a mesma porém a significação do nome Criador, pois, o Espírito Santo procede do Pai e do Filho como de duas pessoas, distintas, segundo foi dito (q. 36 a. 4 ad 1); ao passo que a criatura não procede das três pessoas, como de pessoas distintas, mas como dotadas de uma mesma essência. – Contudo, parece melhor dizer que, sendo espirante adjetivo e espirador substantivo, podemos afirmar que o Pai e o Filho são dois espirantes, por causa da pluralidade dos supostos, não sendo porém dois espiradores, por causa da unidade de espiração. Pois os adjetivos recebem o número dos supostos; ao passo que os substantivos o têm de si mesmos, pela forma significada. E o dito de Hilário, que o Espírito Santo provém do Pai e do Filho como de autores, deve ser entendido como empregando um substantivo em vez de adjetivo.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Questão. XXXV - Da imagem

QUESTÃO. XXXV. – DA IMAGEM


Em seguida devemos tratar da imagem. E nesta questão discutem-se dois artigos:
  1. Se a imagem se predica pessoalmente;
  2. Se é própria do Filho.

ART. I. – SE A IMAGEM SE PREDICA PESSOALMENTE, DE DEUS


(Infra, q. 93, a. 5, ad. 4; I Sent., dist. XXVIII, q. 2, a. 2)

O primeiro discute-se assim. – Parece que a imagem não se predica pessoalmente, de Deus.
1. – Pois, Agostinho diz: Uma é a divindade e a imagem da santa Trindade, à semelhança da qual foi feito o homem. Logo, a imagem se predica essencial e não, pessoalmente.
2. Demais. – Hilário diz: A imagem é a espécie que não difere da coisa imaginada. Ora, a espécie ou forma se diz, de Deus, essencialmente. Logo, também a imagem.
3. Demais. – Imagem vem de imitar, que implica anterioridade e posterioridade. Ora, nas Pessoas divinas não há anterior nem posterior. Logo, imagem não pode ser nome pessoal de Deus.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Que é mais absurdo do que falar de imagem de si? Logo, a imagem se diz de Deus, relativamente, e é, portanto, nome pessoal.
SOLUÇÃO. – A semelhança é da essência da imagem. Não basta, porém, qualquer semelhança para haver imagem, mas, a existente na forma da coisa; ou, pelo menos, em alguma revelação da forma. Ora, principalmente a figura é que se considera como sendo a revelação da forma das coisas corpóreas; assim, vemos que, de animais diversos pela forma, diversas são as figuras, não porém as cores. Por onde, a cor de uma coisa, pintada na parede, sem se lhe pintar a figura, não se chama imagem. Nem a própria semelhança, porém, da espécie ou da figura basta, mas a essência da imagem requer a origem; pois, como diz Agostinho, um ovo não sendo a expressão de outro, não é deste a imagem. Donde, a verdadeira imagem há de necessariamente proceder de outro ser ao qual seja semelhante pela forma ou, ao menos, por uma revelação desta. Ora, o que em Deus importa processão ou origem é pessoal. Logo, o nome de Imagem é pessoal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Chama-se propriamente imagem o que procede, por semelhança, de outro; e o de que alguma coisa procede por semelhança se chama propriamente exemplar, e impropriamente, imagem. É no primeiro sentido que Agostinho (Fulgêncio) usa do nome de imagem, dizendo ser a divindade da santa Trindade a imagem à qual o homem foi feito.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Espécie, no sentido em que Hilário a considera na definição de imagem, importa a forma de um ser aplicada a outro. E deste modo chama à imagem espécie de um ser, assim como se chama forma de um ser aquilo que, tendo forma semelhante a tal ser, com ele se assemelha.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A imitação nas Pessoas divinas, não implica posterioridade, mas somente semelhança.

ART. II. – SE O NOME DE IMAGEM É PRÓPRIO DO FILHO


(Infra, q. 93, a. 1. ad2; I Sent., dist. III, q. 3, ad. 5 dist. XXVIII, q. 2, a. 1. ad 3; a. 3; II, dist. XVI, a. 1; Contra errors Graec., cap. X; I Cor., cap. XL, lect, II; II, cap. IV, lect. II Coloss, cap. I, lect. IV; Hebr., cap. I, lect II)

O segundo discute-se assim. – Parece que o nome de Imagem não é próprio do Filho.
1. – Pois, como diz Damasceno, o Espírito Santo é a imagem do Filho. Logo, este não é próprio do Filho.
2. Demais. – A imagem é por essência semelhança expressiva, como diz Agostinho. Ora, isto convém ao Espírito Santo, que procede a modo de semelhança. Logo, o Espírito Santo é imagem; e, portanto, ser Imagem não é próprio do Filho.
3. Demais. – Também o homem se chama imagem de Deus, segundo a Escritura (1 Cor 11, 7): O varão não deve cobrir a sua cabeça, porque é a imagem e glória de Deus. Logo, ser Imagem não é próprio do Filho.
Mas, em contrário, diz Agostinho, que só o Filho é Imagem do Pai.
SOLUÇÃO. – Os doutores dos Gregos dizem comumente, que o Espírito Santo é a imagem do Pai e do Filho. Mas, os Doutores latinos só ao Filho atribuem o nome de imagem; pois, só ao Filho atribui tal nome e Escritura canônica. Assim, o Apóstolo diz (Cl 1, 15): Que é a imagem de Deus invisível, o primogênito de toda a criatura; e, noutro lugar (Hb 1, 3): O qual, sendo resplendor da glória é a figura da sua substância.
E a razão disto alguns a dão dizendo, que o Filho convém com o Pai não somente pela natureza, mas também pela noção de princípio; ao contrário, o Espírito Santo não convém com o Filho nem com o Pai por nenhuma noção. – Mas, esta explicação não é suficiente. Pois, assim como pelas relações não há em Deus igualdade nem desigualdade, como diz Agostinho, assim, nem semelhança, necessária essencialmente à imagem. E por isso outros dizem, que o Espírito Santo não pode ser chamado imagem do Filho, por não haver imagem de imagem. Nem também do Pai, porque a imagem se refere imediatamente ao ser do qual é, ao passo que o Espírito Santo se refere ao Pai pelo Filho. E nem tão pouco é imagem do Pai e do Filho, porque então haverá uma só imagem, de dois, o que é impossível. Por onde se conclui, que o Espírito Santo de nenhum modo é imagem. – Mas, nada disto é exato. Pois, sendo o Pai e o Filho princípio uno do Espírito Santo, como adiante se dirá (q. 36, a. 4), nada impede sejam o Pai e o Filho, como um só, uma só imagem, assim como o homem é a imagem una de toda a Trindade. E, portanto, devemos dizer, diferentemente, que embora o Espírito Santo, pela sua processão, receba a natureza do Pai, como o Filho, e todavia não se chama nato, assim, embora receba a espécie semelhante do Pai, não se chama imagem. Porque o Filho procede como Verbo, a cuja essência pertence à semelhança de espécie com o ser donde procede: mas isto não pertence à essência do amor, embora convenha ao Amor chamado Espírito Santo, enquanto amor divino.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Damasceno e os outros doutores Gregos comumente usam do nome de imagem significando perfeita semelhança.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Embora o Espírito Santo seja semelhante ao Pai e ao Filho, todavia daí se não segue seja imagem, pela razão já exposta.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A imagem de um ser de duplo modo se encontra em outro. De um modo, como no que é da mesma natureza específica; assim a imagem do rei está no seu filho. De outro modo, como no que é de outra natureza; e assim a imagem do rei, na moeda. Ora, do primeiro modo o Filho é a imagem do Pai; e do segundo se diz, que o homem é a imagem de Deus. Por onde, para significarmos, no homem, a imperfeição da imagem, dele não só dizemos que é imagem, mas que é à imagem; com o que significamos certo movimento do que tende à perfeição. Mas do Filho de Deus não podemos dizer que seja à imagem, pois, é a perfeita imagem do Pai.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Questão XXXIV - Do Verbo

QUESTÃO XXXIV. – DO VERBO


Em seguida, devemos tratar da Pessoa do Filho. Ora, atribuem-se três nomes ao Filho, a saber, Filho, Verbo e Imagem. Mas, a natureza do Filho fica tratada dependentemente da do Pai. Portanto, resta tratarmos do Verbo e da Imagem. Sobre o Verbo discutem-se três artigos:
  1. Se o Verbo se predica de Deus essencial ou pessoalmente;
  2. Se o Verbo é nome próprio do Filho;
  3. Se o nome de Verbo importa relação com as criaturas.

ART. I. – SE O VERBO, EM DEUS, É NOME DE PESSOA


(Ia. IIae., q. 93, a. 1. ad. 2; I Sent., dist. XXVII, q. 2, a. 2, qa. 1; De Pot., q. 9, a. 9, ad 7; De Verit., q. 4, a. 2; a. 4, ad 4)

O primeiro discute-se assim. – Parece que o Verbo, em Deus, não é nome de pessoa.
1. – Pois, os nomes pessoais em Deus se predicam em sentido próprio, como Pai e Filho. Ora, em Deus, o Verbo se predica metaforicamente, como diz Orígenes. Logo, o Verbo, em Deus, não é nome de pessoa.
2. Demais. – Segundo Agostinho, o verbo é o conhecimento com amor. E segundo Anselmo, para o Sumo Espírito – dizer – nada mais é do que a intuição cogitativa. Ora, o conhecimento, a cogitação e a intuição se predicam essencialmente, em Deus. Logo, o Verbo, em Deus, não significa nome de pessoa.
3. Demais. – Da natureza do Verbo é o ser dito. Ora, segundo Anselmo, assim como o Pai o Filho e o Espírito Santo são inteligentes, assim também são dicentes. E, semelhantemente, cada um deles é dito. Logo, o nome de Verbo se predica, em Deus, essencial e não pessoalmente.
4. Demais. – Nenhuma pessoa divina é feita. Ora, o Verbo de Deus é feito. Pois, diz a Escritura (Sl 128, 8): O fogo, o granizo, a neve, a geada, o espírito das tempestades, que executam a sua palavra. Logo, em Deus, o verbo não é nome de pessoa.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Assim como o Filho se refere ao Pai, assim o Verbo, ao ser ao qual pertence. Ora, Filho é nome de pessoa porque se predica relativamente. Logo, também o Verbo.
SOLUÇÃO. – O nome de Verbo, em Deus, em acepção própria, é nome de pessoa e de nenhum modo de essência. Para evidenciá-lo devemos saber, que o verbo, em nós, de tríplice modo se usa, em acepção própria; e, de um quarto modo, imprópria ou figuradamente. Ora, mais manifesta e comumente em nós se chama verbo o que é proferido pela palavra e que procede do interior, quanto a duas características que aparecem no verbo exterior, a saber, a palavra em si mesma e a sua significação. Ora, a palavra significa o conceito do intelecto, segundo o Filósofo; e como ainda diz o mesmo, ela procede da imaginação; ao passo que a palavra não significativa não se pode chamar de verbo. Pois, o verbo se chama palavra exterior por significar o conceito interior da mente. Assim, chama-se verbo, primária e principalmente, o conceito interior da mente; secundariamente, a palavra mesma significativa deste conceito; e em terceiro lugar, a imaginação mesma da palavra. E a esta tríplice modalidade do verbo se refere Damasceno, dizendo: Verbo se chama o movimento natural do intelecto, segundo o qual este se move, intelige e cogita, e é uma como luz e esplendor – quanto ao primeiro modo; em seguida, verbo é o que se não profere por palavra, mas se pronuncia no coração – quanto ao terceiro; e enfim, o verbo é anjo, i. é, o núncio, da inteligência – quanto ao segundo. – Porém, de um quarto modo e figuradamente, chama-se verbo o que significado ou feito pela palavra; e neste sentido costumamos dizer: Este é o verbo que te disse, ou, que o rei mandou, aludindo-se a algum fato significado pela palavra de quem simplesmente a enuncia ou manda.
Porém, em Deus propriamente se usa do vocábulo verbo para significar o conceito do intelecto. Por isso, diz Agostinho: Quem puder inteligir o verbo não somente antes da palavra soar, mas ainda,antes de serem apreendidas pela cogitação as imagens dos seus sons, já pode ver alguma semelhança daquele Verbo, do qual foi dito: No princípio era o Verbo. Mas, o conceito mental procede, por natureza, de outro, i. é, do conhecimento de quem o concebe. E, por isso, o Verbo, enquanto propriamente predicado de Deus, significa uma realidade procedente de outra; e isso pertence à essência dos nomes pessoais, em Deus, porque as pessoas divinas se distinguem pela origem, como se disse (q. 27; q. 32, a. 3). Donde, necessariamente vem, que o nome de Verbo predicado propriamente de Deus, não é tomado em acepção essencial, mas somente pessoal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os arianos, dos quais Orígenes é a fonte, ensinaram que o Filho é outro que não o Pai por diversidade de substância. Mas, como o Filho se chama Verbo de Deus, esforçaram-se por negar que seja esse um nome próprio dele; para não serem forçados a confessar, admitindo a idéia de Verbo procedente, que o Filho de Deus não é extra-substancial ao Pai, pois o verbo procede interiormente de quem o profere; de modo que lhe é imanente. – Mas é forçoso, desde que se admita o verbo de Deus, em sentido metafórico, admitir-se o verbo divino em sentido próprio. Pois nada, senão em virtude da manifestação, pode se chamar metaforicamente verbo, porque ou manifesta, como verbo, ou é pelo verbo manifestado. Ora, se for deste último modo, é necessário admitir-se o verbo pelo qual se manifeste. E se se chamar verbo, porque manifesta exteriormente, essas manifestações exteriores não se chamam verbos senão como significativas do conceito interior da mente, que manifestamos também por sinais exteriores. E assim, embota por vezes, em Deus, o verbo se predique metaforicamente, todavia é necessário nele admitirmos o Verbo propriamente dito, em sentido pessoal.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Nada do que concerne ao intelecto se predica pessoalmente de Deus, senão o Verbo; porque só este significa o que emana de outro; pois, o verbo é a concepção formada pelo intelecto. Ora, o intelecto, enquanto atualizado pela espécie inteligível é considerado de modo absoluto. E semelhantemente, o inteligir, que está para o intelecto em ato como a essência, para o ser em ato; pois, inteligir não significa ação que saia do intelecto, mas é imanente no ser que intelige. Portanto, quando dizemos que o Verbo é conhecimento, este conhecimento não significa o ato do intelecto conhecente, ou qualquer hábito dele, mas, aquilo que o intelecto concebe, quando conhece. Por isso diz Agostinho, que o Verbo é a sabedoria gerada, e que nada mais é senão a própria concepção do sábio a qual, de igual modo, também se pode chamar conhecimento gerado. E do mesmo modo podemos entender que, dizer, em Deus, é cogitar intuitivamente, i. é, enquanto que essa cogitação intuitiva divina leva à concepção do Verbo de Deus. Porém esse vocábulo – cogitação – não convém propriamente ao Verbo divino. Pois, diz Agostinho: Ao chamado Verbo não se pode denominar cogitação; para que se não creia haver em Deus algo de mutável que, depois de ter recebido a forma do verbo, possa vir a perdê-la sujeito a uma como informe transformação. Pois, a cogitação consiste propriamente em indagar a verdade, o que não pode ter lugar em Deus. Pois, quando o intelecto já atingiu a forma da verdade, não cogita, mas contempla perfeitamente. Por onde, Anselmo impropriamente toma a cogitação pela contemplação.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Assim como, propriamente falando, o Verbo se predica de Deus, pessoal e não essencialmente, assim também o dizer. Por onde, não sendo o Verbo comum ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, também não é verdade seja o Pai o Filho e o Espírito Santo um só dicente. Por isso Agostinho ensina: Em Deus não se entende como um só o que diz, por aquele Verbo coeterno. Mas, ser dito convém a qualquer das Pessoas, pois, é dito não só o Verbo, mas ainda as coisas por este inteligidas ou significadas. Assim, pois, a uma só das Pessoas divinas convém o ser dita, do modo pelo qual o verbo é dito; porém, a cada uma delas convém ser dita do modo pelo qual o é, pelo verbo, a coisa inteligida. Assim, o Pai concebe o Verbo inteligindo-se a si, ao Filho, ao Espírito Santo e a tudo o mais que a sua ciência contém; de maneira que toda a Trindade e mesmo toda criatura sejam ditas pelo Verbo, do mesmo modo que o intelecto humano diz, pelo verbo, ser pedra o que concebe como pedra. Porém, Anselmo toma impropriamente dizer por inteligir, que, contudo, diferem. Pois, inteligir só importa relação entre o inteligente e o objeto inteligido, na qual se não compreende nenhuma idéia de origem, mas só uma certa informação do nosso intelecto, como atualizado pela forma da coisa inteligida. Em Deus, porém, importa omnímoda identidade, em quem se identifica absolutamente o inteligente com o inteligido, como já vimos (q. 14, a. 2, 4). Ao passo que dizer importa principalmente relação com o verbo concebido, pois dizer nada é senão proferir o verbo. E, mediante o verbo, importa relação com o objeto inteligido, o qual pelo proferido se manifesta a quem intelige. Assim, só a Pessoa que profere o Verbo é, em Deus, dicente, embora cada uma das Pessoas singularmente seja inteligente e inteligida e, por conseguinte, dita pelo Verbo.
RESPOSTA À QUARTA. – Verbo, no lugar citado se toma em sentido figurado, enquanto o significado ou o efeito de verbo se chamam verbo. Assim, dizemos que as criaturas executam o verbo de Deus, por executarem algum efeito ao qual foram ordenados pelo Verbo concebido da divina sabedoria. Do mesmo modo dizemos, que alguém cumpre o verbo do Rei, quando executa a obra a qual é levada por esse verbo.

ART. II - SE VERBO É O NOME PRÓPRIO DO FILHO


(I Sent., dist. XXVII, q. 2, a. 2, qª 2; De Verit., q. 4. a. 3; Contra errors Graec., cap. XII. Ad Hebr., cap. 1, lect. II)

O segundo discute-se assim. – Parece que o Verbo não é o nome próprio do Filho.
1. – Pois, o filho é uma pessoa divina subsistente. Ora, o verbo não significa nenhuma realidade subsistente, como em nós o vemos. Logo, o Verbo não pode ser nome próprio da pessoa do Filho.
2. Demais. – O verbo procede de quem o diz, por uma certa prolação. Se pois o Filho é propriamente Verbo, não procede do Pai senão a modo de prolação; o que é a heresia de Valentino, como se vê em Agostinho.
3. Demais. – Todo nome próprio de pessoa significa alguma propriedade desta. Se, pois, o Verbo é nome próprio do Filho, significará alguma propriedade deste e assim haverá mais propriedades em Deus do que as supra enumeradas (q. 32, a. 3).
4. Demais. – Quem intelige, inteligindo, concebe o verbo. Ora, o Filho intelige. Logo, é um certo verbo e portanto não lhe é próprio ser o Verbo.
5. Demais. – Diz a Escritura, do Filho (Hb 1, 3): Sustentando tudo com a palavra da sua virtude; donde conclui Basílio que o Espírito Santo é o Verbo do Filho. Logo, não é próprio do Filho ser Verbo.
Mas, em contrário, Agostinho: Só o Filho é considerado como Verbo.
SOLUÇÃO. – O Verbo divino propriamente dito é considerado como pessoa, e é o nome próprio da pessoa do Filho. Pois significa uma certa emanação do intelecto. Ora, a pessoa divina que procede por emanação do intelecto se chama Filho, denominando-se tal processão geração, como se demonstrou (q. 27, a. 2). Por onde resulta que só o Filho propriamente pode chamar-se Verbo divino.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Em nós não se identifica o ser com o inteligir; por isso o que em nós é essência inteligível não pertence à nossa natureza. Ora, o ser de Deus se lhe identifica com o inteligir. Portanto, o Verbo de Deus não é nele um acidente ou algum efeito seu, mas lhe pertence à natureza mesma. Logo e necessariamente, deve ser uma realidade subsistente; pois, tudo o que existe em a natureza de Deus, subsiste. E por isso Damasceno diz, que o Verbo de Deus é substância e ente hipostático; ao passo que os outros verbos, i. é, os nossos, são virtudes da alma.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O erro de Valentino não foi condenado por ensinar que o Filho nasce por prolação, como o faziam os Arianos, segundo refere Hilário; mas, pelo modo diverso de prolação que admitia, como se vê em Agostinho.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O nome de Verbo importa a mesma propriedade que a do nome de Filho. E por isso diz Agostinho: Do modo porque se diz Verbo também se diz Filho. Pois, a natividade do Filho, que é propriedade pessoal sua, é significada por diversos nomes, que se lhe atribuem para lhe exprimirem diversamente a perfeição. Assim, para mostrarmos que é conatural com o Pai, lhe chamamos Filho; que é coeterno, Esplendor; que é absolutamente semelhante, Imagem; que é imaterialmente gerado, Verbo. E não é possível achar um só nome para designarmos tudo isso.
RESPOSTA À QUARTA. – Convém ao Filho ser inteligente do mesmo modo que lhe convém ser Deus, desde que, em Deus, inteligir é predicado essencial, como vimos (a. 1, ad 2, 3). Ora, o Filho é Deus gerado e não Deus gerador. Por onde, é por certo inteligente, não como produtor do Verbo, mas como Verbo procedente, i. é, enquanto em Deus o Verbo procedente não difere realmente do intelecto divino, mas só relativamente se distingue do princípio do Verbo.
RESPOSTA À QUINTA. – Quando a Escritura diz, do Filho: Sustentando tudo com a palavra da sua virtude – o verbo é tomado figuradamente pelo seu efeito. Por isso, a Glosa a esse lugar diz, que verbo significa império, i. é, enquanto pelo efeito da virtude do Verbo é que as coisas se conservam no ser, assim como pelo efeito da mesma virtude é que vem ao ser. Quando, porém, Basílio interpreta verbo por Espírito Santo, fala imprópria e figuradamente, no sentido em que se pode dizer que verbo de alguém é tudo aquilo que lhe é manifestativo do ser; podendo-se então dizer que o Espírito Santo é verbo do Filho porque o manifesta.

ART. III. – SE O NOME DE VERBO IMPORTA RELAÇÃO COM A CRIATURA


(Infra q. 37, a. 1, ad 3; I Sent., dist. XXVII, q. 2, a. 3; De Verit., q. 4, a. 5; Quodl. IV, q. 4, a. 1, ad 1)

O terceiro discute-se assim. – Parece que o nome de Verbo não importa relação com a criatura.
1. – Pois, todo nome, que designe um efeito na criatura, essencialmente se predica de Deus. Ora, o verbo não se predica essencial, mas, pessoalmente, como se disse (a. 1). Logo, não importa relação com a criatura.
2. Demais. – O que importa relação com as criaturas se predica de Deus temporalmente, como Senhor e Criador. Ora, o Verbo se predica de Deus abeterno. Logo, não importa relação com a criatura.
3. Demais. – O verbo importa relação com o ser donde procede. Se, portanto, importa relação com a criatura, segue-se que desta procede.
4. Demais. – As idéias são várias, conforme as diversas relações com as criaturas. Se, pois, o Verbo importa relação com as criaturas, segue-se que em Deus não há um só, mas vários verbos.
5. Demais. – Se o Verbo importa relação com a criatura, só pode ser enquanto estas são dele conhecidas. Ora, Deus, não somente conhece o ser, mas ainda o não-ser. Logo, o Verbo, importará relações com o não-ser, o que é falso.
Mas, em contrário, diz Agostinho, que o nome de Verbo implica, não somente relação com o Pai, mas ainda com as potências, que foram feitas operativas pelo Verbo.
SOLUÇÃO. – O Verbo importa relação com as criaturas. Pois, Deus, conhecendo-se, conhece a todas. Ora, o Verbo concebido na mente é representativo de tudo o que é inteligido em ato. Por isso, são tantos os nossos verbos quantas as coisas que inteligimos. Mas, como Deus, pelo mesmo ato, se intelige a si e a todas as coisas, o seu único Verbo é expressivo não só do Pai, mas também das criaturas. E assim a ciência de Deus é cognoscitiva, ao passo que a da criatura é cognoscitiva e factiva; assim, o Verbo de Deus é somente expressivo do que existe em Deus; o das criaturas, porém, é expressivo e operativo. Por isso diz a Escritura (Sl 32, 9): Ele disse e foram feitas as coisas, porque o Verbo implica a razão factiva das coisas que Deus faz.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O nome de pessoa inclui também indiretamente a natureza; pois, a pessoa é uma substância individual de natureza racional. Ora, o nome de pessoa divina, no concernente à relação pessoal, não implica relação com a criatura, mas o implica no que concerne a natureza. Nada porém impede, desde que a essência se inclui na significação de pessoa, que esta última importe relação com a criatura. Pois, assim como é próprio ao Filho ser Filho, assim também lhe é próprio ser Deus gerado ou Criador gerado. E deste modo, o nome de Verbo importa relação com a criatura.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Derivando as relações das ações, certos nomes importam relação de Deus com a criatura, resultante da ação de Deus transitiva para um efeito exterior, como criar e governar. E tais nomes se predicam de Deus temporalmente. Outros porém exprimem a relação resultante de ação não transitiva para um efeito exterior, mas imanente no sujeito, como, saber e querer; e tais nomes não se predicam de Deus temporalmente. Ora, é esta última relação com a criatura que importa o nome de Verbo. Nem é verdade que os nomes que importam relação de Deus com as criaturas se prediquem todos temporalmente; mas só aqueles, que importam relação resultante da ação divina transitiva para um efeito exterior, é que temporalmente se predicam.
RESPOSTA À TERCEIRA. – As criaturas não são conhecidas por Deus, de ciência que ele por meio delas obtivesse, mas pela sua essência. Por onde, não é necessário que o Verbo proceda das criaturas, embora seja delas expressivo.
RESPOSTA À QUARTA. – O nome de idéia, sendo principalmente imposto para significar relação com a criatura, predica-se de Deus no plural, e não é nome pessoal. Mas, o nome de Verbo principalmente é imposto para significar relação com quem o profere e, por consequência, com as criaturas, enquanto que Deus, inteligindo-se, intelige a todas. E por isso de Deus só há um Verbo pessoalmente predicado.
RESPOSTA À QUINTA. – Assim como a ciência de Deus se refere ao não ser, assim também o Verbo de Deus; pois, não há no Verbo de Deus nada menos do que na ciência de Deus, como diz Agostinho. Contudo, do ser, o Verbo é expressivo e factivo, ao passo que, do não ser, é expressivo e manifestativo.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Questão XXXIII - Da pessoa do Pai

QUESTÃO XXXIII. — DA PESSOA DO PAI


Em seguida, devemos tratar das Pessoas em especial. E primeiro da Pessoa do Pai, sobre a qual quatro artigos se discutem:
  1. Se compete ao Pai ser princípio;
  2. Se a Pessoa do Pai é propriamente significada pelo nome de Pai;
  3. Se em Deus a denominação Pai, na acepção pessoal, é anterior à tomada na acepção essencial;
  4. Se é próprio do Pai ser ingênito.

ART. I. — SE COMPETE AO PAI SER PRINCÍPIO DO FILHO, OU DO ESPÍRITO SANTO


(I Sent., dist. XII, a. 2, ad 1; dist. XXIX, a. 1; III, dist. XI, a. 1. ad 5; De Pot., q. 10, a. 1, ad 8 sqq.; Contra errores Graec., cap. 1)

O primeiro discute-se assim. — Parece que o Pai não pode ser princípio do Filho ou do Espírito Santo.
1. — Pois, princípio e causa se identificam, segundo o Filósofo. Ora, não dizemos que o Pai é causa do Filho. Logo, nem devemos dizer que é deste o princípio.
2. Demais. — Um princípio supõe um principiado. Se, pois, o Pai é o princípio do Filho, segue-se que este principiou e, por consequência, foi criado, o que é errôneo.
3. Demais. — O nome de princípio supõe prioridade. Ora, em Deus não há anterior nem posterior, como diz Atanásio. Logo, a ele não lhe devemos aplicar o nome de princípio.
Mas, em contrário, Agostinho: O pai é o princípio de toda divindade.
SOLUÇÃO. — O nome de princípio significa aquilo de que alguma coisa procede, pois damos tal nome a tudo aquilo de que alguma causa de qualquer modo procede, e inversamente. Donde, como do Pai procede outro, resulta que o Pai é princípio.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os Gregos aplicam a Deus, indiferentemente os nomes de coisa e de princípio, mas os Doutores latinos não usam do nome de causa, mas só do de princípio. E a razão é que princípio é mais que causa, como causa o é mais que elemento; assim, o primeiro termo ou mesmo a primeira parte de uma coisa se chama princípio e não, causa. Ora, quanto mais comum é um nome tanto mais convém a Deus, como dissemos (q. 13, a. 2), porque os nomes, quanto mais especiais tanto mais determinam o modo conveniente à criatura. Donde, o nome de causa importa diversidade de substância e dependência entre uma coisa e outra, o que não importa o nome de princípio. Pois, em todos os gêneros de causa, sempre existe diferença entre a causa e o efeito, relativamente a alguma perfeição ou virtude. Usamos do nome de princípio, porém, mesmo entre coisas que não diferem do modo por que acabamos de expor, mas somente segundo certa ordem; assim, quando dizemos que o ponto é o princípio da linha, ou ainda, que a primeira parte da linha é desta o princípio.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Os Gregos dizem, que o Filho e o Espírito Santo principiaram. Mas isto não usam dizer os nossos Doutores; pois, embora atribuamos ao Pai alguma autoridade, em razão de princípio, todavia não atribuímos, quer ao Filho, quer ao Espírito Santo, qualquer sujeição ou minoração, para evitar a ocasião de algum erro. E deste modo diz Hilário: O Pai é maior pela autoridade de doador; mas não é menor o Filho, ao qual um ser é dado.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora o nome de princípio, quanto à proveniência da sua significação, se considere como supondo a prioridade, todavia não significa a prioridade, mas a origem. Pois, o que o nome significa não é o mesmo que a razão da sua significação, como dissemos (q. 13, q. 2 ad 2; a. 8).

ART. II. — SE O NOME DE PAI É PROPRIAMENTE NOME DE PESSOA DIVINA


(Infra, q. 40, a. 2)

O segundo discute-se assim. — Parece que o nome de Pai não é propriamente nome de Pessoa divina.
1. — Pois, o nome de Pai significa uma relação. Ora, a pessoa é uma substância individual. Logo, o nome de Pai não é propriamente significativo de pessoa.
2. Demais. — Generante tem significação mais geral do que pai; pois, todo pai é generante, não porém inversamente. Ora, o nome de significação mais geral, mais propriamente se aplica a Deus, como se viu (a. 1). Logo, mais propriamente se aplica à Pessoa divina o nome de generante e o de genitor, que o de Pai.
3. Demais. — Nenhum nome metafórico pode ser aplicado em sentido próprio. Ora, o verbo, em nós, metaforicamente se chama genito, ou prole; e por consequência, aquele de quem o verbo procede metaforicamente se chama pai. Logo, em Deus, o princípio do Verbo não se pode propriamente chamar Pai.
4. Demais. — Tudo quanto propriamente se diz de Deus, dele e não das criaturas sé diz primariamente. Ora, a geração a título primário não se atribui a Deus, mas às criaturas, segundo parece; pois, mais verdadeiramente parece que há a geração onde um ser procede de outro, distinto este, daquele, não só relativa mas ainda essencialmente. Logo, o nome de pai, originado da geração, não é próprio a nenhuma das divinas pessoas. Mas, em contrário, a Escritura (Sl 88, 27): Ele me invocará dizendo: Tu és meu Pai.
SOLUÇÃO. — O nome próprio de uma pessoa significa aquilo pelo qual ela se distingue de todas as outras. Assim, pois, como da natureza do homem é o ter alma e corpo, assim da idéia de tal homem é tal alma e tal corpo, como diz o Filósofo; porquanto é dessa maneira que tal homem se distingue dos outros. Ora, o que distingue a pessoa do Pai de todas as outras é a paternidade. Logo, o nome próprio dessa pessoa é Pai, significativo da paternidade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Em nós, a relação não é uma pessoa subsistente. Por isso, o nome de pai, em nós, não significa a pessoa mas a sua relação. Ora, em Deus, não é assim, como alguns falsamente opinaram, porque a relação que significa o nome de Pai é uma pessoa subsistente. Por isso dissemos (q. 29, a. 4), que o nome de pessoa em Deus significa relação subsistente na divina natureza.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A denominação de um ser deve se tirar sobretudo da sua perfeição e do seu fim, como diz o Filósofo. Ora, a geração exprime o vir à ser; ao passo que a paternidade significa o complemento da geração. Por onde, mais próprio é da divina pessoa o nome de pai do que o de generante ou genitor.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Em a natureza humana, o verbo, não sendo nada de subsistente, não se pode propriamente chamar genito ou filho. Ao contrário, o Verbo divino é uma realidade subsistente em a natureza divina; por isso própria e não metaforicamente se chama Filho; e o seu princípio, Pai.
RESPOSTA À QUARTA. — Os nomes de geração, paternidade e outros que propriamente se atribuem a Deus, primeiro se predicam dele que das criaturas, quanto à realidade significada, embora não quanto ao modo de significar. Daí o dizer a Escritura (Ef 3, 14-15): Dobro eu os meus joelhos diante do Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda a paternidade toma o nome nos céus e na terra. E isto assim se explica. É manifesto que do seu termo — a forma do gerado — é que a geração recebe a sua espécie. E quanto mais tal forma estiver próxima da do generante, tanto mais verdadeira e perfeita será a geração; assim, a geração unívoca é mais perfeita que a não unívoca, por ser da natureza do generante o gerar o que lhe é semelhante pela forma. Donde, o fato mesmo de se identificarem numericamente, em Deus, as formas do generante e do genito, e de nas coisas criadas se não identificarem numérica, mas apenas especificamente, mostra que a geração, e por consequência a paternidade, primeiro se atribui a Deus que às criaturas. Logo, o haver em Deus distinção entre o genito e o generante, mas apenas quanto à relação, pertence à verdade da divina geração e paternidade.

ART. III. — SE O NOME DE PAI, TOMADO PESSOALMENTE, SE ATRIBUI PRIMARIAMENTE A DEUS


O terceiro discute-se assim. — Parece que o nome de pai, tomado pessoalmente, não se atribui primàriamente a Deus.
1. — Pois, o comum é intelectualmente anterior ao próprio. Ora, o nome de Pai, tomado pessoalmente, é próprio da Pessoa do Pai; tomado essencialmente, é comum a toda a Trindade, pois, a toda a Trindade chamamos Pai nosso. Logo, o nome de pai, tomado essencialmente, se atribui primeiro do que tomado pessoalmente.
2. Demais. — De coisas da mesma natureza nada se predica por anterioridade e posterioridade. Ora, a paternidade e a filiação predicam-se como constituindo uma só noção, por ser uma Pessoa divina Pai do Filho, e toda a Trindade Pai nosso ou da criatura; pois, segundo Basílio, receber é comum à criatura e ao Filho. Logo, a Deus a denominação de Pai, tomada essencialmente, não se atribui, antes, do que quando tomada pessoalmente.
3. Demais. — Não se comparam coisas que não correspondem a uma mesma noção. Ora, o Filho é comparável à criatura em razão da filiação ou da geração, segundo a Escritura (Cl 1, 15): Que é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criatura. Logo, em Deus, a paternidade, em sentido pessoal, não se atribui a Deus primeiro que em sentido essencial; mas, segundo a mesma noção.
Mas, em contrário, o eterno é anterior ao temporal. Ora, Deus é abeterno Pai do Filho, ao passo que é Pai temporal das criaturas. Logo, a paternidade, em Deus, relativamente ao Filho, se diz primeiro do que em relação à criatura.
SOLUÇÃO. — Um nome se atribui primeiro ao ser ao qual perfeitamente se aplica toda a sua noção, do que àquele ao qual a noção se aplica parcialmente; pois a este se atribui como por semelhança com aquele do qual perfeitamente se predica, porque todo o imperfeito deriva do perfeito. Assim, o nome de leão atribui-se primeiro ao animal ao qual convém a noção total do leão, e que é chamado propriamente tal, do que a um homem no qual se encontre algo da noção do leão, p. ex., a audácia, a força, ou qualquer outro atributo semelhante: pois, a esse homem se atribui por semelhança. Ora, é manifesto, pelo que já dissemos (q. 27, a. 2; q. 28, a. 4), que a noção perfeita de paternidade e de filiação existe em Deus Pai e em Deus Filho, pois, a mesma é a natureza e a glória do Pai e do Filho. Ao passo que na criatura existe a filiação, relativamente a Deus, não na sua noção perfeita, pois não é a mesma a natureza do Criador e a da criatura; mas, por certa semelhança. E esta, quanto mais perfeita, tanto mais se aproximará da verdadeira noção da filiação. Assim, de certas criaturas como as irracionais, se diz que Deus é Pai, só pela semelhança de vestígio, segundo a Escritura (Jó 38, 28): Quem é o pai da chuva? ou: Quem produziu as gotas de orvalho? De certas outras, porém, como as racionais, por semelhança de imagem, conforme a Escritura (Dt 32, 6): Não é ele teu pai, que te possuiu e te fez e te criou? Ainda de outras é Pai pela semelhança da graça, e estas também se chamam filhos adotivos, enquanto ordenadas à herança da glória eterna por um dom recebido da graça, segundo o Apóstolo (Rm 8, 16-17): porque o mesmo Espírito dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos de Deus, e se somos filhos, também herdeiros. De outras, enfim, pela semelhança da glória, enquanto desta já possuem a herança segundo o Apóstolo (Rm 5, 2): E nos gloriamos na esperança da glória dos filhos de Deus.
Donde resulta claro que, de Deus, a paternidade se predica primariamente enquanto importa relação de Pessoa com Pessoa, do que enquanto importa relação sua com as criaturas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os nomes comuns, empregados em sentido absoluto, têm prioridade sobre os próprios, quanto à ordem do nosso intelecto, pois se incluem no conceito destes; não porém inversamente. Assim, o conceito da Pessoa de Pai inclui o de Deus, se bem não ao inverso. Mas, os nomes comuns, que implicam relação com as criaturas, predicam-se posteriormente aos próprios, que incluem relações pessoais; porque, em Deus, a pessoa procedente procede como principio da produção das criaturas. Pois, assim como se entende que o verbo concebido pela mente do artífice procede deste antes de proceder o artificiado, o qual é produzido por semelhança com o verbo mentalmente concebido; assim, do Pai procede o Filho, antes da criatura, à qual se atribui o nome de filiação por participar algo da semelhança do Filho, como está claro na Escritura (Rm 8, 29): Os que Ele conheceu na sua presciência, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Diz-se que receber é comum à criatura e ao Filho, não por invocação, mas por certa semelhança remota, em razão da qual ele se chama primogênito da criatura. Por isso a autoridade citada acrescenta: Para ser ele o primogênito entre muitos irmãos — depois de haver dito: Certos se tornam conformes à imagem do Filho de Deus. Ora, o Filho de Deus tem naturalmente, sobre todos os seres uma certa singularidade, a saber, possuir por natureza o que recebe, como diz o mesmo Basílio. E é neste sentido que se chama unigênito, como se vê na Escritura (Jo 1, 18): O unigênito, que está no seio do Pai, esse é quem nos deu a conhecer. Donde resulta a RESPOSTA À TERCEIRA objeção.

ART. IV. — SE É PRÓPRIO DO PAI SER INGÊNITO


(I Sent., dist. XIII, a. 4; dist. XXVIII, q. 1, a. 1; Cont. Errores Graec., cap. VIII)

O quarto discute-se assim. — Parece que não é próprio do Pai ser ingênito.
1. — Pois, toda propriedade introduz alguma realidade no ente ao qual pertence. Ora, ingênito nada introduz no Pai, mas somente dele remove. Logo, não implica nenhuma propriedade sua.
2. Demais. — Ingênito é palavra que se emprega em sentido privativo ou negativo. Se negativo, então tudo o que não for genito pode se chamar ingênito. Ora, o Espírito, bem como a essência divina, não é genito. Por isso, também lhes convém o ser ingênito; o que não é, portanto, próprio do Pai. Se porém o sentido for privativo, como toda privação implica uma imperfeição no ser privado, segue-se que a pessoa do Pai é imperfeita; o que é impossível.
3. Demais. — Ingênito, por não se predicar de Deus relativamente, não significa relação. Logo, significa substância. Portanto ingênito e genito substancialmente diferem. Ora, o Filho, que é genito, não difere substancialmente do Pai. Logo, este se não deve chamar ingênito.
4. Demais. — É próprio o que a um só convém. Ora, como em Deus há vários procedentes de outro, nada impede haver também vários não existentes por outro. Logo, não é próprio do Pai ser ingênito.
5. Demais. — Sendo o Pai princípio da pessoa genita, sê-lo-á também da procedente. Se portanto, pela contrariedade que tem com a pessoa genita, é próprio do Pai ser ingênito, também dele deve se admitir como próprio não poder ser procedente.
Mas, em contrário, diz Hilário: Um vem de outro, isto é, do ingênito o genito, pela propriedade de cada um, a saber, a inascibilidade e a origem.
SOLUÇÃO. — Como as criaturas têm um princípio primeiro e outro, segundo, assim as Pessoas divinas, nas quais não há prioridade e posterioridade, têm um princípio sem princípio, que é o Pai, e um princípio com princípio, que é o Filho. Ora, nas criaturas um princípio primeiro de dois modos se nos manifesta: como tendo relação com o que de si provém, e como não procedente de outro. Assim, pois, o Pai se nos manifesta pela paternidade e pela espiração comum, quanto às pessoas dele procedentes; porém, como princípio sem princípio, manifestasse-nos por não proceder de outro, o que constitui a propriedade de inascibilidade, significada pelo nome ingênita.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Alguns dizem que a inascibilidade, significa da pelo nome ingênito, como propriedade do Pai, não se aplica só negativamente, mas importa ao mesmo tempo, em o Pai, de ninguém proceder e ser princípio de outros; ou importa uma autoridade universal; ou ainda plenitude primária. — Mas isto não é verdade, porque então a inascibilidade não seria propriedade distinta da paternidade e da espiração, mas as incluiria, como o comum inclui o próprio; pois as palavras — primário e autoridade — não significam em Deus senão o princípio da origem. — E portanto devemos dizer, segundo Agostinho, que ingênito importa a negação da geração passiva, pois, diz, tanto vale dizer ingênita como dizer não Filho. Mas, daí não se segue que se não deva considerar ingênito como noção própria do Pai, pois, conhecemos o primário e o simples por meio de negações; assim dizemos que ponto é o que não tem parte.
REPOSTA À SEGUNDA. — As vezes ingênito se toma só em acepção negativa, e é assim que Jerônimo diz, que o Espírito Santo é ingênito, i. é, não genito. — Outras vezes se emprega ingênito em sentido, de certo modo, privativo, sem que, contudo, importe qualquer imperfeição; pois, múltiplo é o sentido da palavra privação. Ora, significa que um ser não tem o que lhe seria natural ter, de outro, embora não seja da natureza de tal ser possuir tal atributo; como se chamássemos à pedra coisa morta por não ter a vida, que certos seres naturalmente têm. Ora, significa que um ser não tem o que lhe seria natural ter, como recebido de outro ser congênere; assim, se chamássemos à toupeira cega. E de um terceiro modo significa, que um ser não tem o que naturalmente deveria ter, e então importa imperfeição. Assim, pois, ingênito diz-se do Pai, não privativamente, mas sim do segundo modo, i. é, enquanto um suposto da natureza divina não é genito, e outro o é. — Mas, a esta luz, também ao Espírito Santo se pode chamar ingênito. Por onde, para que seja próprio só do Pai, é necessário incluir-se ulterior-mente, em o nome de ingênito, a conveniência a uma das Pessoas divinas, como sendo princípio de outra, e assim importando a negação, no gênero do princípio, aplicado a Deus em sentido pessoal. Ou ainda, devemos entender por ingênita o que de nenhum modo procede de outro, e não sàmente o que não procede pela geração. Assim pois, ao Espírito Santo. procedente de outro por processão, como pessoa subsistente, não convém ser ingênito; e nem também à divina essência da qual se pode dizer que, no Filho e no Espírito Santo, procede de outro, a saber do Pai.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Segundo Damasceno, ingênito, de um modo, significa o mesmo que incriado, no sentido substancial; pois, por aí difere a substância criada da incriada. De outro modo, significa o que não é genito, e é em sentido relativo, da mesma maneira que a negação se reduz ao gênero da afirmação; assim não-homem se reduz ao gênero da substância, e não-branco, ao da qualidade. Donde, genito, em Deus, importando relação, ingênito também a esta se reduz. E daí se não segue, que o Pai ingênito se distinga substancialmente do Filho genito, senão só relativamente, enquanto se nega do Pai a relação do Filho.
RESPOSTA À QUARTA. — Assim como na ordem dos gêneros é preciso admitir-se um que é o primeiro, assim em a natureza divina é necessário admitir-se um princípio chamado ingênito, não proveniente de outro. Logo, admitir dois inascíveis é admitir dois deuses e duas naturezas divinas. Por isso diz Hilário: sendo Deus um só não podem ser dois os inascíveis. E isto precipuamente porque, se estes fossem dois, um deles não procederia do outro e assim, não se distinguindo por oposição relativa, necessàriamente se distinguiriam por diversidade de natureza.
RESPOSTA À QUINTA. — A propriedade do Pai, de não proceder de outro, antes é significada pela remoção da natividade do Filho, do que pela da processão do Espírito Santo. Tanto porque esta última não tem nome especial, como já vimos (q. 27, a. 4 ad 3), como porque, mesmo na ordem da natureza, pressupõe a geração do Filho. Por onde, removido do Pai o não ser genito, como todavia é princípio de geração, resulta consequentemente, que não é procedente pela processão do Espírito santo, pois este não é princípio de geração, mas procedente do genito.